segunda-feira, 7 de abril de 2014

Estudo sobre a Confissão de Fé Batista de 1689 - Aulas 68, 69 e 70 - Dons apostólicos: Variedade e interpretação de línguas

 
 
Por Jorge Fernandes Isah

Como são interligados, ainda mais do que os demais dons relacionados por Paulo em 1Co 12, decidi fazer um apanhado geral dos dois últimos dons em um mesmo tópico. Por que? Ora, não há o dom de línguas se não houver a interpretação. Qualquer afirmação de que o dom de línguas prescinde a interpretação extrapola o contexto bíblico, não há referências na palavra, e é uma invenção humana, como o apóstolos alerta: "E, se alguém falar em língua desconhecida, faça-se isso por dois, ou quando muito três, e por sua vez, e haja intérprete" [1Co 14.27]. Logo, o dom de variedade de línguas, sem a sua tradução, simplesmente não existe, e não pode reivindicar qualquer biblicidade. E este foi um cuidado que Deus teve em estabelecer os limites para exercê-lo; por que, de que adiantaria uma pessoa se levantar na assembleia, emitir um pronunciamento em língua estranha, e mais ninguém [provavelmente ele também] entenderia o que foi dito? De que este dom serviria para atingir o objetivo de ser útil para a igreja [1Co 12.7]? Certamente, nenhum. Por isso, Paulo vai mais além, e diz que "se não houver intérprete, esteja calado na igreja, e fale consigo mesmo, e com Deus" [1Co 14.28]. A ordem é límpida como água cristalina; se não houver intérprete que aquele irmão que tem o dom de variedades de línguas cale-se. Novamente, é o apóstolo quem diz: "se eu for ter convosco falando em línguas, que vos aproveitaria, se não vos falasse ou por meio da revelação, ou da ciência, ou da profecia, ou da doutrina?" [14.6]. E é isso o que vemos na maioria das igrejas? Ou o que Paulo predisse, séculos atrás, tornou-se regra à revelia da sua ordenação? Ele instruiu as igrejas para o perigoso de uma disseminação deste dom, de ser, inclusive, entrave para o Evangelho: "Se, pois, toda a igreja se congregar num lugar, e todos falarem em línguas, e entrarem indoutos ou infiéis, não dirão porventura que estais loucos? Mas, se todos profetizarem, e algum indouto ou infiel entrar, de todos é convencido, de todos é julgado" [14.23-24]. Note-se que profecia tem o sentido explícito de proclamar a palavra de Deus, como estudamos nas aulas anteriores, e não adivinhação ou previsão do futuro. Com isso, Paulo está dizendo que o falar em línguas estranhas sem que se defina claramente o sentido do que foi dito é inútil, não edifica, e torna-se muito mais um objeto de vaidade humana e, chego a dizer, de desobediência a Deus. O dom de variedade de línguas sem interpretação é o que ele classifica de "falando com o ar": "assim também vós, se com a língua não pronunciardes palavras bem inteligíveis, como se entenderá o que se diz? porque estareis como que falando ao ar" [14.9]. Portanto, não há, em nenhuma hipótese,  por aqueles que creem na contemporaneidade deste dom [os continuístas] , o falar em variedade de línguas sem interpretação e acreditar-se bíblico.

O que acaba por se agravar quando percebemos que Paulo dá um sentido muito estrito ao dom, chamando-o de variedade de línguas e não da maneira simples e comumente tratada nas igrejas, hoje, como dom de línguas. Ora, o dom não é de uma língua, ainda mais uma língua  de anjos, mas de "variedade" de línguas, pressupondo que se fale mais de uma delas e até mesmo várias. O apóstolo, por exemplo, diz falar "mais línguas do que vós todos" [14.18], referindo-se à igreja. Por isso, quando reduzimos o dom a uma única língua estamos também extrapolando a Escritura e inserindo algo que não lhe diz respeito. Novamente, é um conceito para justificar o erro.

Fica evidente que o dom de variedade de línguas é um dom revelacional, que tem por objetivo entregar uma doutrina ou ensinamento à igreja, ainda que possa  ser uma maneira de dar graças a Deus, como Paulo o diz, mas, nesse caso, deve-se fazê-lo interiormente, em silêncio, sem se manifestar à igreja, pois em nada ela será edificada [14.17].

A riqueza dos detalhes e da argumentação de Paulo é impressionante, e torna-se ainda mais, quando percebemos que praticamente todo o seu ensino é desprezado e negligenciado pela maioria das igrejas, o que deveria ser objeto de dúvidas quanto à contemporaneidade deste dom, já que a ideia corrente é oposta à ordenação apostólica.

Outro ponto importante é que o dom de línguas, assim como os demais dons, são sinais, não para os crentes, mas para os incrédulos [14.22]. Como já foi dito nas aulas passadas, os dons apostólicos ou espirituais cumpriram uma missão especial na história, num período em que a revelação ainda não estava completa, e era necessário testificar a procedência da palavra anunciada publicamente como proveniente de Deus. Por isso, os dons estavam atrelados à doutrina, ao ensinamento, à edificação da igreja até que o cânon estivesse escrito. Veja bem, já li algumas refutações a essa idéia dizendo que o cânon não foi concluído antes do século IV, o que é verdade, e se deu por volta de 367 d.c. Acontece, porém, que nem uma só linha foi escrita depois do fim do século I D.C., ou seja, a confirmação da canonicidade ocorreu três séculos depois, mas a Bíblia, como a revelação especial de Deus, já estava concluída, acabada, antes mesmo do final do século I, nada mais foi escrito, nada mais foi divinamente revelado, nada mais pode ser acrescentado ou retirado. Estava tudo pronto, bastando o Espírito Santo reuni-lo, nos séculos seguintes, como a única palavra de Deus, a Bíblia Sagrada.

Novamente, àqueles que defendem a continuidade dos dons espirituais, pergunto: qual a sua eficácia? Qual a sua necessidade? Sendo que o corpo doutrinário está fechado, pronto e acabado? Nada podendo ser acrescido a ele, e nada podendo ser retirado dele? Se tinham a missão de atestar, de comprovar, que o profeta era o emissário direto de Deus a quem foi-lhe revelada a sua palavra, e hoje isso é impossível, qual o seu propósito? Se o próprio Paulo disse que o dom de variedades de língua não é para a igreja, mas para os incrédulos, e de que ele serve mais, quando não interpretado, para a edificação pessoal, e nesse caso, não pode ser proclamado publicamente mas deve ficar restrito a quem tem o dom e Deus, por que se insiste na balbúrdia e algazarra em que muitas igrejas se entregaram? Chego a crer em desordem, e Paulo apela para a ordem no culto, mas também à rebeldia e, porque não, a um apelo carnal. 

Notas:  1 - Aulas realizadas no Tabernáculo Batista Bíblico
 2 - Baixe estas aulas em  Aula 85 - dons xii.mp3
em   Aula 86 - Dons XIII.MP3
em   Aula 87 - dons xiv.mp3

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