segunda-feira, 21 de dezembro de 2009

Cartão de Visitas Não é Tudo









Por Jorge Fernandes Isah [1]

É interessante como o discurso liberal não passa de retórica, onde todas as grandes virtudes servem apenas como “passaporte” para o pecado e "livre-acesso" à libertinagem, e, em última instância, o descrédito da palavra de Deus como infalível, inerrante e inspiradamente divina [na verdade, é o motivo principal]. Não passando de uma estratégia real para se dar vazão à carne, para acomodá-lo a uma distância segura o [in] suficiente para não ver o Deus bíblico e Seus mandamentos, sem que haja a chance da [in] consciência acusá-lo; ainda que não seja possível em nenhum momento estar fora do alcance da mão e da justiça divinas.

O objetivo é desqualificá-la como a palavra fidedigna e revelação especial de Deus, a única capaz de levar o homem a conhecê-lO e a Sua vontade e, da mesma forma, o único canal possível de levar o homem ao conhecimento próprio, da criação, e de tudo o mais no universo que está diretamente relacionado ao Criador. O intento é o de transtornar e converter a verdade e, em seu lugar, instalar o falso deus criado pela mente caída do homem, como uma reprodução e projeção de si mesmo erguida no altar da idolatria e da blasfêmia; onde se quer ser comparado a Ele quando se é apenas uma tola, miserável e insignificante criatura, pois "todas as nações são como nada perante ele; ele as considera menor do que nada e como coisa vã" [Is 40.17].  

Mesmo assim, diante da completa impossibilidade de haver algo semelhante ou comparável a Deus, há os que se consideram "divinos", ao tentarem diminuí-lO até o patamar mais baixo que o ceticismo possa levá-los. Entre outros, são os liberais declarados, aqueles que não se escondem e estão dispostos a revelar toda a sua incredulidade, travestida de racionalismo puro, empirismo autorrefutável e axiomas certamente improváveis e ilógicos, a levarem a efeito esse trabalho. Sabemos quem eles são, onde estão, e o que planejam detidamente realizar em prol de suas convicções insanas e espúrias, e, quem os seguem, sabe muito bem porque está a segui-los; não há enganados e distraídos, há apenas tolos, cegos e soberbos sectários.[2] 

Portanto, a preocupação se volta para os liberais que se têm travestido de ortodoxos e se infiltrado sorrateiramente nas igrejas, congressos, seminários, editoras, sites e blogs aparentando piedade, quando o propósito é somente um: traiçoeira e subliminarmente, em doses homeopáticas, aplicarem nos incautos o vírus da descrença, o ódio a Cristo, a “desglória” a Deus e o desamor ao próximo. Os efeitos não são percebidos até que se tenha erigido um trono onde o homem  seja "deus", e todas as respostas partam dele para ele mesmo, à margem da razão baseada nas Escrituras, e a devastação se instala de tal forma que não sobra nenhuma ovelha para contar história. Acaba por ser muito tarde para qualquer tentativa de restauração, porque as consciências foram dominadas pelo ego intransigente e doentio do novo "deus".

Tudo começa ao serem recebidos de braços abertos, e reconhecidos pelos ortodoxos como irmãos de fé, talvez um pouquinho diferentes apenas [afinal não é preciso concordar em tudo], e com isso estão a ganhar publicidade, notoriedade e respeitabilidade como cristãos acima de qualquer suspeita, alcançando posições de destaque entre os crentes distraídos, que se encarregam de servi-los, afastando os "intolerantes" e seus alertas provocativos e dissensores das decisões, quando não os expulsando sumariamente, seja pela calúnia e difamação, seja pela rejeição pura e simples.Qualquer tentativa de se observar a Palavra, apontando sabiamente as consequências e os danos advindos da não-biblicidade, será imediatamente rechaçada. 

É assim que agem, não querem ouvir, mas apenas seguir o apelo de seus corações corrompidos; e acabam por se tornar em presas fáceis às artimanhas perpetradas pelos falsos mestres, acabam por se desestabilizar, corromperem-se pelas idéias humanistas e antibíblicas, e enrodilhados no estratagema mais dissimulado e sordidamente possível a que o liberal se propõe: fazer-se no que não é para disseminar aquilo que é entre os que não são mas querem ser.

Estão aí, espalhados por todos os cantos, como lobos em peles de cordeiros, como joio a tentar sufocar o trigo; fingindo-se de filhos de Deus quando são bastardos gerados por satanás. 

Como Paulo divinamente inspirado proferiu: "Todas as coisas são puras para os puros, mas nada é puro para os contaminados e infiéis; antes o seu entendimento e consciência estão contaminados. Confessam que conhecem a Deus, mas negam-no com as obras, sendo abomináveis, e desobedientes, e reprovados para toda a boa obra" [Tt 1.15-16]. O conhecimento de Deus fora das Escrituras é impossível, por isso os liberais ao dizer conhecê-lO através dos métodos extra-bíblicos negam-nO, exatamente por não produzirem frutos para a Sua glória, mas apenas colhem para si a corrupção da carne [Gl 6.8].

Infelizmente, quando muitos se assustarem, terão abandonado a sã doutrina e enveredado pelo caminho do engano, da mentira, da impostura, da corrupção, seguindo os adoradores do próprio ventre; os quais, "com suaves palavras e lisonjas enganam os corações dos simples", levando escândalos à santa doutrina [Rm 16.17-18]. Esta tem sido a nova "cara-de-pau" do mal, uma repaginação ainda mais ardilosa, ainda mais maquiavélica de seduzir e dissuadir os incautos, atingindo mesmo crentes devotados e sinceros [o inferno  está cheio desse tipo de gente: religiosos e a-religiosos inconversos]. O que resultará no endurecimento do coração, e um caminho sem volta à verdade [entendo que mesmo os réprobos podem se beneficiar da verdade, tendo uma vida calma, ainda que nunca sejam regenerados pelo Espírito].

Por isso a Igreja tem a obrigação de estar atenta, e de não se enganar com a aparência, nem julgar em suas bases, mas como Cristo disse, julgar "segundo a reta justiça” [Jo 7.24]; para dispor-se a revelar a face diabólica dos filhos do diabo e rejeitar qualquer forma de união com as trevas, seja colaborando, omitindo ou ignorando; "porque tendo aparência de piedade, mas negando a eficácia dela. Destes afasta-te" [2Tm 3.5]. 

Reportando-me ao texto escrito pelo amigo e pastor, Marco Antônio Ferreira, ao aludir a Lutero “que conclamava o povo cristão a se submeter somente à autoridade das Escrituras” [3], este tem de ser o norteador e objetivo primordial da igreja, como aquela encarregada por Cristo de realizar a Sua obra neste mundo. E assim ninguém poderá dizer que errou ou “desviou-se” sem saber, pois desprezar a Palavra significa rejeitar o próprio Deus, e daí, para ser dominado pelas trevas, é apenas questão de tempo para se estar completamente cativo, não a Cristo, mas ao reino do mal.

Então, o que esperar além da cegueira absoluta?... da perdição total?

Lembre-se: o cartão de visitas não é tudo.

Notas: [1] Tive grande ajuda do irmão e amigo Edson Camargo, do Profeta Urbano, na formatação deste texto. 
[2] Transcrevo o comentário do Edson Camargo: "A questão é que há cada vez menos liberais declarados. O ambiente geral de ignorância bíblica e de falta de discernimento os motiva a posarem de ortodoxos, e tem funcionado. Veja quantos blogs de gente ortodoxa dando links para blogs e sites liberais... Veja quantos liberais com colunas nas tais 'revistas evangélicas'... Mas muito disso aí é pensado e planejado. Seja por comunistas, por globalistas, ou por satanistas mesmo. Quando não é tudo isso ao mesmo tempo". 
[3] O texto completo do pr. Marcos A. Ferreira intitulado "Lutero e a Bula de Excomunhão" pode ser lido integralmente AQUI

sexta-feira, 18 de dezembro de 2009

Resultado do Último "Sorteio de Livros" e Nova Promoção




















 Por Jorge Fernandes Isah


Resultado do Último Sorteio:

Os ganhadores da promoção "Sorteio de Livros" organizada pelo site Internautas Cristãos, pelo blog Kálamos e Voltemos ao Evangelho, foram:

1) Kit 1 - Fé com Razão e Apologética no Diálogo - Danilo Neves de Oliveira - Goiânia/GO;

2) Kit 2 - Cosmovisão Cristã e Clamor de Um Desviado - Márcio Krenkel - Balneário Camburiú/SC;

3) Kit 3 - Maravilhosa Graça na Vida de William Wilberforce - Robson Inácio da Silva

Aos contemplados, parabéns e boa leitura!


   Nova Promoção:

As inscrições já iniciaram, e vão até o dia 14 de Janeiro de 2010. Serão sorteados 5 kits, ou seja, 5 ganhadores, assim mais pessoas tem chances de ganhar. Veja os livros que serão sorteados:


Para maiores informações, clique na caixa no topo ou em "Sorteio de Livros Participe", vá à página de sorteios e faça a sua inscrição.

quinta-feira, 10 de dezembro de 2009

A Incoerência do Livre-Arbítrio







 Por Jorge Fernandes Isah
 
Primeiro, antes de iniciar as considerações, é necessário definir alguns termos:

a) Livre-arbítrio - crença de que a vontade humana tem um poder inerente de escolha com a mesma facilidade entre alternativas. Ou seja, o poder de escolha contrária ou a liberdade da indiferença. A vontade é livre de qualquer causação necessária.

b) Autonomia - qualidade da vontade ou do intelecto que o capacita a funcionar a favor ou contra qualquer curso particular de ação, por meio disso exibindo uma capacidade inata.

Definições postas, vamos ater-nos aos pontos chaves que levam à incoerência do livre-arbítrio [1]:

A idéia do livre-arbítrio é de que dele depende a responsabilidade humana. Porém, quando se questiona a origem dessa responsabilidade, tem-se como argumento que ela procede do livre-arbítrio. Está formado o argumento circular vicioso.

Para o arminiano, Deus não atropela o livre-arbítrio, logo a vontade humana não tem causação externa. Desta forma, estão asseguradas a integridade e a responsabilidade do homem. Porém, se isso não é tolice, é presunção, porque Deus sempre fará toda a Sua vontade, e nada nem ninguém pode-lhe frustrar a vontade [Is 46.10]; ao passo que o homem é sempre escravo, seja do pecado, seja da justiça [Rm 6.17-18].

A vontade se automove em resposta ao que a mente conhece, e pode causar tanto a ação em resposta às influências como resisti-las. O que me leva à pergunta: se o conhecimento intelectual [aqui incluidas a moral e a ética] será o ponto de partida, o príncipio avaliativo da vontade, como a vontade será livre? Esse conhecimento sempre virá de uma fonte externa e provavelmente virá como um argumento verdadeiro ou falacioso. Se o conhecimento for corrompido, manipulado ou integral, quais são as bases para que ele seja correto? Será possível eu ter esse conhecimento inato do que é certo e errado sem qualquer influência externa? E a vontade não poderá ser "induzida" pelo conhecimento adulterado? Ainda que esse conhecimento seja bíblico, no sentido das informações corretas, o intelecto pode não processá-las legitimamente, e induzir a vontade a uma escolha errada.

Para que o homem pudesse escolher "neutramente", seria necessário que não tivesse nenhum conhecimento, que sua mente fosse vazia, um ponto morto, mas aí entra a questão: como a vontade poderia se decidir sem nenhuma base? Na sorte, deixada a cargo do acaso, seria a opção. Visto a liberdade espontânea do livre-arbítrio somente nos remeter ao acaso. Mas, e como seríamos responsáveis, já que não exercemos nenhuma influência causal na decisão?

Portanto a teoria do livre-arbítrio destrói a responsabilidade em vez de apoiá-la. Como posso ser responsabilizado por ações surgidas de um livre-arbítrio que, pelo fato de ele ser livre, não está também sob o meu controle? [nem sob o controle divino também, ao ver do arminiano].

Se um argumento pode levar a vontade a se decidir, onde está a neutralidade moral? O argumento causou a escolha. A própria Bíblia deveria ser desconsiderada pelo "livrearbitrista", visto ser ela a fonte da Lei Moral, a qual estabelece o significado de bem e mal, e levá-nos a compreensão do que é a santidade e o pecado. Ela nos influenciará decididamente na escolha entre o que é santo e o que é pecaminoso. Logo, onde está a neutralidade? E ficam perguntas: Deus é neutro? As Escrituras são neutras? O mundo é neutro? Em qual aspecto da vida, seja eterna ou temporal, se percebe neutralidade moral? Ou se está sob a influência do bem, ou sob a influência do mal. Não existe nada que seja moralmente neutro, que pratique atos neutros [sem efeito algum]. Portanto é ilógico dizer que a vontade humana seja neutra, visto sê-la influenciada por Deus ou satanás. Senão, porque Davi, Isaías e Paulo diriam que todos pecaram [todos!] e destituídos estão da glória de Deus? [Sl 14.2-3; Is 59.2-11; Rm 3.23, 5.12]. Se todos pecaram, somos todos pecadores, a nossa vontade está corrompida, deteriorada, sob a influência do pecado e sem a menor possibilidade de ser neutra, e poder escolher o bem. Para que o arminiano não concorde com isso, ele terá de rejeitar a Bíblia como a palavra inspirada de Deus.

A questão não é se podemos escolher, mas como e de que forma escolhemos. E se somos pecadores, a nossa escolha será sempre na direção do pecado,"porquanto a inclinação da carne é inimizade contra Deus, pois não é sujeita à lei de Deus, nem, em verdade, o pode ser" [Rm 8.7]. Desta forma, a Bíblia afirma que o homem natural é um pecador, o qual é desprovido da capacidade de obedecer a Deus, tornando-o moralmente responsável, tenha ou não capacidade moral. O homem será sempre condenável diante de Deus se não obedecê-lO, ou seja, a desobediência aos princípios morais estabelecidos pelo Criador é que o tornam responsável por seus delitos. A responsabilidade moral não está baseada na capacidade moral [que o homem natural não possui] ou no livre-arbítrio [que nenhuma criatura possui], mas na autoridade e soberania de Deus que determinou a não-obediência aos Seus mandamentos como a causa pela qual o homem será condenado e tornado indesculpável.

Por isso, pode-se afirmar seguramente que o livre-arbítrio é indefensável, ilógico e não-factível. A vontade humana é livre em qual sentido? Por exemplo, um hindu que nasceu no hinduísmo e cuja família se submete ao regime de castas, e crê na divindade de um inseto, qual seria a sua capacidade natural de não escolher adorar ao inseto? Para que isso acontecesse, ele teria de ser confrontado pela verdade, e reconhecer que tanto o sistema de castas como a adoração ao inseto é uma tolice, uma mentira que o quer manter escravizado na ignorância de Deus.

Se ele não for confrotado pela verdade [e a verdade é externa], ele jamais se livrará da mentira. Por que a mentira é o que ele tem por verdade, transmitida por sua família e clã [externamente] e o influenciará a sempre pensar nos seus pressupostos como verdadeiros, quando o que tem são falsas premissas a induzi-lo ao engano.

Onde está a neutralidade para que ele possa escolher livremente? Se o livre-arbítrio é o movimento da mente em certa direção, a neutralidade poderia levá-lo a essa direção? Ou as influências externas à mente, as quais está sujeito, determinarão a sua decisão? Então, está claro que esse movimento da mente não é livre, e de que ninguém toma decisões livres, mas todas elas estão sujeitas à influência, a fatores causais.

Muitos arminianos têm certeza de que possuem o livre-arbítrio, apenas porque presumiram tê-lo; e garantem que não sofrem nenhuma espécie de influência em suas decisões "livres". Porém, fica a pergunta: quem tem a certeza de que não está sujeito, ainda que minimamente, a influências que afetariam a sua vontade? Por exemplo, estar sob o efeito de medicamentos, bactérias e vírus, ou sob a ação de partículas subatômicas ou  cósmicas. Ou seja, para que essa neutralidade fosse "livre" teria que, no mínimo, ser onisciente e conhecer exautivamente tudo afim de se ter certeza de não haver alguma causa a operar sobre a vontade humana; muito antes de ser confrontado pela cosmovisão cristã. Como nenhum ser humano é onisciente e apenas Deus o é, o livre-arbítrio não pode levar jamais o homem a uma escolha neutra, sem influências ou antecedentes, sem que se detenha qualquer pressuposição.

Para que a escolha fosse neutra, era preciso que não houvesse o sentido de bem ou mal [a Lei Moral]. O hindu, sobre a influência do hinduísmo, entenderá o mal como o bem, e o bem como o mal, "fazem das trevas luz, e da luz trevas; e fazem do amargo doce, e do doce amargo!" [Is 5.20]. Por si só ele jamais poderá compreender e entender [interiormente] o significado verdadeiro e real do que é bem e mal a fim de escolher entre um e outro.

O livre-arbítrio em si mesmo não detém nem o bem nem o mal, como algo neutro manteria o indivíduo numa posição de não-escolha, de não-vontade, onde ele permaneceria num ponto vago, numa posição sem solução, incapaz de se definir, porque nada lhe é indentificado; e assim, se está nesse ponto morto, como será levado a agir? Em que bases? Se é neutra, não é causada, logo, qualquer semelhança com o acaso não é mera coincidência. E se a mente é levada a agir pelo acaso, como poderá ser responsabilizada?

A afirmação, "se nós não temos o livre-arbítrio, não podemos ser responsáveis pelas nossas ações", é verdadeira? Em qual sentido? Quem a provou como verdade? E uma pergunta muito mais explícita ainda: à luz das Escrituras, qual a relação entre responsabilidade e liberdade? Onde elas aparecem, e onde estão especificadas a sua conexão?

São perguntas que o arminiano não se dispõe a responder. Para ele, basta estabelecer o axioma, e pronto. Provar, para quê?

Por essas e outras, o livre-arbítrio é incoerente, e incapaz de levar o homem a lugar algum. Como teoria autonomista não encontra respaldo bíblico, sustentando-se apenas e tão somente pelo seu apelo humanista, ou seja, antibiblicamente; porque nada mais é do que o desejo de se ter um poder para decidir independentemente, chegando à blasfêmia de se cogitar mesmo uma autonomia de Deus. O que não passa de uma estúpida pretensão ou delírio diabólico, cujo único objetivo é tornar o homem num "deus" independente e livre de Deus. O que felizmente é impossível.

Nota: [1] Boa parte destas conclusões se devem ao livro "A Soberania Banida" de R. K. McGregor Wright, publicado pela Cultura Cristã; e diversos livros e textos de Vincent Cheung publicados pela Editora Monergismo.

[2] Leia os meus comentários ao livro em O Que Estou Lendo... Ou Li 
 

sexta-feira, 4 de dezembro de 2009

Notícias Ruins se Tiram das Manchetes








Por Jorge Fernandes Isah


"Assim será a minha palavra, que sair da minha boca; ela não voltará para mim vazia, antes fará o que me apraz, e prosperará naquilo para que a enviei" [Isaías 55.11].

Deparei-me com este versículo ao final de um texto que defendia a perspectiva de um mundo melhor no futuro, um mundo sempre a prosperar até o dia em que todos ou quase todos se converteriam a Cristo, no dizer de um teólogo. Como a referência é escatológica, e o meu objetivo não é estabelecer uma refutação à  proposta de doutrina do fim dos tempos  (até porque não estou habilitado a isso), mas, exclusivamente, tentar corrigir o caráter “parcial” da dedução do articulista, esclareço que o profeta não o declarou com o objetivo de indicar apenas os benefícios da palavra ao homem. Ao utilizá-lo neste sentido, o teólogo equivocou-se, ou, no mínimo, foi otimista em sua conclusão, pois o verso não alude aos resultados de uma conversão em massa, de uma resposta sempre positiva do homem em relação à palavra.

Vamos andar mais um pouco.

Muitos utilizam-no como prova da eficácia da anunciação do Evangelho, no sentido de que, quanto mais for proclamado, mais pessoas se converterão, mais benefícios serão agregados à vida do homem. Para eles há uma progressão aritmética, uma relação proporcional que indicará a capacidade de se produzir resultados numéricos de salvos, e de bênçãos aos salvos, à medida que a palavra for proclamada. Como uma fórmula mágica, basta aplicá-la para que os seus efeitos proveitosos sejam alcançados pelos homens.

Veja bem, não duvido das conseqüências práticas da pregação do Evangelho, o qual é o poder de Deus para salvação de todo aquele que crê” [Rm 1.16], pois, como “invocarão aquele em quem não creram? e como crerão naquele de quem não ouviram? e como ouvirão, se não há quem pregue? E como pregarão, se não forem enviados? como está escrito: Quão formosos os pés dos que anunciam o evangelho de paz; dos que trazem alegres novas de boas coisas” [Rm 10.14-15]

Portanto esta é a única forma do homem ser salvo e conhecer a Deus. Não há outro método estabelecido. Nem mesmo a música como muitos apregoam (a menos que seja com extensos trechos bíblicos, como os Salmos, p. ex.). Nem mesmo o teatro, como outros querem (a menos que seja com extensos trechos bíblicos, talvez, um monólogo). Nem o cinema (a menos que seja mais auditivo do que visual). Nem mesmo um discurso (a menos que seja impregnado por extensas citações bíblicas). Quanto à dança e outras manifestações artísticas, nem é preciso falar da completa ineficâcia como meio de evangelismo [1]. O poder de Deus está na palavra, e ela é o único meio de se proclamar a verdade. Porém, a pregação nem sempre trará frutos de obediência e reconciliação com Deus. O que vale dizer que nem todos aqueles que ouvirem o Evangelho se arrependerão, serão regenerados e salvos pelo poder de Deus, porque o Senhor “cegou-lhes os olhos, e endureceu-lhes o coração, a fim de que não vejam com os olhos, e compreendam no coração, e se convertam, e eu os cure” [Jo 12.40]

Ora, não é assim que o profeta Isaías declarou? “Quem deu crédito à nossa pregação? E a quem se manifestou o braço do Senhor?” [Is 53.1]

O fato é que Isaías 55.11 está a falar muito mais do que a maioria quer ouvir. Ele está a nos dizer que a palavra de Deus jamais, nunca, voltará vazia. Mas em que sentido? Apenas no sentido positivo? Referindo-se à salvação dos incrédulos, ou aos benefícios de santificação, convencimento, instrução e ensino dos mandamentos e da vontade de Deus? Não. Há os efeitos negativos da palavra (em relação ao destino final do homem), a qual também será proclamada para tornar inescusável o réprobo, para condená-lo em sua rebeldia, para julgá-lo por suas transgressões. 

O erro está em se ver apenas um lado da moeda, e recusar-se a virá-la e vislumbrar a outra face. Essa é mais uma influência do humanismo que distorce e compromete o entendimento pleno do texto bíblico, deixando a mensagem capenga, fragmentada, em que um dos significados é tornado superior, ao ponto em que o outro não pode ser visto ou simplesmente é ignorado. Da mesma forma, a interpretação equivocada resultará no entendimento limitado de Deus e Sua obra, no desmerecimento, ainda que inconsciente, da Sua vontade e propósito. 

Não reconhecer o caráter condenatório da palavra é fazer “vistas-grossas” à obra perfeita, acabada, irretocável de Deus, por negligência, ignorância ou malversação da Escritura. Em muitos casos, pode ser sinal de incredulidade também. Por isso Cristo alertou-nos, incisiva e claramente, para o distintivo absoluto da palavra: “Quem me rejeitar a mim, e não receber as minhas palavras, já tem quem o julgue; a palavra que tenho pregado, essa o há de julgar no último dia” [Jo 12.48].


O mesmo equívoco é encontrado em João 3.16. Tem-se a falsa idéia de que Cristo morreu por todos os homens indistintamente, e que depende exclusivamente desse homem aceitá-lO ou não como Salvador. É um arroubo de pretensão. Como se Deus estivesse preso à vontade de Suas criaturas. Mas quase ninguém se apercebe de que, dois versículos abaixo, está escrito: "Quem crê nele não é condenado; mas quem não crê já está condenado, porquanto não crê no nome do unigênito Filho de Deus". O verbo crê e o substantivo condenado ligam-se diretamente no verso. Implicando que a condenação daquele que não crê não está no futuro, mas aconteceu no passado. O advérbio revela que a condenação ocorreu de antemão, previamente, não é algo que ainda ocorrerá, nem algo que o ímpio poderá reverter, mas algo inevitável, que foi preparado antecipadamente. O objetivo deste texto não é discutir a eleição, mas afirmar a dupla mensagem do Evangelho, o qual é suficiente para salvar, e igualmente suficiente para condenar.

É verdade que a palavra sem fé não produzirá obediência, regeneração e salvação, antes confirmará a reprovação daquele que jamais será vivificado pelo Espírito Santo. É o que se pode perceber no dizer de Paulo: “Porque também a nós foram pregadas as boas novas, como a eles, mas a palavra da pregação nada lhes aproveitou, porquanto não estava misturada com a fé naqueles que a ouviram” [Hb 4.2] [2]. De forma que a palavra da verdade produz frutos para a salvação, por Jesus Cristo nosso Senhor, no qual fomos selados pelo Espírito Santo da promessa [Ef 1.13]. Assim, seja para a vida, seja para a morte, a palavra do Senhor jamais voltará vazia.

Há ainda os que vão mais além, e dizem que o versículo refere-se à necessidade de se agarrar à palavra, algo mais ou menos parecido ao termo neopentecostal “tomar posse”, e, assim, ela produzirá, em nossas vidas, uma profusão de bens materiais nunca imaginados, e não voltará vazia mesmo, pois encherá os bolsos, bolsas, sacolas, cofres e os recipientes necessários para satisfazer a sanha carnal, na obscenidade dos deleites pecaminosos de seus proponentes.


Bem, quanto a essa (im)possibilidade, recuso-me a comentá-la, tendo-se em vista o seu nítido caráter corrompido, sua antibiblicidade e lógica maligna. Não passa de mais uma artimanha, um subterfúgio para satisfazer a ganância e a vaidade de quem assim pensa. Por isso é fácil concluir que essa não é a palavra divina, nem nunca foi, mas apenas o maldito vocábulo humano que levará o homem à destruição.
 

Nota: [1] Isto não quer dizer que a música, a literatura, a pintura, a escultura e outras expressões artísticas, não sejam meios de louvor, adoração a Deus, e a proclamação das verdades bíblicas. Elas são. E cumprem o propósito eterno de Deus de ser glorificado por elas. Contudo, não creio que sejam meios pelos quais o Senhor quis se revelar e à Sua obra. Para isso, homens inspirados pelo Espírito Santo escreveram 66 livros santos, que compõem a Bíblia Sagrada, a infalível, inerrante e divina palavra de Deus.
[2] A despeito dos argumentos dos estudiosos e da maioria das mentes cristãs, resisto bravamente ceder à idéia do anonimato de Hebreus. Como estou convencido de que a sua autoria seja paulina, e na minha Bíblia ACF consta que Paulo é o seu remetente, até que me provem o contrário, continuarei a indicá-lo como o autor.

quinta-feira, 26 de novembro de 2009

deus da lâmpada e o aladim mimado






Por Jorge Fernandes Isah

Há o falso ensino de que tudo o que o crente pedir a Deus receberá, como um direito adquirido de se exigir tudo aquilo que considera lhe pertencer. Essa talvez seja apenas uma de muitas distorções que se tem difundido atualmente entre os cristãos. Mas a capacidade mais nefasta e maligna dessa afirmação é a de inverter a relação que o Criador tem com suas criaturas, tornando-a danosa, ímpia, imoral; porque torna o Criador em um mero serviçal, e suas criaturas em senhores mimados, cujos desejos devem ser atendidos prontamente; enquanto a Bíblia, incontestavelmente, assegura que, se estamos vivos, estamos pelas misericórdias de Deus, as quais são as causas de não sermos consumidos, porque as suas misericórdias não têm fim” [Lm 3.22].

Um dos versículos mais usados para respaldar essa infâmia é: “Pedi, e dar-se-vos-á; buscai, e encontrareis; batei, e abrir-se-vos-á. Porque, aquele que pede, recebe; e, o que busca, encontra; e, ao que bate, abrir-se-lhe-á” [Mt 7.7-8].

Entre muitas formas viciosas de interpretação desses versos, pergunto: Quem é capaz de pedir corretamente? E quem é capaz de buscar?

Paulo nos diz que não há um justo sequer, ninguém que entenda e busque a Deus [Rm 3.10—12]. E Tiago diz que pedimos e não recebemos, porque pedimos mal, para gastarmos em nossos deleites  [Tg 4.3].  O fato é que desconhecemos até mesmo o que rogar, visto ser necessário o Espírito Santo interceder por nós com gemidos inexprimíveis, "porque não sabemos o que havemos de pedir como convém" [Rm 8.26]. Portanto, estaria Deus concedendo aos homens, tal qual o gênio das mil e uma noites, a realização de todos os desejos para quem tiver a posse da lâmpada? Até mesmo Aladim teve de se contentar com três desejos, em algumas versões do famoso conto persa, ou três condições para os desejos, em outras versões; o que tornava os seus pedidos impossíveis de se obter. Mas no pensamento carnal dos crentes modernos não há limites para Deus realizar os deleites do homem. Ou seja, nas mentes corrompidas e perversas não há limites para satisfazer aquilo que Deus combate e abomina.

Seria esse o Seu querer?  De nos servir indistintamente? Ou, como João diz, teremos nossas petições alcançadas se pedirmos segundo a Sua vontade? [1Jo 5.14-15].

Em nenhuma parte da Escritura vemos Deus agindo como o gênio da lâmpada, ou como um realizador de desejos, em prontidão para nos satisfazer. Pelo contrário, a Bíblia claramente afirma que Deus cumprirá tudo em nossa vida segundo o Seu propósito eterno, exclusivamente conforme o conselho da Sua vontade [Jó 42.2, Is 14.26-27, Ef 1.1, 2Tm 1.9]. Em outras palavras, Deus não satisfará os nossos anseios se eles não forem os Seus anseios também.

Quer dizer que Deus nos iludiu com a falsa promessa de dar aquilo que pedimos? Não! Porém, há condições. Ele atenderá aos pedidos:

1)     Daqueles que são Seus filhos; aqueles que foram propiciados, tiveram seus pecados expiados e lavados no sangue de Cristo; nasceram de novo e são templos do Espírito Santo.  Não há aqui nenhuma possibilidade para os réprobos, para os filhos da ira, os que servem a satanás.
2)     Aos que estão no Senhor Jesus; porque “se alguém não estiver em mim, será lançado fora, como a vara, e secará; e os colhem e lançam no fogo, e ardem” [Jo 15.6].
3)     Aos que têm as palavras de Cristo em seus corações; porque sem Ele, nada se pode fazer [Jo 15.5].

O princípio é claramente definido na palavra: “Se vós estiverdes em mim, e as minhas palavras estiverem em vós, pedireis tudo o que quiserdes, e vos será feito” [Jo 15.7].

Ora, se a Bíblia é a expressão da vontade divina, e os nossos pedidos serão atendidos em tudo que quisermos se, e somente se, Suas palavras estiverem em nós, então o Senhor estará a cumprir não apenas a nossa vontade, mas, sobretudo, a Sua santa vontade.  A preeminência é de Deus, não nossa. A vontade dEle é prevalecente sobre a nossa, não o contrário. A nossa vontade tem de se sujeitar, de se render à vontade de Deus, porque, ainda que seja nossa, a vontade é dEle. Ao estarmos saturados, dominados e cheios da palavra de Deus, estaremos diretamente sob o Seu controle, e as nossas emoções, intelecto e vontade estarão sob o poder do Espírito, que nos direcionará a ansiar, a querer a vontade de Deus expressa na Sua palavra.

Somente aqueles que desejam realizar a Sua vontade terão os pedidos realizados; pois Deus não fará nada daquilo que não esteja em conformidade com a Sua determinação ou ordem estabelecida antes da fundação do mundo; e, para que os nossos desejos sejam legítimos, é necessário que sejam santos, subjugados aos dois mandamentos máximos:

1)     “Amarás, pois, ao Senhor teu Deus de todo o teu coração, e de toda a tua alma, e de todo o teu entendimento, e de todas as tuas forças; este é o primeiro mandamento” [Mc 12.30].
2)     “O segundo, semelhante a este, é: Amarás o teu próximo como a ti mesmo [Mt 22.39].

Resumindo: “Qualquer coisa que lhe pedirmos, dele a receberemos, porque guardamos os seus mandamentos, e fazemos o que é agradável à sua vista” [1Jo. 3.22]. Porque aquele que guarda a Sua palavra, o amor de Deus está nele verdadeiramente aperfeiçoado; “nisto conhecemos que estamos nele[1Jo 2.5], porque não fomos nós que o escolhemos, mas Ele a nós [Jo 15.16].

Em todo o universo estará salvaguardada apenas e tão somente a vontade de Deus. Cabe-nos render e desejá-la, no íntimo, que se realize também por nossa vontade.
 

quarta-feira, 18 de novembro de 2009

Mysterium Compatibilista















Por Jorge Fernandes Isah

Uma definição pomposa para o compatibilismo é a expressão "concursus" divino, presente em muitos livros de T. S. e que tratam da providência divina. O que o termo quer dizer? Simplificando, seria a forma ou maneira com que Deus colabora e concorre para que as coisas no mundo andem conforme a Sua vontade estabelecida no decreto eterno.

Há porém um componente desastroso nessa definição, a de que, ainda que as criaturas de Deus obedeçam-nO infalivelmente, permanecem livres para realizar a Sua vontade infalível. Isso é o velho e antibíblico compatibilismo que dá ao homem, inexplicavelmente, a liberdade de agir segundo a vontade de Deus. Mas vemos aqui outro sério problema. Tendo-se em vista a natureza humana (ainda que regenerada) direcionando-se à rebeldia, como o homem pode livremente cumprir a vontade divina? Não é interessante que essa liberdade é utilizada apenas para cumprir o decreto divino? Se é liberdade, não se deve pressupor que o homem poderá utilizá-la para não cumprir a vontade de Deus? Ou seja, onde está realmente essa liberdade decantada se o homem é livre apenas para cumprir aquilo que Deus predestinou na eternidade? A conclusão é somente uma: o homem não é livre em nenhum aspecto e de nenhuma forma de Deus.

Sinceramente, tenho toda a dificuldade do mundo para entender o compatibilismo ou o "concursus" divino, principalmente porque não vi até agora uma explicação plausível e lúcida sobre a questão.

Os autores geralmente entram em uma densa neblina onde não se vê um palmo à frente do nariz, e dizem apreciar a vista, como se vissem o que não pode ser visto.

Depois de toda a explicação acerca da soberania de Deus, de Deus determinar, da vontade soberana de Deus não poder ser frustrada, de que tudo aquilo que Ele decretou na eternidade ocorrerá, para justificar a responsabilidade humana, os teólogos aparecem com a tal da liberdade do homem, a qual nem mesmo eles sabem o que seja. É como a vaca que deu 60 litros de leite e depois coiceou o balde. Tudo o que disseram sobre a soberania de Deus caiu por terra quando se aventou a possibilidade do homem ser livre.

Alguns recuam um pouco mais do que outros, mas, no fim das contas, estão sempre andando para trás.

Há os que afirmam a liberdade completa do homem, o famigerado livre-arbítrio, visto não haver a menor possibilidade das escolhas serem livres, ainda mais que a neutralidade é um dos seus pressupostos, e não há como o homem escolher sem que haja uma mínima influência em suas decisões; o homem não se decide sem algum tipo de coerção (física, moral, espiritual). Acreditar no livre-arbítrio é o maior e pior de todos os delírios. Qualquer pessoa que tenha algum entendimento saberá que nada acontece com isenção neste mundo, pois nossas decisões são influenciadas e influenciáveis, desde a escolha da compra de um sabonete até o infringir a Lei Moral e se rebelar contra Deus.

Os compatibilistas são os que andam um pouco mais lentamente para trás. Ainda assim crêem numa espécie de livre-arbítrio que, contudo, é controlado por Deus (como calvinistas não aceitam o termo livre-arbítrio, em decorrência das implicações ilógicas e irracionais que acarreta, substituem-no por livre-agência, liberdade compartilhada, etc).

Para mim, é quase a mesma coisa, variando apenas no grau de liberdade que se queira dar. Porém, o fato de diminui-la não a corrobora, mantendo-a no campo da ilusão, do delírio, da utopia, da intangibilidade, uma falácia em letras garrafais.

Fica uma pergunta: como o homem pode ser livre (e aqui não importa o grau ou o nível de liberdade) se a vontade de Deus acontecerá sempre, da forma como Ele planejou? Como posso ser um livre-agente? E quais os critérios reais para se definir a palavra liberdade?

Vejam a confusão que um eminente teólogo procedeu: "Não há ato humano que seja feito contra a vontade humana e nunca a liberdade humana é tirada. Todavia, os atos do ser humano não são independentes, mas sempre conectados a uma vontade maior que é a divina, a causa primeira"[1].

Primeiro: o que é vontade humana? E liberdade humana? Podem estas expressões se harmonizar com "não são independentes, mas sempre conectados a uma vontade maior que é a divina"?

Segundo: há uma incoerência gritante no que se está a afirmar. Se são livres, são independentes; e não estão conectados a uma vontade maior, a causa primeira. Se a vontade divina é a causa primeira, a vontade humana é secundária, dependente da primeira, logo, não é independente e nunca se processará derivada da liberdade humana, que no caso estará sujeita à vontade primeira. O que o autor faz é um mero jogo de palavras, que não dizem absolutamente nada do ponto de vista factual.

Terceiro: para isso, o homem teria de ser livre de Deus. E, portanto, Deus não poderia ser o Deus bíblico que é. Poderia ser qualquer outra coisa, menos o Deus da Escritura. E se Deus não é o Deus bíblico, a Escritura falha em revelá-lO. E seremos responsabilizados diante dEle por afirmar tamanho disparate, insano e reprovável, ainda que seja uma acertiva subliminar, irreconhecida formalmente pelo indivíduo, mas latente em seu subconsciente. Permanece a pergunta: como o homem pode ser livre e ainda assim a soberania de Deus manter-se intacta? Ou se Deus é completamente soberano como o homem pode alegar ser livre? Novamente, reafirmo: é impossível que o homem seja livre de Deus, se Deus é soberano.

A confusão inicia-se quando há a tentativa de se explicar a relação entre soberania divina e responsabilidade humana. Alheio ao texto bíblico, busca-se desenvolver a idéia de liberdade controlada do homem, algo tão sem pé e sem cabeça que leva teólogos a verdadeiros malabarismos retóricos, porém, contraditórios, e que comprometem o verdadeiro objetivo da Escritura, ao misturar partes dela com a filosofia humanista, de forte apelo mesmo entre homens tementes e reverentes a Deus. E o cúmulo dessa inconsequência é a proposição de que o princípio bíblico da responsabilidade está ligado à liberdade. Mas onde mesmo está isso?

Como não há respaldo bíblico, apelam para a Confissão de Fé de Westminster, em sua seção III, 1-2; e aumentam ainda mais a confusão com termos como causa primária, última e secundária (os quais não conseguem definir satisfatoriamente, nem mesmo a área de atuação entre si). Para depois de tanta intrusão e verborrágia afirmar-se: "Contudo, é preciso lembrar que o modo como essa relação entre a causa primária e as causas secundárias se processa é ainda um MISTÉRIO para nós. Nós a chamamos concursus, mas não sabemos com muita propriedade o modus operandi de Deus" (Grifo meu) [2].

Ou seja, no final, a resposta mais objetiva que se consegue é a de que a relação entre a soberania de Deus e a liberdade humana não passa de um mistério, algo obscuro, intricado, insondável, inexpugnável. Porém, até aqui, páginas e mais páginas foram escritas para explicar o inexplicável, e o leitor mais atento estará se perguntando: de que adianta este livro?
E caberia ao autor perguntar: De que vale o que escrevi?

Já afirmei em outros textos sobre a relação da soberania de Deus e a responsabilidade humana que ela está centrada e estabelecida na autoridade divina, ou seja, no poder e direito que somente Deus tem sobre a Sua criação. O arbítrio aqui é dEle apenas. Às criaturas cabem obedecê-lo, quer queiram ou não. Portanto, o fato do homem ser responsável pelos seus atos está firmado não na suposta liberdade que o homem tem de escolha, mas no direito que Deus tem de julgar o homem e fazê-lo responsável por Sua autoridade de Criador, Legislador, Governante e Juiz de todo o universo. É simples. O princípio é de que Deus pode fazer o que quiser, e ao estabelecer que o homem será responsável mesmo sem ser livre, a Sua justiça, santidade e perfeição continuam intocáveis. Pois como Paulo disse: "Que diremos pois? que há injustiça da parte de Deus? De maneira nenhuma... Mas, ó homem, quem és tu, que a Deus replicas? Porventura a coisa formada dirá ao que a formou: Por que me fizeste assim?" (Rm 9.14, 20).

Não há na Bíblia nenhuma afirmação de que o fato de Deus ser o criador do mal ou do pecado o transforma em pecador ou maquiavélico. Como Criador é-lhe permitido fazer tudo o que bem queira e entenda segundo a Sua vontade, e a Escritura é clara em afirmar que tudo o que Deus faz é bom (mesmo o mal e o pecado). Infelizmente as pessoas querem ter uma espécie de jurisdição sobre Deus, como se Ele estivesse "preso" à vontade humana ou às leis do homem. Apenas a contaminação com o humanismo pode gerar esse tipo de suspeita ou a necessidade de se defender Deus daquilo que criou para a Sua glória, e da qual devemos tão somente aceitar e nos subjugar.

Como a falsa premissa da liberdade humana contamina a interpretação da Bíblia, a maioria das pessoas finge não ler os versículos onde Deus se coloca como aquele que criou tanto o bem como o mal; e se para Deus não há problema algum em declarar isso, por que tem de haver para nós? Deus precisa de defesa? Se precisa, de quem? Há algo acima ou mesmo no seu nível? Quem pode acuar, coagir ou impedi-lO de realizar a Sua vontade? Este é o princípio máximo da Escritura, e da qual os homens lutam insanamente para derrubar: Deus não nos deve nenhuma satisfação, e tudo o que faz é perfeito e santo. Em nossa imperfeição e humanidade, resta apenas submeter-nos à verdade bíblica inexorável, sem nos fatigar e nos entregar a uma luta impossível e estúpida.

Então vêem um sem número de pessoas querer protegê-lO, ignorando a Escritura, misturando-a com conceitos antropocêntricos, desandando a falar asneiras, ainda que com ar de sofisticação e intelectualidade, causando uma confusão dos "diabos": "Porque está escrito: Destruirei a sabedoria dos sábios, e aniquilarei a inteligência dos inteligentes. Onde está o sábio? Onde está o escriba? Onde está o inquiridor deste século? Porventura não tornou Deus louca a sabedoria deste mundo?" (1Co 1.19-20).

Concluirei com uma sinopse, para o caso de não ter sido suficientemente explícito:

1) Deus é o Criador, Senhor, Legislador e Juiz de todo o universo. "Porque nele (Cristo) foram criadas todas as coisas que há nos céus e na terra, visíveis e invisíveis, sejam tronos, sejam dominações, sejam principados, sejam potestades. Tudo foi criado por ele e para ele. E ele é antes de todas as coisas, e todas as coisas subsistem por ele" (Cl 1.16-17).
2) Deus é soberano. "Conhecidas são a Deus, desde o princípio do mundo, todas as suas obras" (At.15.18).
3) Deus determina e estabelece tudo o que ocorrerá. Nem mesmo uma folha cai da árvore sem que Deus queira. "Não se vendem dois passarinhos por um ceitil? e nenhum deles cairá em terra sem a vontade de vosso Pai. E até mesmo os cabelos da vossa cabeça estão todos contados" (Mt 10.29-30).
4) Nada acontece sem que Deus mova suas criaturas para concretizá-la. "Porque Deus é o que opera em vós tanto o querer como o efetuar, segundo a sua boa vontade" (Fp 2.13).
5) O homem não é livre de Deus (se fosse livre, seria uma força antagônica a Ele e autocriada).
6) O homem é responsável por seus atos (por definição escriturística). "A alma que pecar, essa morrerá... na sua transgressão com que transgrediu, e no seu pecado com que pecou, neles morrerá" (Ez 18.20, 24). 
7) A responsabilidade nada tem a ver com liberdade, mas com a autoridade divina, o direito que tem como Criador de sujeitar a criação conforme a Sua vontade.
8) Deus não precisa de defesa. "Ai daquele que contende com o seu Criador! o caco entre outros cacos de barro! Porventura dirá o barro ao que o formou: Que fazes? ou a tua obra: Não tens mãos?" (Is 45.9).
9) Ele mesmo se revela na Escritura como o criador ("fazedor", idealizador) tanto do bem como do mal; e nenhum pecado pode ser-lhe imputado porque Deus não peca por definição, e o pecado é algo que está "abaixo" de Deus, em um nível inferior a Ele. "Eu formo a luz, e crio as trevas; eu faço a paz, e crio o mal; eu, o Senhor, faço todas estas coisas" (Is 45.7).
10) O pecado e o mal estão no nível das criaturas de Deus, como coisas criadas; portanto, não podem sujeitá-lO, antes o Senhor é quem as sujeitou conforme a Sua bendita vontade.

Estas são definições entre o bem e o mal, entre a soberania de Deus e a responsabilidade do homem, do ponto de vista bíblico. Qualquer outra coisa que se queira advogar como, por exemplo, o compatibilismo, estará no campo do estritamente humano. Portanto, falível e extrabíblico.

Nota: [1] - "A Providência e a sua realização histórica" - Dr. Heber Carlos Campos - Ed. Cultura Cristã - pg. 267 [excetuando-se a questão da compatibilidade, o restante do livro é essencial para o entendimento da doutrina da providência]. Leia os meus comentários aqui. 
[2] - Idem - pg. 270
 

quarta-feira, 11 de novembro de 2009

Todos esses anos... E nunca fica mais fácil


 




  Por Jorge Fernandes Isah 
  
Relendo o livro “Eleitos de Deus”, de R. C. Sproul [1], na página 50, deparei-me com um quadro baseado no pensamento de Agostinho, elaborado com o intuito de elucidar os quatro estágios do homem segundo a visão reformada da predestinação. Decidi portanto analisá-lo sinteticamente, sem abarcar todas as implicações e pormenores, o que não quer dizer que o fiz levianamente. 

 1) Antes da Queda

Sproul: O homem era capaz de pecar e capaz de não pecar. 

Eu: Não se vê na Bíblia nenhuma afirmação quanto a essa conjectura. Ela é mais fruto de uma premissa que justifique a Queda do ponto de vista humano, do que do ponto de vista da soberania de Deus; e uma tendência ou tentativa de "absolver", de "inocentar" Deus da Queda do homem, como se Ele precisasse de um advogado ou alguém que o defendesse (ao mesmo tempo em que O acusa), de não ser sábio e perfeito naquilo que fez sábia e perfeitamente. 

Ainda que a maioria dos calvinistas aceite a predestinação, o decreto eterno, e a Queda como partes integrantes do propósito divino, não aceitam a Sua ação efetiva e direta na Queda do homem.
Por isso se afirma, desde Agostinho, que Adão detinha o livre-arbítrio. Mas onde está escrito que ele o tinha? Tanto que à primeira tentação sofrida, cedeu e pecou; e a sua capacidade de não-pecar em nada lhe serviu e em nada o ajudou a se preservar do pecado. Se Adão tinha a capacidade de pecar ou não, por que ele escolheu justamente aquilo que não conhecia, e do qual nada sabia?

Afirmar a neutralidade de Adão quanto à possibilidade de escolha (e o livre-arbítrio pressupõe neutralidade de escolha, não estando ela sujeita a nenhuma coerção externa ou mesmo interna) é ir contra a lógica. A própria mentira da serpente, distorcendo uma ordem clara e expressa de Deus (e a ordem de Deus não é uma espécie de coerção?) demonstra que houve uma influência exterior, e de que essa influência foi acolhida no coração de Adão e, portanto, ele decidiu que aquilo que Deus havia dito era mentira, e de que aquilo que a serpente havia dito era verdade. 

Como ele conseguiu chegar a tal conclusão se sua escolha estava neutralizada pelo livre-arbítrio? Seria possível a Adão alguma escolha em meio à neutralidade? 

A neutralidade pressupõe a não-escolha. Se há neutralidade, como escolher? E se não havia o deliberado desejo de se rebelar contra Deus, como lhe foi possível desobedecê-lO? E não sabendo o que é o mal (que até então não havia no Éden), como Adão poderia escolhê-lo? Conhecendo apenas o bem, é possível escolher o mal que não se conhece?

A questão aqui não é de capacidade ou liberdade de escolha, mas do decreto eterno de Deus que fez com que Adão caísse, a fim de que se cumprisse toda a vontade divina. 

Adão não havia pecado, mas era necessário e inevitável que pecasse, pela vontade decretiva de Deus.


E foi o que aconteceu.


2)Depois da Queda

Sproul: O homem é capaz de pecar e incapaz de não pecar.

Eu: Esses conceitos são uma tentativa de se entender a ação do pecado na vida do crente e do não-crente. Contudo, muitos incrédulos escolhem não pecar, mesmo quando estão diante da opção de fazê-lo. Como explicar essa situação? O ímpio sempre pecará?


A meu ver, o livre-arbítrio ou a capacidade da vontade humana estarão sempre sujeitos à vontade decretiva divina e, portanto, jamais teremos escolhas livres, nem mesmo segundo a nossa natureza
[2].

O fato não é se temos ou não a capacidade de escolha, mas em que situação e circunstâncias nossas escolhas são livres. Livres de quem? De Deus? 

Muitos calvinistas [3] querem fugir é da idéia do determinismo, ou seja, como Deus pode decretar tudo no universo, inclusive os mais insignificantes e míseros eventos e pensamentos, se o homem é livre para escolher, seja qual for essa noção de liberdade, e mesmo que ela seja limitada pelo poder soberano de Deus?

Segundo o padrão 2, o ímpio jamais deixará de pecar, e a sua escolha será sempre para o pecado. Contudo, existe a diferença entre natureza e pecado. A natureza caída não pressupõe necessariamente como fim o pecado, ele encontra-se em um "estado pecaminoso", aquele estado em que o homem está em deliberada rebeldia a Deus, contudo, ainda sob o poder controlador de Deus, o qual ativamente age mesmo no ímpio, e assim, nem sempre ele será levado a pecar. Deus o usará muitas vezes para cumprir o propósito de não-pecar. Aí está o dilema.

Da mesma forma que ao regenerado não se pressupõe a capacidade de não-pecar totalmente. O seu estado saiu do "pecaminoso" para o "santo" ainda que ele cometa pecados, e a maioria das suas decisões sejam em favor do pecado.

O que temos aqui não é a liberdade da vontade humana, mas a liberdade divina de fazer com o homem o que bem quiser, e que fará com que réprobos escolham não pecar, e fará com que santos escolham pecar.

Logo, esse quadro é ainda uma tentativa de justificar a Queda, o estado natural do homem, e o estado regenerado do homem, a partir do próprio homem, e não de Deus.



3)Renascido ou Regenerado:

Sproul: O homem é capaz de pecar e capaz de não pecar.

Eu:  Em quais condições? De pecar estando livre de Deus? De não pecar estando livre de Deus? 


Novamente voltamos ao dilema dos itens 1 e 2.

Até que ponto o homem é livre de Deus para escolher pecar e não pecar?

Até que ponto Deus é soberano para fazer com que o homem peque e não peque?

Até que ponto o homem pode ser livre sem ferir a soberania de Deus?

Até que ponto Deus é soberano e o homem livre?

Até que ponto a natureza humana pode determinar o grau de liberdade do homem em relação a Deus? 

Ou estamos falando de conceitos que se opõem e se anulam? 

A questão é: 

a)Deus é soberano, 
 ou
b)O homem é livre; e Deus não é soberano, ou não existe.

  
4)Glorificado:

Sproul: O homem é capaz de não pecar e incapaz de pecar.

Eu: Finalmente um conceito bíblico. Este é o único em todo o quadro que tem o respaldo da Escritura, e que não implica em nenhuma bobagem como a liberdade de escolha do homem, seja pela neutralidade do livre-arbítrio ou parcialmente determinada por Deus.


Na eternidade não pecaremos porque o pecado não mais existirá, seremos iguais a Cristo, e impedidos de pecar. Não há aqui nenhum conceito embutido de liberdade do homem. Ou opção de escolha. Seremos assim porque Deus assim o quer, da mesma forma que os outros "estágios" do eleito também o são pela exclusiva vontade de Deus.

Se na glória não seremos "livres", por que o somos agora ou antes?


A liberdade é um desejo do homem, mas há de se entender que ela não pode deixar de prescindir a soberania de Deus. E, por conseguinte, a Sua glória. A Bíblia é clara em afirmar que Deus não abre mão da Sua glória, portanto, por que Ele criaria o homem com alguma liberdade? Apenas se Ele quisesse se ver livre de nós, como os deístas concluem, crendo num deus negligente, que pouco ou nada liga para a sua criação. Porém, esse não é o caso do Deus bíblico, que reina sobre o universo, sustentando todas as coisas pela palavra do seu poder [Hb 1.3].

Acontece que a liberdade existe, em princípio, para validar a responsabilidade do homem. Quer a maioria dos calvinistas queira ou não. Para se afirmar a responsabilidade não é preciso validá-la pela liberdade (como disse anteriormente, não importa o grau nem o estágio de liberdade, ela sempre significará livre de Deus).

A responsabilidade humana está diretamente ligada à autoridade divina, que estabeleceu a transgressão como pecado, e como conseqüência a punição e condenação pela infração cometida.

É simples. O homem é acusado e condenado não por ser livre para escolher, mas porque cometeu o delito, a infração, violando a Lei de Deus. Seja por vontade própria ou não; o que é irrelevante.

Isso é que faz do homem um pecador; isso é que o torna réu; isso é que o condenará, e o levará a receber o castigo eterno do próprio Deus. Nada além disso.

Portanto, tanto o conceito de liberdade, como o de responsabilidade atrelada à liberdade do homem, são falsos e antibíblicos.

Nota: [1]  O livro "Eleitos de Deus" é publicado pela Editora Cultura Cristã.
Veja todos os meus comentários ao livro AQUI 
[2] Não se pode usar aqui o conceito de “bem”, onde todo ímpio, mesmo quando realiza atos bons, ainda assim, fazem-nos com más intenções, porque não têm a motivação de glorificar a Deus. Misturar a capacidade de pecar ou não com esse conceito igualmente dúbio de que o incrédulo somente pecará porque não visa glorificar o Senhor, mesmo quando suas atitudes não conflitam com a Lei Moral, me parece forçado. O que está em discussão é a capacidade de escolha entre a opção de pecar, transgredindo uma ordem expressa de Deus, e não pecar, obedecendo a uma ordem expressa de Deus. Dizer que se peca mesmo sendo obediente, tendo-se em vista a motivação, é uma espécie de "embromez", que não subsiste pelo texto bíblico. O fato é que ímpios pecam e não pecam,  permanecendo ímpios mesmo quando não pecam. Outro fato é que santos pecam e não pecam,  permanecendo santos mesmo quando pecam. Mas nunca alheios à vontade de Deus, antes cumprindo-se rigorosamente tudo o que foi planejado por Ele, antes da fundação do mundo.
[3] Sou calvinista. Mas acho que além dos "Cinco pontos", o TULIP, muita coisa é dita com ares de sabedoria e temor quando, no fundo, não passa de uma visão humanista do Deus Todo-Poderoso.  Uma tentativa não-bíblica de se explicar algo bíblico à revelia da própria Bíblia.

quarta-feira, 4 de novembro de 2009

Sobre Amor e Ódio
















Por Jorge Fernandes Isah



Em virtude dos debates nos posts anteriores com o estimado e dileto irmão e amigo Natan de Oliveira, do blog Reflexões Reformadas, decidi-me, ao invés de respondê-lo na seção de comentários, fazê-lo em forma de artigos [1]. Em muitos detalhes concordamos, mas, no geral, há desacordo quanto às conclusões.

É preciso esclarecer que esta tentativa não explicará todos os pontos, nem mesmo é exaustiva, em decorrência da dificuldade do tema, e da minha própria incapacidade de compreendê-lo totalmente. Mas como a minha ignorância não é desculpa para não buscar entendimento no texto bíblico, oro ao Espírito Santo que me instrua naquilo que me é impossível compreender naturalmente, pois, “para os homens é impossível, mas não para Deus, porque para Deus todas as coisas são possíveis” [Mc 10.27].

Primeiramente, analisarei o texto apresentado de Efésios 2.3:
"Entre os quais todos nós também antes andávamos nos desejos da nossa carne e dos pensamentos: e éramos por natureza filhos da ira, como os outros também".


Ao que o Natan concluiu: “Assim neste primeiro exemplo acima, Deus sentia ira (ódio) por mim quando eu ainda não era nascido de novo, mas ao mesmo tempo sendo eu um escolhido seu desde a eternidade, era também ao mesmo tempo, fruto do seu amor salvífico, uma vez que ele já conduzia a história, inclusive o pecado, para me trazer salvação no tempo certo” [2].

Faz-se necessário analisar os termos:

1) Ódio: Inimizade perpétua [Sl 11.5, Ez 35.5]. Forte oposição ao amor [Lc 16.13, Jo 15.18-19]. Aversão intensa [Ml 1.3; Rm 9.13].

2) Ira: Furor, indignação [Jr 21.5, Lm 4.11, Ez 7.8, Jo 3.36, Rm 1.18, Ap 19.15]. Ato de castigar [Jr 30.14, 2Ts 1.9]. Vingança [Dt 32.35, Sl 58.10, Is 34.8, Rm 12.19]. Cólera [Sl 38.3, Na 1.6].

Aparentemente os conceitos de ódio e ira estão muito próximos. Ambos indicam uma oposição ao amor, mas nem sempre. O ódio me parece mais um estado, uma condição, do que um ato, uma emoção, como a ira tende-se a assemelhar.

A ira pode ser mesmo uma conseqüência do ódio, uma forma dele se manifestar, mas também pode se apresentar, a princípio, como decorrente do amor, na forma de disciplina, de correção.

O ódio estaria mais para uma espécie de aversão absoluta, algo duradouro e contínuo, ininterrupto. O ódio seria antagônico ao amor, enquanto a ira seria antagônica à tolerância, à indulgência. Por exemplo, a Bíblia afirma que o ódio de satanás por Deus não terá fim, assim como o ódio do ímpio por Cristo e Seu povo não terminará nem mesmo quando estiverem cumprindo a pena eterna no Inferno. Ao passo que, por exemplo, Paulo nos exorta a irar, e não pecar; para que “não se ponha o sol sobre a vossa ira” [Ef 4.26]; dando-nos a entender que a ira é momentânea, circunstancial, incidental, o que me leva à conclusão de que ódio e ira são matérias diferentes, ainda que possam se relacionar. É claro que estamos a falar da relação do homem e suas manifestações. Mas, e Deus? Como o ódio e a ira podem se relacionar com a Sua natureza, do ponto de vista bíblico?

1) Temos de entender que Deus não está no tempo; Ele age no tempo, e não segundo o tempo ou conforme o seu desenrolar, pois “conhecidas são a Deus, desde o princípio do mundo, todas as suas obras” [At 15.18]; as quais são os frutos, o resultado da Sua santa vontade.
2) A imutabilidade de Deus jamais poderá implicar em incoerência, contradição, porque isso resultará na desordem do universo, e sabemos que "Deus não é Deus de confusão" [1Co 14.33].

Efésios 2 nos diz que:

1) Deus nos vivificou quando ainda estávamos mortos em ofensas e pecados [v.1]. 2) Éramos filhos da desobediência e andávamos no curso deste mundo, segundo satanás [v.2]. 3) Éramos filhos da ira por andarmos na carne, fazendo a sua vontade, como escravos do pecado [v.3]. 4) Novamente, o apóstolo afirma que aprouve a Deus nos vivificar juntamente com Cristo, por sua misericórdia, “pelo seu muito amor com que nos amou estando nós ainda mortos em nossas ofensas[v.4-5]. 5) Deus “nos ressuscitou juntamente com ele e nos fez assentar nos lugares celestiais, em Cristo Jesus” [v.6]. 6) Para mostrar a sua graça e benignidade para com os eleitos, nos séculos vindouros [v.7].

Paulo nos faz ver que há uma idéia de tempo, mas também uma idéia intemporal, que transcende o próprio tempo. Há a concepção de eternidade, de que as coisas na mente de Deus não se passam como nas nossas; de que Ele estabeleceu tudo muito antes do tempo existir; e de que, de fato, elas já existem porque acontecerão inevitável e inexoravelmente, não podendo ser frustradas nem impedidas por nada ou ninguém de ocorrerem.

É o que está dito: quando Deus nos vivificou com Cristo; nos ressuscitou juntamente com ele; nos fez assentar nos lugares celestiais, em Cristo. O apóstolo não utilizou verbos no futuro, mas os utilizou no passado: vivificou, ressuscitou, assentou. O Senhor que não está contido no tempo, e que é o criador do tempo, já realizou todas essas coisas para com os eleitos, os Seus filhos adotivos, mesmo aqueles que sequer nasceram, e mesmo os que ainda terão seus pais e avós nascidos num futuro distante.

A obra de Cristo já está consumada eternamente, e podemos dizer que ela foi realizada eternamente, por causa da imutabilidade divina que não poderia ser alterada, nem tomaria outro rumo, mas culminaria infalivelmente no sacrifício do Senhor na cruz do Calvário. É o que Paulo assevera: “sabendo isto, que o nosso homem velho foi com ele crucificado, para que o corpo do pecado seja desfeito, para que não sirvamos mais ao pecado” [Rm 6.6].

Não há dúvidas de que a nossa salvação é eterna.

Porém Paulo se utiliza da linguagem temporal para indicar o estágio em que estávamos antes da conversão: éramos filhos da desobediência; filhos da ira; andávamos na carne, satisfazendo-a e a satanás; estávamos mortos em ofensas e pecados. Essa é a nossa condição no tempo, na nossa relação com o tempo, o pecado e o mundo [significando toda a criação divina]. Mas também indicando a forma maravilhosa como o Senhor nos resgatou da perdição e condenação.

Partindo-se deste texto bíblico é presumível que:
1) Deus odeia eternamente o pecado. 2) Deus odeia eternamente o pecador que nunca se arrependerá dos seus pecados, terá o coração endurecido, e jamais foi alvo da Sua graça salvadora. 3) O pecador não resgatado por Cristo será alvo da ira eterna de Deus, como conseqüência da Sua justiça, que pune o pecador por causa dos seus pecados, da sua desobediência, e da inimizade perpétua para com Deus. Porque Ele é justo e justificador apenas daquele que tem fé em Jesus [Rm 3.26].

Podemos ver que há diferença entre o ódio e a ira. A ira de Deus pode cair mesmo sobre o eleito, como um castigo, como uma indignação, como conseqüência do pecado, no tempo. Esse me parece o caso de Davi. Após adulterar com a mulher de Urias [2Sm 11.4], assassiná-lo [2Sm 11.14-17 (a perversão de Davi foi tamanha que o próprio Urias levou a sua sentença de morte ao comandante das tropas de Israel, Joabe)], e desposar Betseba [Sm 11.27]; alguns castigos sobrevieram-lhe da parte de Deus: 1) O seu filho, fruto do adultério com Betseba, morreu [2Sm 12.18]. 2) Amnon, filho de Davi, cometeu incesto com sua irmã, Tamar [2Sm 13.14]. 3) Absalão, filho de Davi, matou Amnon, seu irmão, por causa de Tamar, sua irmã [2Sm 13.29]. 4) Davi foi obrigado a fugir de Jerusalém, escapando da morte, por causa da rebelião de Absalão, seu filho [2Sm 15.16]. 5) Absalão possuiu, em afronta, todas as concubinas do seu pai, Davi, diante de todo o Israel [2Sm 16.22].

Outras coisas mais aconteceram a Davi como castigo por seus pecados, provavelmente a que mais lhe doeu o coração, foi ser impedido de construir o Templo. Todas como conseqüências do juízo de Deus sobre Davi, os quais foram profetizados por Natã: “Agora, pois, não se apartará a espada jamais da tua casa, porquanto me desprezaste... Eis que suscitarei da tua própria casa o mal sobre ti, e tomarei tuas mulheres perante os teus olhos, e as darei a teu próximo, o qual se deitará com tuas mulheres perante este sol... também o filho que te nasceu certamente morrerá” [2Sm 12.10, 11, 14].

O Senhor perdoou o pecado de Davi, contudo, a Sua ira disciplinadora, que tem como um dos objetivos o arrependimento e a santificação, permaneceu sobre ele na forma de castigo, de punição temporal [2Sm 12.13].

A minha conclusão é: 1) Ódio pode parecer com ira, mas são coisas diferentes. 2) O ódio de Deus pelo pecado e os pecadores recalcitrantes (os réprobos, irreconciliáveis) é eterno. 3) A ira de Deus sobre o pecado e os pecadores obstinados é eterna, e se manifestará plenamente no Dia da Ira, quando os réprobos forem lançados no Inferno juntamente com satanás e seus anjos. 4) A ira de Deus sobre os eleitos é temporal, no sentido de ser uma manifestação educativa, que o levará, primeiramente, à conversão, e, posteriormente, à santificação. 5) Portanto, Deus não ama e odeia ao mesmo tempo os réprobos, porque Ele apenas os odeia, e não os ama. 6) Deus não ama e odeia os eleitos, porque Ele apenas os ama, ainda que lance sobre nossas desobediências o justo castigo.

Fica ainda a questão da graça comum sobre os réprobos, que tentarei expor em outro post [3].

Apenas para não deixar passar em branco, acredito que a graça comum sobre os inimigos eternos de Deus se dá exatamente por sua misericórdia e amor para com os eleitos. Ou seja, os vasos da ira, preparados para a perdição, existem para que também Deus “desse a conhecer as riquezas da sua glória nos vasos de misericórdia, que para glória já dantes preparou” [Rm 9.22-23]. Eles existem para a glória de Deus, mas também para que o Seu amor, graça e misericórdia por nós ficasse notória, evidente.

Alguns exemplos que favorecem essa idéia: 1) Deus nos pede para orar pelos homens, reis e eminentes a fim de que “tenhamos uma vida quieta e sossegada, em toda a piedade e honestidade” [1Tm 2.1-2]. Isso quer dizer que, muito provavelmente, se Deus não operasse a restrição aos ímpios, os crentes seriam destruídos. 2) Os crentes serão beneficiados com o que é produzido pelos ímpios, como uma dádiva de Deus para os Seus filhos: a tecnologia, os avanços da medicina, os tribunais de justiça, a arte, etc; como a ação de Deus sobre os reprovados a fim de que pratiquem o bem para com os eleitos; porque toda a boa dádiva e todo o dom perfeito vem do alto” [Tg 1.17].

Não é o que diz o Salmo 136? Deus feriu o Egito nos seus primogênitos; “porque a sua benignidade dura para sempre” [v.10]. Sendo que a sua benignidade era para com os egípcios ou para com Israel?

Porque “tirou a Israel do meio deles” [v.11]; e fez passar Israel pelo meio do Mar Vermelho, mas derrubou a Faraó com o seu exército no Mar Vermelho [v.13-15]; “aquele que feriu os grandes reis [v.17]; e matou reis famosos... Sion, rei dos amorreus... Ogue, rei de Basã... E deu a terra deles em herança a Israel seu servo; porque a sua benignidade dura para sempre” [v.17-22].

Não há dúvida de que os réprobos cumprem finalidades específicas. Como já disse, foram criados para manifestar a ira de Deus [Rm 2.4, 9.22], e para que fosse conhecido o Seu amor pelos eleitos, e a eles revelada a Sua graça e misericórdia, assim como a Sua glória.
De outra forma, por que Cristo diria: “Ninguém tem maior amor do que este, de dar alguém a sua vida pelos seus amigos” [Jo 15.13]?

Ou será que Ele morreu por todos como querem arminianos e universalistas?

Ou ao invés disso, “Deus prova o seu amor para conosco, em que Cristo morreu por nós” [Rm 5.8]?

Bem, essa é outra história...

Notas: [1]Pretendo responder às inquirições do Natan em três postagens distintas, a fim de que, tanto eu como ele, possamos pormenorizar nossas convicções. [2]Para ler todo o comentário do Natan click em Oliveira . [3]Quanto à utilização de Jo 3.36 como argumento para validar o amor e ódio simultâneos, não há a menor possibilidade, porque a questão debatida por João resume-se a relação entre fé e vida eterna, ou seja, aquele que crê em Cristo terá a vida eterna, e aquele que não crer em Cristo não terá a vida eterna, mas a ira de Deus permanece sobre ele. A ira de Deus está sobre aquele que não crê e que não terá a vida eterna, o réprobo. Portanto, ele não serve como argumento para a nossa disputa que é sobre amor e ódio, ainda que ela favoreça mais ao meu ponto de vista do que ao do Natan.