sexta-feira, 27 de abril de 2012

Estudo sobre a Confissão de Fé Batista de 1689 - Aula 25: A verdade e a fidelidade de Deus



Por Jorge Fernandes Isah





INTRODUÇÃO
Ouvimos falar de verdade constantemente, de que fulano falou a verdade, de que determinada frase é verdadeira, de aquela história é verdade, mas também da sua negação: de que isso é mentira, de que fulano é mentiroso, aquela história é falsa. Acontece que está em voga um conceito que se pressupõe verdadeiro quando afirma que não há verdade. A ironia é de que ele despreza e condenada qualquer conceito de verdade, a exceção é a própria afirmação, a sua base interna, de que não há verdade como verdade. Seria risível se não fosse trágico. Muitas pessoas declaram e repetem esse argumento como uma filosofia de vida, mas sua premissa é contraditória e falaciosa. Quando dizem não haver verdade alguma ou de que ela é algo completamente subjetivo, cabendo a cada um, segundo o seu bel-prazer, estabelecê-la e creditá-la, no sentido de que haverá apenas uma verdade pessoal e jamais universal ou objetiva, erram, contudo, ao validarem o seu próprio enunciado como verdadeiro, universal e objetivo. É o que se pode chamar de "samba-do-crioulo-doido", e um exclusivismo que são incapazes de reconhecer em "outras" verdades. Em linhas gerais, o que dizem é não haver verdade absoluta, quando querem que a sua afirmação seja, ela mesma e unicamente, uma verdade absoluta. Isso é o que se denominou chamar de pós-modernidade ou relativismo, onde as verdades podem ser adquiridas como frutas em feiras e descartadas do mesmo modo. Assim como um comprador gosta de maças vermelhas e grandes, outro comprador passará por elas sem qualquer desejo de comprá-las, preferindo frutas menos vistosas como a jaca, por exemplo. Ou seja, a verdade, assim como a fruta, se estabelecerá no indivíduo meramente pelo seu gosto ou predileção [como uma visão individual, onde só existe o "eu" presente], da mesma forma que poderá ser desprezada.

Do mesmo modo, afirmam não haver certo e errado, mas apenas uma verdade situacional, na qual determinado ato ou pensamento parecerá certo em dado momento e, por isso, será certo. O que buscam, ainda que inconscientemente é o caos social e moral, e muitos deles alcançam seus objetivos angariando a simpatia e concordância de outros, e, estilos de vida nitidamente destrutivos para a humanidade se estabelecem ou podem se estabelecer como verdadeiros simplesmente pela presunção ou estímulo de que sejam verdadeiros. O feminismo e o homossexualismo como fenômenos sociológicos, e o marxismo com político, se enquadram nesse sistema destrutivo de práticas anti-humanas [por humanidade, defino o homem como criado à imagem de Deus], onde as colunas-mestras são demolidas e em seu lugar colocadas varetas de mamonas incapazes de sustentar adequada e ordeiramente a sociedade. Não vou entrar na questão religiosa, como esse sistema sendo pecaminoso e a transgressão dos preceitos divinos. Basta verificar que a ausência de absolutos impossibilitaria a própria existência humana, e alegar a relatividade dos valores resulta apenas e simplesmente na baderna e caos, tanto moral como ético, levando a sociedade à destruição ou a sujeição ao totalitarismo.

Assistindo aos Três Patetas [The Three Stooges], em dado momento, Moe e Larry conversam à mesa:

Moe: Só imbecis têm certeza absoluta!

Larry, curioso: Tem certeza?

Moe respondeu, convicto: Claro!

Este trecho foi publicado na postagem "Mistério, Paradoxos e contradições aparentes - Parte 2", e recebi o seguinte comentário de um irmão, o Natan de Oliveira: "Até os Três Patetas sabem refutar o ceticismo...". Entendo que ele quis dizer "relativismo" ao invés de "ceticismo", mas o termo é também apropriado, já que a descrença na verdade absoluta é uma forma de ceticismo.
Mas o que vem a ser a verdade?
 
Segundo o Michaelis, é 1 Aquilo que é ou existe iniludivelmente. 2 Conformidade das coisas com o conceito que a mente forma delas. 3 Concepção clara de uma realidade. 4 Realidade, exatidão. 5 Sinceridade, boa-fé. 6 Princípio certo e verdadeiro; axioma. 7 Juízo ou proposição que não se pode negar racionalmente. 8 Conformidade do que se diz com o que se sente ou se pensa. 9 Máxima, sentença. 

Para Platão, "Verdadeiro é o discurso que diz as coisas como são; falso é aquele que as diz como não são". Já Aristóteles dizia: "Negar aquilo que é e afirmar aquilo que não é, é falso, enquanto afirmar o que é e negar o que não é, é a verdade". 

Temos aqui uma relação entre o pensamento, a linguagem e o objeto como concepção de verdade, de forma que o objeto ou o ser é a medida ou a validação do pensamento ou discurso. Por exemplo, determinado objeto não é branco porque se afirma que ele seja, mas afirma-se como verdade que ele é branco porque é. O cão, por exemplo, tem características diferentes das de um gato, e que o fazem cão e o gato, gato. Não seria a minha afirmação de que um gato é um cão que o tornaria em cão, o que seria falso. Porém, o fato de eu apontar um cão e afirmá-lo com tal é que faz o que digo ser verdade. Em relação aos objetos visíveis, perceptíveis e sentidos essas distinções são fáceis de se verificar. É impossível que o mar seja um rio e vice-versa. Que uma árvore seja uma rocha, e assim por diante. O fato de alguns seres como peixes, aves e repteis se camuflarem e aparentarem ser outra coisa, não os torna nelas. Eles permanecem sendo o que são, a despeito da ilusão visual que provocam. Mas nas questões metafísicas há uma dificuldade maior em se estabelecer o que seja verdade ou não. Não que elas sejam menos reais do que os objetos visíveis, mas é que, dado a nossa limitação, temporalidade e finitude, elas têm menos sentido ontológico para nós.

Quando os proponentes do pós-modernismo ou relativismo dizem que não há verdade objetiva, eles estão a dizer que o mundo e a realidade e, porque não, eles mesmos, não passam de um delírio ou ilusão. Mas acredito que se perguntados sobre a existência de si mesmos, não a negariam. Se o fizerem, o melhor é dar-lhes as costas e não perder tempo em demovê-los da sua loucura. 

HÁ UMA VERDADE?
Sim. Não a minha verdade, pessoal e intransferível, ou as verdades de cada um de nós, se contrapondo umas às outras de forma que, no final, não haja verdade alguma mas um amontoado de opiniões, sentimentos e provocações, muitas delas sem qualquer controle ou cabimento. A Bíblia afirma que o homem, no Éden, decaiu, estando sob o efeito devastador do pecado, de forma que a sua natureza agirá motivada por ele. O pecado é o que conduz o homem a negar a Deus, seus preceitos ou Lei e palavra, resultando na negação da verdade. Ficando mais fácil, dessa forma, ele dar vazão à iniquidade, intentando sentir-se à margem da verdade. O que o levará a lutar obstinadamente pela sua demolição, a fim de erigir um altar à mentira, o engano, à imoralidade e corrupção. Destruindo-se a verdade, destrói-se a moral, e está-se mais próximo de si mesmo, do ser decaído, podendo-se negar vergonhosamente como imagem daquele que o formou e, então, negar o próprio Deus. É um esquema maligno e perverso em que o homem busca uma liberdade em si mesmo, a qual é impossível de se obter, visto estar ele preso em sua própria mentira, assim como um pássaro está livre em uma gaiola. De certa forma, há uma liberdade, mas não seria a liberdade absoluta que ele supõe ter, e que somente é possível em Deus.

Esse também é o motivo pelo qual se nega que a Bíblia seja a verdade. Negando a sua veracidade, nega-se o seu conteúdo, e a necessidade de aplicá-lo. Então, para eles, o pressuposto é de que não há o Deus bíblico, e, por conseguinte, não há a palavra infalível do Deus bíblico. Ao contrário, para nós, existe o pressuposto de que há apenas um Deus, o Deus bíblico, e de que sua palavra é a verdade. Mais do que nos ater ao conceito filosófico da verdade, resta-nos reconhecer pelo intelecto e pela fé que Deus é sempre verdadeiro e fiel. É o que Paulo diz: "Sempre seja Deus verdadeiro e todo o homem mentiroso" [Rm 3.4]. 


A VERACIDADE EM DEUS
Ora, se Deus é verdadeiro, há verdade em Deus, pois ele é toda a verdade, e a verdade somente pode proceder dele. Novamente o apóstolo diz que o homem é quem transforma a verdade de Deus em mentira, de tal forma que o seu coração possa estar cheio de imundície; não buscando o conhecimento de Deus, mas antes entregando-se a um sentimento perverso, para fazer coisas que não convém [Rm 1.25, 28]. No verso 29 em diante, ele descreve algumas dessas coisas, as quais ofendem a santidade divina e, por isso, quem as pratica está debaixo do seu juízo. Os homens conhecem o juízo divino, mas para manterem-se presos ao pecado, desejaram e optaram em negar a verdade, e, assim, negar o Deus vivo e verdadeiro; de forma que nem ele, nem o seu conhecimento, nem sua palavra sirvam de padrão máximo para o homem; e ele não repita o que está escrito: "Mas o Senhor Deus é a verdade; ele mesmo é o Deus vivo e o Rei eterno" [Jr 10.10]. Ora, ainda que o homem fale a verdade, e ele a falará, Deus é verdadeiro em seu ser, não havendo mentira nele. A verdade é essencial em Deus, de tal forma que se ele não fizer tudo conforme a verdade, nega-se a si mesmo, e não é Deus. Sem a verdade, Deus não seria Deus. E ele é Deus por ser a verdade.


Notas: 1-Aula realizada na E.B.D. do Tabernáculo Batista Bíblico em 13.05.2012;
2- Baixe o áudio desta aula em file.MP3
3- No áudio deste estudo, faço uma análise dos seguintes textos bíblicos, complementando este texto: Jo 14.6, Gn 3.1-6 e Rm 1.22-32

sábado, 21 de abril de 2012

Estudo sobre a Confissão de Fé Batista de 1689 - Aula 24: A Sabedoria de Deus




Por Jorge Fernandes Isah



INTRODUÇÃO


A sabedoria de Deus é outro dos seus atributo intelectuais [Jó 12.13], o qual também nos foi comunicado; de forma que o homem pode, ainda que não perfeitamente, como Deus, apresentar-se sábio em muitos momentos. Normalmente temos a impressão de que conhecimento e sabedoria são sinônimos, quando, ainda que estejam relacionados, os seus conceitos e aplicações são diferentes. Por exemplo, um homem inculto pode ter grande sabedoria, enquanto um erudito pode não passar de um tolo. O conhecimento é proveniente dos estudos, logo, teórico, enquanto a sabedoria é a capacidade intuitiva de se conhecer as coisas, logo, prática. Pode-se concluir que o conhecimento não depende da sabedoria, um homem pode tê-lo sem que seja necessário usá-lo, enquanto a sabedoria dependerá sempre de algum conhecimento anterior à aplicação.



Mas, o que significa mesmo a palavra sabedoria?

A sabedoria está sempre ligada ao conhecimento, ainda que se discuta a aplicação de um termo melhor, sapiência. Do ponto de vista filosófico, sabedoria refere-se tradicionalmente à conduta racional nas atividades humanas, a possibilidade de dirigi-las da melhor maneira possível. Platão a identifica com sapiência, de forma que não há distinção entre elas, definindo-a como "a mais elevada e, sem a menor dúvida, a mais bela, pois trata da organização política e doméstica, à qual se dá o nome de prudência e justiça" [O Banquete, pg 209]. Aristóteles distingui-a de sapiência, considerando-a o "habito prático e racional que diz respeito ao que é bom ou mau para o homem" [Ética, VI, 5, 1140 b 4]. Como o homem é mutável, por conseguinte, a sua sabedoria também, Aristóteles distingue-a da sabedoria que está acima de tudo, a qual é elevada e divina, portanto, imutável, sendo sempre a mesma. Parece-me que tanto Platão como Aristóteles definem sabedoria como a capacidade do homem viver uma vida virtuosa, prudente, e capaz de discernir entre o bem e o mal, entre o certo e o errado, entre o verdadeiro e o falso. Isso está em acordo com o que a Bíblia nos revela àcerca da sabedoria.

No A.T. a sabedoria se aplica comumente aos homens, como a capacidade dada por Deus para que eles coloquem-no, em suas vidas, no lugar correto e apropriado. A começar pelo temor do Senhor [Jó 28.28, Pv 9.10]. E assim, aqueles que conhecem a Deus refletirão nas questões práticas da vida o seu caráter pessoal, santo e justo, ou seja, o homem aplicará, no seu cotidiano, o ensino revelado por Deus; implicando, primeiramente, no conhecimento da sua vontade, expressa na Escritura, sem a qual não é possível o discernimento, a análise e o emprego dos princípios de certo e errado, que o levará ao juízo correto e a uma vida reta diante de Deus e do próximo.

O termo normalmente utilizado para se referir à sabedoria no hebraico é "hokmâ", e para sábio, "hãkãm", cobrindo toda uma gama de experiências humanas, tanto na aptidão de exercer uma atividade [Ex 31.3,6; Is 10.13; Dt 34.9], como na sagacidade, que é a capacidade de compreensão da realidade, ainda que oculta [2Sm 20.22], como na prudência, a virtude que nos faz prever e evitar as faltas e os perigos e que nos leva a conhecer e praticar o que nos convém [Sl 37.30; Pv 10.31, Sl 90.12]. No caso do cristão, representa ser obediente aos princípios morais e éticos bíblicos, e a evitar as práticas que ferem esses mesmos princípios, revelando que a sabedoria nas questões práticas da vida é derivada, originada, da revelação divina [Is 33.5-6; Pv 2.6]. 

No NT ela é expressa pela palavra grega "sophos" e, normalmente, se relaciona à capacidade de um homem abordar a vida, decorrente da aliança com Deus, logo, é considerada uma dádiva de Deus.

UM EXEMPLO DE SABEDORIA

O exemplo de um homem sábio é o do rei Salomão, filho de Davi. No início do seu reinado, Deus apareceu-lhe em sonho, e disse-lhe: "Pede o que queres que eu te dê" [1Rs 3.5]. Salomão pediu: "A teu servo, pois, dá um coração entendido para julgar a teu povo, para que prudentemente discirna entre o bem e o mal; porque quem poderá julgar a este teu tão grande povo?" [v.9]. Deus assegura então a Salomão que, não somente o faria sábio, mas que nem antes nem depois dele jamais apareceria homem mais sábio do que ele: "Eis que fiz segundo as tuas palavras; eis que te dei um coração tão sábio e entendido, que antes de ti igual não houve, e depois de ti igual não se levantará" [v.12]. A primeira pergunta que vem a mente é: Salomão foi mais sábio que Jesus [comparação que os detratores do Cristianismo fazem com Mt 12.42]? A Bíblia não afirma isso, e o trecho lido não faz alusão a Cristo. Sabemos que Cristo era Deus-homem, o Verbo encarnado, e de que, portanto, não era um homem comum. Sua sabedoria era divina, eterna, infinita, imutável e perfeita. Em Cristo não havia duas pessoas, mas apenas uma, a do Verbo. Duas naturezas, a divina e a humana, mas uma única pessoa. Não há dualismo em Cristo. Pois, sendo Deus, nada relativo à sua natureza humana afetaria a sua natureza divina; temos em Cristo o Deus-homem, não o Cristo Deus e o Cristo homem, como se fossem duas pessoas distintas subsistindo em uma. Muitos afirmam contradição onde não há. O fato é que eles partem do falso pressuposto de que Cristo é apenas um homem e, logo, como poderia a Bíblia afirmar que um homem não encontra igual entre os homens, e, mais à frente, afirma que há um homem maior do que aquele? Contudo, se eles não lessem a Escritura apenas à procura de contradições, se a lessem como o livro inspirado e a palavra do próprio Deus, perceberiam que Cristo não é apenas um homem, mas o Verbo encarnado. Como a premissa deles é falsa, todo o argumento é falacioso e, pior, em sua soberba, falam do que não conhecem e nem querem conhecer. São os ignorantes que não querem abandonar a ignorância, antes querem perpetuá-la, aliciando incautos e fazendo-os repetir seus delírios.

Quando Deus distingue a sabedoria de Salomão da de todos os homens, fala dos seres criados; poderíamos dizer, dos homens comuns, aqueles que estão no mesmo nível do filho de Davi, que carecem e necessitam desesperadamente de Deus. A sua afirmativa está presa ao fato de que Salomão foi um homem cujas decisões seriam tomadas mediante o conhecimento claro, direto, imediato e espontâneo da verdade. Ele teria uma percepção, pressentimento, ou melhor, a intuição do que fazer, e assim decidir com justiça. O relato da disputa de duas mulheres por uma criança, em que ambas se diziam a mãe do bebê, revela-nos o grau de sabedoria ao qual Deus está se referindo [1Rs 3.16-28]. Não o conhecimento e o discernimento infinitos, perfeitos e eternos que o Senhor Jesus tem, mas, simplificadamente, a capacidade que Deus deu ao rei de julgar corretamente. Parece-me mais a capacidade de avaliar e decidir pela verdade, o que não quer dizer que ele detenha a verdade, nem a conheça exaustivamente. Como se dirigiu a Deus, o seu pedido foi limitado ao julgamento das coisas terrenas, das disputas humanas, e a sentenciar retamente, diante de um povo tão grande. Ainda que as decisões fossem complexas, como o exemplo citado das mães e do bebê. A sabedoria de Salomão era divina [v.28], no que se referia à justiça em Israel, mas de forma alguma quer dizer que Salomão fosse sobrenaturalmente sábio, infalível e perfeito como Cristo. O fato dele decidir mal em relação à própria vida pessoal, ao cuidado da sua casa, e quanto ao permitir que se erguessem altares de deuses pagãos em Israel, os quais eram adorados livremente, demonstra que essa sabedoria não era exaustiva, nem abrangente, nem perfeita em unidade. 

A SABEDORIA EM DEUS

Sendo Deus sábio, a sabedoria é necessária e essencial em seu ser, de forma que ele não poderia ser o que é sem ela. Como já foi dito, a sabedoria divina é perfeita, eterna, infalível e imutável; de forma que encontram-se escondidas, em Deus e em Cristo, todos os tesouros da sabedoria e da ciência [Cl 2.3]. Ela é originária em Deus, e somente ele a detém. Ainda que os homens possam ser considerados sábios em vários momentos, somente Deus é sábio eternamente. O homem pode ter momentos de sabedoria, mas a sabedoria não se confunde com o ser humano, e torna-se inadequado afirmar que o homem seja sábio. Temos "flaches" de sabedoria, em que nossas decisões e ações refletem o conselho divino, mas, na maioria das vezes, estamos distantes, e acabamos produzindo a insensatez e o desatino. Ela também se desenvolve no homem, é progressiva, adquire-se com o passar dos anos. Em Deus, ele é a sabedoria, e somente ele pode ser chamado de sábio, em seu sentido absoluto, como uma propriedade ou qualidade singular, própria e exclusiva dele. Diferente do homem, Deus não aprende nem exercita a sua experiência. Deus sabe e é eternamente. A sabedoria é inerente a ele, não podendo ser acrescentada nem diminuída, como se houvessem graus de sabedoria em Deus. Deus tem toda a sabedoria, que em sua perfeição e eternidade é imutável e infinita. Muitas vezes a infinitude nos dá uma ideia de desenvolvimento, de progressão, um conquistar no tempo e no espaço, porém, tudo que progride é finito, e o finito jamais será infinito. Deus é infinito, e somente ele conhece a sua infinidade. Assim como somente ele conhece a sua sabedoria, que para nós é incompreensível em sua totalidade. Como está escrito: "Grande é o nosso Senhor, e de grande poder; o seu entendimento é infinito" [Sl 147.5]. E, como poderia o homem medir a sabedoria divina? De maneira alguma, porque quão profundas são as riquezas, tanto da sabedoria, como do conhecimento de Deus! Quão insondáveis são os seus juízos e quão inescrutáveis os seus caminhos [Rm 11.33]. Resta-nos quedar admirados e fascinados com tão grandiosa revelação, sabendo que, se queremos ser homens sábios, devemos buscá-la em Deus, que é o único que a tem. Tiago nos diz para pedi-la, pois Deus a dá liberalmente. Mas, primeiro, devemos reconhecer que a temos em falta; e nos humilhar diante daquele que a tem em abundância, e a dará certamente.

Sábio também é aquele que, ao invés de confiar na própria sabedoria [o que em si, já é sinal de sabedoria], e enganar-se a si mesmo, deposita a sua confiança em Deus, sabendo que a sabedoria do mundo é loucura diante de Deus, para que nenhuma carne se glorie perante ele [1Co 3.18-21; 1.29]. Por isso, ninguém é chamado de filho por ser sábio, no sentido em que o mundo conhece, porque ele não pode conhecer a Deus por sua sabedoria. Muitos dos que foram chamados, a maioria de nós, não o foram por serem sábios, poderosos ou nobres na carne; porque, como está escrito, aprouve a Deus escolher as coisas loucas deste mundo para confundir as sábias, e as que não são, para aniquilar as que são [1Co 1.26-27]. Se buscamos saber aos moldes do mundo, nosso esforço será infrutífero. Mas se empenharmo-nos em aprender de Deus, através da sua santa palavra, quão sábio seremos, pois cumpriremos a sua vontade de viver neste mundo em santidade, separados para ele. Se é do Senhor que vem o conhecimento e o entendimento [Pv 2.6], busquemo-lo, e ele se revelará a nós, dando-nos gratuitamente o que granjeamos: que Cristo faça abundar para conosco em toda a sabedoria e prudência, descobrindo-nos o mistério da sua vontade [Ef 1.8-9], e, repetindo,  em quem estão escondidos todos os tesouros da sabedoria e da ciência.


Notas: 1-Aula realizada na E.B.D. do Tabernáculo Batista Bíblico em 25.03.2012;
2-Baixe esta aula em file.MP3
3-A sabedoria de Deus está presente em tudo, e não há nada que ele faça mais ou menos sábio, pois ele é a própria sabedoria. Ela tanto está presente na Criação, na Escritura, como na redenção através da obra do nosso Senhor Jesus Cristo. Por isso, optei em postar uma foto que simbolizasse um entre todos os atos sábios divinos, a crucificação e morte na cruz do nosso Redentor. 

quinta-feira, 12 de abril de 2012

Estudo sobre a Confissão de Fé Batista de 1689 - Aula 23: O conhecimento e a presciência de Deus



Por Jorge Fernandes Isah


INTRODUÇÃO
Atributos comunicáveis são os atributos divinos que podemos encontrar, ainda que em graus muito menores, em nossa personalidade. Como está escrito no livro de Gênesis, Deus nos fez à sua imagem e semelhança, de forma que nos deu algumas características de sua pessoalidade, não no sentido de serem idênticas às nossas mas de, através delas, nos identificarmos com o ser pessoal que ele é. Vemos em nós, ainda que por sombras, aquilo que ele é; ainda que diferentemente de nós ele seja santo, perfeito e eterno. Por isso falamos dos atributos comunicáveis como aqueles que definem Deus como o ser pessoal. Entendo, contudo, que é difícil, e mesmo impossível, distingui-lo em sua pessoalidade, como se fosse possível ele ser parcialmente pessoal ou parcialmente impessoal em seus atributos. Deus, na verdade, é pessoal em todo o seu ser, em todos os seus atributos, mesmo nos que não são considerados comunicáveis. Afirmar que esse ou aquele atributo é mais pessoal do que outro parece-me uma distorção, como se pudêssemos fragmentá-lo ou dividi-lo no que não pode ser fragmentado ou dividido. Esta divisão serve para entender melhor aquilo que é por demais grandioso, maravilhoso e inescrutável ao homem: a divindade em todos os seus aspectos eternos, infinitos e imutáveis.

Quando consideramos o que definiu-se por "comunicáveis", não podemos esquecer de que eles também são, em sua perfeita unidade, "incomunicáveis", no sentido de serem infinitos, eternos e imutáveis como é todo o ser de Deus. De sorte que, falar em pessoalidade de alguns atributos poderá induzir ao erro de se considerar outros como impessoais; mas sendo o ser de Deus completamente perfeito, essa distinção faz-se desnecessária e, até mesmo, inadequada.

Ainda que se diga que os atributos incomunicáveis apenas assinalam ou evidenciam o ser absoluto de Deus, enquanto os comunicáveis o ser pessoal, fica-nos claro que isso é algo impossível do ponto de vista da unidade e exclusividade divina, a qual não pode ser dividida nem mesmo para efeitos meramente didáticos.

Não estou dizendo que certas classificações não sejam de providencial e prudente ajuda no entendimento e compreensão do ser divino; não é isso. Mas que a ideia de pessoalidade em alguns atributos pode ser mais danosa para esse entendimento do que auxiliadora. Por mais que se não queira, é inevitável, por nossa limitação e imperfeição, uma certa "dissecação" do ser absoluto e supremo; porém, em alguns aspectos ela não traz nenhum dano à compreensão, mas aqui, penso, ela pode ocasionar sérios desvios e distorções levando mesmo à incompreensão.

Sendo ele absoluto, o causador de todas as coisas e pelas quais deu-lhes a existência, Deus se relaciona pessoalmente com a Criação, ou melhor, com suas criaturas. Porém, não devemos esquecer de que Deus é um ser pessoal em si mesmo, onde subsistem três pessoas, que se interrelacionam eternamente, mesmo havendo o carater de subordinação entre elas, sem que haja desigualdade, mas uma igualdade perfeita e santa. Qualquer tentativa de se definir Deus, portanto, como um ser impessoal é, em si mesma, falsa; ainda que não houvesse nada criado, pois nele mesmo encontramos a personalidade perfeita da qual somos meros reflexos imperfeitos e finitos. O que nos leva novamente a questionar qualquer tentativa de entender a pessoalidade divina a partir do homem e suas relações. Elas nos auxiliam como elementos díspares, quase em oposição ao que Deus é, ainda que haja resíduos divinos nos seres criados; mas devemos ter a consciência de que o nosso carater e relacionamentos estão anos-luz de qualquer semelhança ao carater e pessoalidade divinas. A referência ao homem como um ser pessoal deve-nos levar a reconhecer que, como criaturas finitas e limitadas, criados pelo Deus absoluto, temos que ele é também pessoal, mas de uma pessoalidade superior, infinita e perfeita, ao contrário de nós.

Nada disso seria possível se Deus não se quisesse revelar ao homem como o ser pessoal, e, para tanto, temos como base e testemunho a Escritura Sagrada, na qual lemos, desde o início, Deus se relacionando com as suas criaturas. E, nela, encontramos a melhor definição sobre o ser de Deus: ele é Espirito; a quem ninguém pode ou poderá ver, mas, em sua misericórdia e bondade, aprouve a ele nos dar a conhecer pelo seu Filho Amado, o qual poderemos olhar, tocar, abraçar, pois é o Verbo encarnado, a segunda pessoa da Triunidade Santa, e que é a perfeita imagem divina. A ele, Deus eterno e Todo-Poderoso, mas também Todo-Amoroso para com o seu povo, honra e glória eternas!

O fato de Deus estabelecer princípios morais e de obediência nos leva a reconhecer nele a suprema pessoalidade, na qual somos guiados a, voltando-nos para ele, buscar sermos como ele é. Por isso há inúmeras exortações quanto à santidade: sede santo como é santo o vosso Pai. Somos exortados e orientados pelo próprio Senhor a sermos pessoalmente como ele é. Claro que a referência não é a sermos como Deus, em sua unidade e intereza, mas a sermos integralmente santos, retos e justos como ele é. O carater santo, reto e justo, no qual devemos almejar, mostra-nos que somente assim é-se possível relacionar-se com o Criador e compreender essa "faceta" maravilhosa da sua pessoalidade, ainda que o termo "pessoa" não seja aplicado na Bíblia a Deus. Contudo a ideia de o ser pessoal é verdadeira, sendo explicitada na criação do homem, mas, especialmente, na salvação providenciada pelo próprio Deus, realizada na expiação do Filho eterno, Jesus Cristo, que propiciou aos eleitos relacionarem-se definitivamente com Deus, revelando-o através de si, como a imagem fiel e perfeita, de forma que pudéssemos conhecê-lo e termos nossos caracteres moldados à sua semelhança. E aquilo que é pessoal somente em Deus, santidade e justiça plenas, também o será em nós, por sua obra realizada [mas, para nós, está em processo de realização].


ATRIBUTOS INTELECTUAIS DE DEUS

1) O Conhecimento de Deus
Pode-se defini-lo como sendo a perfeição de Deus pela qual ele conhece a si mesmo e todas as coisas num único ato eterno e simples. Com isso se quer dizer que o conhecimento divino é abrangente, exaustivo, infinito e simultâneo, de maneira que nada lhe escapa, nem se lhe apresenta progressivamente, e de que o seu conhecimento vai além das coisas criadas. Sabiamente o salmista diz: "Grande é o nosso Senhor, e de grande poder; o seu entendimento é infinito" [Sl 147.5]. O profeta também diz: "Ai dos querem esconder profundamente o seu propósito do Senhor, e fazem as suas obras às escuras, e dizem: Quem nos vê? E quem nos conhece?" [Is 29.15], e, ainda: "Não sabes, não ouviste que o eterno Deus, o Senhor, o Criador dos fins da terra, nem se cansa nem se fatiga? É inescrutável o seu entendimento" [Is 40.28].

Diferentemente de nós que temos o conhecimento limitado e parcial ao que vemos, tocamos, podemos mensurar ou verificar, Deus tem o conhecimento exaustivo e infalível de tudo [onisciência]. Muito antes do mundo vir a existir, Deus já o conhecia. Muito antes de sermos criados, ele também já nos conhecia. Todos os fatos, em seus mínimos detalhes, não lhe escapam, pois foi pela sua vontade que eles vieram a existir. E a vontade divina não está presa a nada nem ninguém. Não podemos dizer que Deus age conforme o curso das coisas se desenrolam, à medida em que acontecem, para então definir o passo seguinte. Não. Deus preordenou tudo o que acontece, por sua livre vontade, a qual produz o seu conhecimento. Não numa sequência como a descrita, primeiro a vontade, depois o conhecimento, isso é fruto da limitação humana que, presa ao tempo, não consegue orientar-se fora dele. Deus tem vontade e conhecimento simultâneos, jamais progressivamente, pois ele vê as coisas de uma vez em sua totalidade, ainda que o próprio conceito de simultaneidade esteja atrelado à ideia do tempo, a qual é exterior ao ser de divino, não exercendo nenhuma influência sobre ele.

Deus conhece a si mesmo, o que se chama de "conhecimento simples". É o conhecimento que Deus tem de si sem fazer nenhum esforço para se conhecer. É o conhecimento próprio, inerente, e não se desdobra em conhecimento progressivo. Deus sempre se conheceu completamente, sem a necessidade de, como o homem, conhecer-se progressivamente, através da observação e do aprendizado de si mesmo e dos seus semelhantes; um conhecimento adquirido, empírico. O homem é, em muitas fases da vida, ignorante de si. É possível que passados anos e anos ele não tenha o conhecimento de si, pois sempre os terá incompletos, e, muitas vezes, incompreensíveis [por conta da finitude humana, mas também do pecado que afetou a nossa mente, corrompendo-a]. Ainda assim, o que conhecemos de nós somente é possível pelo favor divino, de nos dar o seu Espírito, "para que conheçamos o que por Deus nos foi dado gratuitamente" [1Co 2.12]. Quanto a Deus, ele não ignora nada do seu ser e natureza, de forma que sabe tudo a seu respeito, pois, assim como Deus é eterno, o seu conhecimento também é, sendo completamente imune à ignorância. Deus não aprende nem adquire conhecimento; ele tem todo o conhecimento, pois ele depende apenas de si, e tão somente de si, e não das coisas criadas, para saber como elas são, muito antes de serem. Ele anuncia o fim desde o princípio [Is 46.10], e lhe são conhecidas, desde o princípio do mundo, todas as suas obras [At. 15.18], e, então, temos a afirmação bíblica de que o conhecimento divino é eterno.

Deus sabe tudo sobre tudo, ele tem o conhecimento perfeito e completo de todas as coisas. Ele conhece todos os eventos, passados, presentes e futuros, bem como o que se passa no coração do homem, seus propósitos e atos. Nada escapa aos olhos de Deus, nem algum lugar pode estar escondido dele. É o que o salmista diz: "Senhor, tu me sondaste, e me conheces. Tu sabes o meu assentar e o meu levantar; de longe entendes o meu pensamento... Para onde me irei do teu espírito, ou para onde fugirei da tua face? Se subir ao céu, lá tu estás, se fizer no inferno a minha cama, eis que tu li estás também" [Sl 139.1, 7-8]. Nada, nem mesmo os pensamentos mais insignificantes podem ser ocultados de Deus. Tudo se apresenta diante dele, o que é e o que há de ser, mas também o que foi e o que não. É o que o apóstolo nos diz: "E não há criatura que não seja manifesta na sua presença; pelo contrário, todas as coisas estão descobertas e patentes aos olhos daquele a quem temos de prestar contas" [Hb 4.13]. Ora, se Deus conhece a si mesmo que é infinito, como não poderia conhecer o que é finito? 

2) PRESCIÊNCIA DIVINA
A presciência divina não é apenas uma antevisão, adivinhação ou simplesmente "ver o futuro". Deus não é um mero espectador como quando nos posicionamos diante de uma tela, passivamente, a ver um filme. Deus conhece o futuro, assim como conheceu o passado e conhece o presente, porque para ele o tempo está sempre diante de si. Vejamos o exemplo de um rolo de filme [já que as trilhas dos dvds não são visíveis aos olhos humanos]: o filme se compõe de quadros que rodados a certa velocidade dá-nos a imagem correta do evento que ocorreu. Podemos ver um quadro e ali uma cena. Mas aquele quadro não poderá nos revelar todo o desenrolar da película. O filme será sempre uma apreensão do passado, de algo que já aconteceu [mesmo um filme futurista será passado diante do espectador]. Os quadros, individualmente, não representam o filme. À medida que eles se sucedem, compreendemos o que ocorreu. Se pularmos diretamente para o final, na maioria das vezes não compreenderemos o seu desenrolar. Se apenas iniciássemos-lo, não saberíamos do que se trata. Deus não vê dessa forma. Fazendo uma analogia, ele seria uma espécie de diretor que, antes mesmo de iniciar a gravação do filme, já conhece todo o seu enredo. O fato é que muitos diretores não são os autores do texto, e é comum que os diretores interfiram no curso da história à medida em que o filme é produzido. No caso de Deus, ele é o autor do enredo e aquele que propicia, infalivelmente, que o enredo aconteça sem modificações. Ele elaborou e executou todo o projeto, do seu início ao seu final, sem alterações ou ajustes. Por causa da sua imutabilidade e todo-poder, muito antes do mundo vir à existência, Deus já o conhecia como ele é.

O significado disso é que os defensores da “scientia media” estão enganados, e defendem uma base que não é bíblica. Originariamente criada por teólogos jesuítas, e posteriormente adotada pelos luteranos e remonstrantes [arminianos], eles defendem que Deus elegeu e escolheu pessoas a partir do conhecimento de que elas, no futuro, teriam fé e se arrependeriam, vindo a serem salvas. Mas, pergunto: como pode o Deus perfeito, sábio e imutável deixar-se conduzir por aquilo que suas criaturas fazem ou deixam de fazer? Se Deus age segundo a vontade de suas criaturas, temos que ele não tem sua vontade livre, e a tem “presa” à das suas criaturas. A tentativa dos adeptos da “scientia media” é harmonizar a doutrina da predestinação e eleição divinas [leia-se, soberania de Deus] com a do livre-arbítrio humana [leia-se, soberania humana]. Mas fato é que a Bíblia nos revela a vontade e poder soberanos de Deus e, em nenhum momento, revela que o homem tenha uma escolha livre, indiferente ou arbitrária, capaz de leva-lo tanto a escolher uma como outra proposição contrária. Se atentarmos que causas internas [a natureza caída, por exemplo] e externas nos levam a tomar certas decisões, temos que o homem não possuí o livre-arbítrio ou a liberdade da indiferença, pois ela somente pode acontecer em um ambiente de completa neutralidade interna e externa, o que é impossível.

O erro está em se considerar como necessário para a responsabilidade humana que ele seja livre, mas a questão do sentido de liberdade, se para isso será obrigatório que as decisões humanas sejam indeterminadas, nos levaria a descrer e colocar em dúvida a onisciência divina, pois mesmo Deus, seria incapaz de saber eventos que não sejam claramente determinados. Não haveria, por exemplo, a certeza de que as profecias se realizariam. Então, temos duas proposições lógicas que se contradizem, e tentar harmonizá-las implicará no absurdo da ilogicidade. Afirmar que Deus elegeu homens para a salvação por conta daquilo que eles viriam a fazer, ou seja, por seus próprios esforços e méritos, é enganoso e anti-bíblico. Sabemos que o homem somente pode vir a Deus se ele quiser. Não é algo que se possa querer antes de Deus operar a regeneração e tirar-lhe a venda dos olhos. Deus é quem os abre, levando-os à luz do Evangelho de Cristo, e, então, somente então, eles têm a fé suficiente para o arrependimento. 

Arthur Pink diz que o termo presciência não é simplesmente um mero pré-conhecimento de eventos futuros. Ele liga o termo ao fato de que Deus não tem, primeiramente, presciência de eventos contingentes, para depois eleger as pessoas, mas ele tem o pré-conhecimento de pessoas, antes de tudo. Em todas as passagens do Novo Testamento onde o termo é encontrado não há referência alguma a atos humanos, mas a homens. A presciência divina não se refere a ações; e a predestinação e eleição não são consequências da presciência, não são causadas por ela, mas esta decorre daquelas. Nas passagens a ordem é muito clara: Deus prevê que os que predestinou e elegeu ouvirão infalivelmente o Evangelho e se converterão. Não estudarei uma a uma dessas passagens, mas as citarei para que se possa analisá-las e confirmar a assertiva de Pink; são elas: Atos 2.23; Rm 8.29-30 conforme Rm 11.2 e 1Pe 1.2. A ordem correta dos eventos na Escritura é fundamental para que se não retire a glória de Deus na salvação do homem, colocando-a indevidamente no próprio homem. Quando este é quem determina a predestinação e eleição divinas, passa-se a ter uma salvação meritória, por haver no homem alguma coisa boa, seja prevista ou concretizada, que levará Deus a se compadecer e lançar sobre ele a sua graça e misericórdia. Mas quando entendemos corretamente a obra de redenção, reconhecemos que ela é completamente divina, de forma que seremos conformados à imagem de Cristo, à qual fomos chamados segundo o propósito de Deus [Rm 8.28-29]. Deus tem um propósito, de que sejamos a imagem do seu Filho; ele não nos elegeu porque anteviu que seríamos conformes, mas porque nos elegeu é que vislumbrou que o seríamos. Deus decretou primeiro, e sua presciência baseia-se no seu decreto, de forma que, seremos conformados a Cristo porque esse é o propósito divino. 

Resumindo: Deus não previu determinado evento e decidiu tirar dele o máximo possível. Ele ordenou que tais eventos realizassem e, assim, a sua vontade livre e soberana se realizasse na história. Por isso Deus não viu algo que aconteceria e ordenou que acontecesse, mas ele ordenou e ela aconteceu infalivemente, sem chance de não acontecer. E a presciência nada mais é do que a "visão futura" [ainda que o futuro não exista para Deus] daquilo que Deus ordenou, como coisa realizada, líquida e certa.

Notas: 1) Aula realizada na E.B.D. do Tabernáculo Batista Bíblico em 18.03.2012;
2) Baixe o áudio desta aula em file.MP3
3) O esquema da foto acima foi retirado do site da Universidade Metodista de São Paulo, e me pareceu adequado para resumir como se dá o conhecimento de Deus a partir da visão humana. O conhecimento divino, em si mesmo, é "indemonstrável", pois é infinito, eterno e perfeito. Nenhuma representação é possível, então, optei em representar a forma de como ele estabeleceu que o homem poderia conhecê-lo. Parece-me um esquema equilibrado [ainda que metodista], em que a Bíblia é o centro desse conhecimento, e, somente a partir dela, ele é possível, mas se trata de uma imagem, e nada além disso. Aceitarei críticas ao esquema, caso haja.

quarta-feira, 4 de abril de 2012

Estudo sobre a Confissão de Fé Batista de 1689 - Aula 22: A unidade de Deus



Por Jorge Fernandes Isah




INTRODUÇÃO
O que é unidade? Ela é a característica ou qualidade daquilo que é uno, único, indivisível, o qual não se pode separar. Em relação a Deus, este atributo quer-nos dizer duas coisas: 

1- De que Deus é único, não pode ser dividido, pois ele não é constituído por partes, mas o ser integral, coeso, completo, absoluto. Com isso se quer dizer que não há nele nenhum aspecto que se sobressaia sobre outro aspecto, nenhum atributo que se sobressaia sobre outro atributo; que em seu caráter não há nada mais ou menos importante, como se houvesse graus de relevância em seu ser. 

2- De que Deus é exclusivo, de forma que ele é incomparável, excepcional, não havendo outro igual a ele; sendo superior a todos os outros seres, não existindo algo com o qual se possa compará-lo. 

Leiamos Dt 6.4 e 10.14: “Ouve, Israel, o Senhor nosso Deus é o único Senhor”, e: “Eis que os céus e os céus dos céus são do Senhor teu Deus, a terra e tudo o que nela há”.

Temos aqui o resumo do que seja a unidade divina, de que há somente um Deus, e de que ele é o único Senhor. De forma que a ideia politeísta de que há outros deuses é lançada por terra. 

Também é desmentida a ideia de que Deus não é Senhor; no sentido de que ele não exerce seu senhorio sobre a criação, sejam anjos, demônios, homens, o universo, céu e inferno, terra e ar. Especialmente aqueles cristão que defendem a falsa doutrina do não-senhorio de Cristo, encontram-se em maus lençóis diante dessa categórica assertiva bíblica, pois Deus é Senhor de tudo e de todos, sem exceção. 

Veja bem, aqui também temos a ideia ateísta desmoronando-se, pois esse trecho nos revela que Deus existe, e de que ele é o Senhor de todas as coisas, não somente dos crentes, mas de tudo o que há e veio à existência pelo seu poder e vontade. Somente o ser infinitamente perfeito, imutável e santo pode ser uno. Os homens, em contrapartida são constituídos por partes. Temos corpo e alma, mas Deus é Espírito, um só Espírito [Jo 4.24]. 

Com isso não estou defendendo a doutrina unitarista, a qual afirma não haver três pessoas, mas apenas uma pessoa que se manifesta em três maneiras ou formas diferentes. Então, é impossível falar em unidade divina sem se tocar na questão da Trindade [lat trinitate, quer dizer, simplesmente, "três"]. Este termo não está na Bíblia, mas foi escolhido para designar a pluralidade que há em Deus, contudo, ele gera confusão pois remete o ouvinte à ideia de que o Cristianismo é a cosmovisão que acredita haver três deuses, o que é chamado pelos nossos oponentes de triteísmo. Por isso a melhor expressão para definir a unidade divina subsistindo em três pessoas é Tri-unidade, o qual passarei a utilizar. 

O atributo da unidade nos remete à eternidade divina, no sentido de que as pessoas da Triunidade não estavam separadas e se uniram, mas de que Deus sempre foi e é único, a unidade perfeita, um só Deus, mas três pessoas em unicidade. E isso nos afasta do conceito politeísta, ou mesmo a errônea ideia de que a Trindade pode ser comparada com o triteísmo, porque a Bíblia nos ensina o monoteísmo; igualmente, ela não nos ensina também a unicidade, mas de que há três pessoas que não se confundem; porém, isto será objeto de nosso estudo sobre a Tri-unidade Divina, nas próximas aulas, tão logo terminemos o estudo sobre os atributos de Deus. 

O erro está em supor que Deus é um, mas tem apenas uma personalidade. A unidade divina está expressa no fato de que todas as pessoas da Tri-unidade têm a mesma essência, a mesma natureza, mas não quer dizer que elas possuem uma única personalidade. Por isso, na história do Cristianismo, definiu-se que há um só Deus [Deuteronômio 4:35, 6:4, 10:14, Salmo 96:5, 97:9, Isaías 43:10, 44:6-8, 44:24, 45:5-6, 45:21-23, 46:9, 48:11-12, João 17:3, 1 Timóteo 2:5, Apocalipse 1:8, (Oséias 13:4)], no qual subsistem três pessoas: o Pai, o Filho e o Espírito Santo [Mateus 3:16-17, 11:27, 17:1-9, 27:46, João 1:18, 14:16-17. A pré-existência do Filho: Cl 1:13-17, Hb 1:2-3, Jo 1:1], e de que há plena igualdade entre elas .Elas são idênticas em sua natureza e essência, mas distinguidas por características particulares que não são possuídas em comum pelas demais. De forma que o Pai não é o Filho, nem o Filho o Espírito Santo, nem o Espírito o Pai; havendo distinções pessoais dentro da essência divina. Assim sendo, há uma pluralidade em Deus, sem se perder a sua unidade. É o que o Credo de Atanásio diz: “Mas a fé universal é esta, que adoremos um único Deus em Trindade, e a Trindade em unidade. Não confundindo as pessoas, nem dividindo a substância". Cada uma destas verdades é parte daquilo que Deus nos quis revelar de si mesmo, e qualquer doutrina que não se baseie nelas é heresia, fraude e engano.

A UNIDADE DE DEUS COM A IGREJA
Sabemos que Deus é um em unidade, mas também sabemos que ele é um com o seu povo. A partir da união entre o Pai, o Filho e o Espírito Santo podemos experimentar e viver essa mesma união. É claro que como seres finitos, imperfeitos e pecadores necessitamos desesperadamente da graça e misericórdia divinas para que, limpos do pecado pelo sacrifício do Filho na cruz, sejamos reconciliados com Deus, e assim possamos viver em unidade com ele. 

Este é um ponto que deve ser analisado por dois aspectos:

Primeiro, de que a nossa união com Deus, através de Cristo, se deu antes da fundação do mundo, e por ele mesmo foi concebida e realizada. Não há como, por nós mesmos, nos unir a Deus; foi preciso que ele providenciasse a nossa redenção para que pudéssemos nos unir a ele. Então, como promessa divina, como desejo divino, sem a menor chance de não se realizar, já estamos unidos com Deus eternamente.

Segundo, visto o homem estar preso ao tempo e espaço, e o projeto divino se realiza sucessivamente no decorrer da história, para nós, essa união pode ser sentida, mas não vivenciada constantemente. O pecado, que se manifesta ainda no salvo, é um dos obstáculos para que essa união se concretize definitivamente. Com isso estou a dizer que, para Deus, já estamos unidos a ele, pela obra consumada de Cristo, mesmo antes dele consumá-la no tempo, pois ela é eterna, e a eternidade não é um futuro para Deus, mas um “presente” sempre constante diante dos seus olhos. Segundo o olhar divino, já estamos unidos a ele. Sob a nossa perspectiva imperfeita e limitada, ainda não. Ou seja, estamos incapacitados de reconhecer essa união permanentemente. A carne, em constante luta contra o espírito, obscura-nos os olhos, para que não vejamos a realidade da nossa união com Deus. Mas ela é uma realidade bíblica, senão, vejamos: 

“E não rogo somente por estes, mas também por aqueles que pela tua palavra hão de crer em mim; Para que todos sejam um, como tu, ó Pai, o és em mim, e eu em ti; que também eles sejam um em nós, para que o mundo creia que tu me enviaste. E eu dei-lhes a glória que a mim me deste, para que sejam um, como nós somos um. Eu neles, e tu em mim, para que eles sejam perfeitos em unidade, e para que o mundo conheça que tu me enviaste a mim, e que os tens amado a eles como me tens amado a mim” [Jo 17.20-23]. 

Nesta oração do Senhor Jesus, ele pede ao Pai que sejamos, nós, todos os cristãos, em todos os tempos, um com Deus, assim como o Pai é um com o Filho. É claro que o Senhor não está dizendo que seremos “deuses”, nem de que participamos da mesma natureza de Deus. Não é nada disso. Ele está dizendo que estamos unidos a ele porque o seu santo Espírito habita em nós, de forma que Deus é um conosco. Ora, se Deus é indivisível, imutável e infinito, como vimos no estudo da infinidade e imutabilidade divinas, temos que, de uma forma maravilhosa e indescritível, o ser completo de Deus está em cada um de nós, e, assim, estamos completamente unidos a ele. Esta união se dá pelo seu amor, como alvos que somos, e pelo qual ele se manifesta. É algo que se dá pelo poder e vontade de Deus, e da qual não temos nenhum controle ou domínio, apenas recebendo-o como dádiva e bênção para as nossas vidas; um prêmio que não merecemos e jamais mereceríamos. 

Outro ponto que a unidade de Deus nos remete é às suas promessas, assim como as suas promessas nos remetem à unidade divina, de que elas estão em conformidade, em harmonia, unidas em um único propósito de cumprirem a sua vontade; tanto a vontade como as promessas são indissolúveis, indissociáveis, e se realizarão infalivelmente, revelando-nos o Deus único em seus atributos, vontade e obra. 

CONCLUSÃO
A unidade de Deus nos revela que ele é um, único, em sua natureza e substância, sem que a sua pluralidade de personalidades o transforme em um ser composto. Deus é um, subsistindo em três pessoas: o Pai, o Filho e o Espírito Santo, que não se confundem entre si, mas que numericamente são um Deus. Isso, jamais, poderá nos levar à ideia politeísta de que há um triteísmo no Cristianismo. O Cristianismo é monoteísta, pois não afirma haver deuses, mas somente um Deus.

Assim como Deus é um, e suas pessoas não podem ser separadas, ele também é um com a igreja. O fato de sermos o templo do Espírito Santo, e de o corpo de Cristo, nos revela que já somos um com Deus. Para ele, essa é uma realidade eterna, que nunca deixou de ser ou existir. Para nós, que estamos na carne e lutamos contra o pecado, pode ser como uma ladeira: ora subimos e sentimos que estamos em unidade com Deus, ora descemos e sentimos também que não estamos. A nossa limitação nos impede de viver permanentemente essa realidade, o que acontecerá definitivamente naquele dia em que estivermos diante de Deus, quando não mais haverá o pecado e, portanto, nenhuma venda a ocultá-la dos nossos olhos. 

Por último, esse maravilhoso atributo divino nos dá a garantia de que as suas promessas se realizarão, pois Deus é um consigo mesmo, e sua vontade e ação também são únicas, infalíveis e irredutíveis.


Notas: 1-Aula realizada na E.B.D. do Tabernáculo Batista Bíblico em 11.03.2012;
2-Baixe esta aula em file.MP3