Por Jorge Fernandes
A igreja pode mudar o mundo? Não sei se é possível, na verdade, não creio possível, pois não vejo respaldo bíblico para a afirmação de que a igreja transformará o mundo. Em especial porque, ao contrário, ela vem sendo excessivamente influenciada por ele. De certa forma, as trevas têm ganhado batalhas (não me entendam mal, as trevas jamais vencerão a luz), mas sabemos que a vitória na guerra é de Cristo, e nossa, por Cristo.
Se há algo que podemos fazer é proteger a igreja das sugestões malignas, voltar ao Evangelho, ser novamente luz e sal no mundo. Para que isso aconteça é necessário que se abandone as experiências místicas e sensitivas, a adoração superficial, e a convicção errada de que, qualquer coisa, desde que tenha uma cruz, é cristianismo; de que, qualquer um, desde que seja batizado, é cristão. Enquanto insistir-se em lutar contra o mundo, com as armas do mundo, ele sempre vencerá, ainda que nos dê, em um ou outro round, a falsa idéia de que jogará a toalha, de que está próximo de ser derrotado (entenda que, eternamente, satanás e o mal estão derrotados, mas para nós, a vitoria aconteceu no tempo, e compreenderemos a sua plenitude no Dia do Senhor). Ao usar o armamento alheio, revelamos que as armas celestiais não são as melhores, e acabamos por nos conformar aos métodos e práticas as quais queremos vencer.
Quem pode derrotá-lo? Cristo já o fez na cruz do Calvário, e ao ressuscitar no terceiro dia. Então, se Ele é o nosso general, por que temos de ouvir o inimigo irremediavelmente derrotado? Basicamente porque se abandonou a doutrina e o modo de vida cristão. Não em relação aos dogmas denominacionais de batistas, presbiterianos, assembleianos, mas a essência do Evangelho, a revelação divina nas Escrituras Sagradas, e o entendimento daquilo que Deus nos revelou como a Sua vontade.
ENSINO DA IGREJA
Li recentemente um artigo em que o irmão opunha-se ao ensino pela igreja, no sentido de que esse não é o papel da igreja. É claro que a igreja não ensina, e sim os membros que são qualificados pelo Espírito Santo e designados por ela para tal. Senão, porque Paulo escreveria: “Ora, vós sois o corpo de Cristo, e seus membros em particular. E a uns pôs Deus na igreja, primeiramente apóstolos, em segundo lugar profetas, em terceiro doutores, depois milagres, depois dons de curar, socorros, governos, variedades de línguas” (1Co 12.27-28 – este e outros grifos são meus). Se a igreja não ensinar as doutrinas bíblicas, como o corpo terá unidade? E para que haveria doutores? “Se todo o corpo fosse olho, onde estaria o ouvido? Se todo fosse ouvido, onde estaria o olfato? Mas agora Deus colocou os membros no corpo, cada um deles como quis. E, se todos fossem um só membro, onde estaria o corpo?” (1Co 12.17-19). Fico a perguntar se a igreja a qual esse irmão é membro não tem nenhuma doutrina, nem é ensinada a verdade aos neófitos. Pelo que entendi, apenas o Espírito Santo pode ensinar, doutrinar o eleito, e Deus usará a Bíblia como única fonte de ensino. Porém, da mesma forma que foi dado dons diferente aos membros da igreja, todos poderão aprender por si só? E no caso daqueles que são analfabetos? À época da igreja primitiva, e até pouco tempo, uma minoria era capaz de ler. Nesse caso, a palavra foi-lhes lida e pregada, mas será que todos têm a capacidade de entender? E a quem não tem o Espírito (o incrédulo, p. ex.) como chegará ao conhecimento da verdade? Não será por pregação, pelo ensino? Filipe, que não era apóstolo (o irmão diz que o ensino era uma prerrogativa apostólica) ao ser levado ao deserto pelo Espírito não ensinou ao Eunuco? (At. 8.26-39). Mas alguém poderá dizer: “Bem, você faz a defesa do ensino para o incrédulo, que ainda não é parte da igreja, nesse caso, está certo. Mas aos membros do corpo, apenas o Espírito pode ensinar”. Porém a ordem do Senhor é clara: “Fazei discípulos de todas as nações, batizando-os em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo; ensinando-os a guardar todas as coisas que eu vos tenho mandado” (Mt 28.19-20).
Isso é preservar a doutrina de Cristo, a qual se dará pelo ensino dos eleitos aos eleitos. Ou Paulo, em suas cartas, faz o quê? Ele não ensina, exorta, orienta? Mas o irmão poderia dizer: “Esse é o ensino dos apóstolos, ninguém mais pode fazê-lo”, mas os apóstolos não são membros do corpo? E eles não ensinaram a outros crentes que ensinaram a outros crentes e, assim, “o que é instruído na palavra reparta de todos os seus bens com aquele que o instrui” (Gl 6.6)? Aqui a instrução é prerrogativa humana, e não do Espírito Santo, o qual capacita tanto o instrutor quanto o instruído ao entendimento, de tal forma que o instrutor será recompensado pelo instruído (o que muitos considerarão uma ofensa: a recompensa pecuniária para ensinar), logo, essa instrução não pode ser pelo Espírito, pois, o que poderíamos dar-LHE? (a alusão a bens é claramente material, e mesmo que não fosse, a obediência, o serviço, a adoração e devoção a Deus não são nenhuma forma de "paga" pelo que Ele nos dá).
O mesmo Paulo se qualifica como “doutor dos gentios na fé e na verdade” (1Tm 2.7); exorta Timóteo a que mande “estas coisas e ensina-as” (1Tm 4.11); de que “se alguém ensina alguma outra doutrina, e se não conforma com as sãs palavras de nosso Senhor Jesus Cristo, e com a doutrina que é segundo a piedade, é soberbo, e nada sabe, mas delira acerca de questões e contendas de palavras” (1Tm 6.3-4); “ao servo do Senhor não convém contender, mas sim, ser manso para com todos, apto para ensinar, sofredor; instruindo com mansidão os que resistem, a ver se porventura Deus lhes dará arrependimento para conhecerem a verdade” (2Tm 2.24-25) ; “Tu, porém, permanece naquilo que aprendeste, e de que foste inteirado, sabendo de quem o tens aprendido” (2Tm 3.14).
Não há nenhuma referência ao ensino sobrenatural do Espírito, mas ao ensino humano, segundo o poder divino de capacitar, operar e confirmar a Palavra no coração eleito, revelando-lhe a Sua vontade.
Portanto, a igreja, não como entidade institucional (Vaticano, Concílios, Dioceses, etc), é responsável por aquilo que Cristo lhe deu: o Evangelho, mantendo-o na pureza em que Ele o proclamou, na santidade da revelação escriturística. E isso é realizado através de cada um dos membros do corpo, sob a supervisão e autoridade do Espírito Santo, mas também da igreja, a qual é inspirada por Ele.
VOLTA AO EVANGELHO
Sem a proclamação da doutrina bíblica, como será possível influenciar o mundo?* Sem que os membros sejam ensinados à obediência escriturística, negligenciando-a, haverá vida cristã? Enquanto os alicerces, os fundamentos da doutrina, não estiverem arraigados na igreja (verdades como a Trindade Santa, a Queda, a Depravação Humana, a Expiação Vicária de Cristo, o Arrependimento e a Regeneração do incrédulo, a Santificação... doutrinas que já são realidade na vida do eleito, e não uma promessa futura), está-se a proclamar qualquer outra coisa menos o Evangelho.
É indispensável e urgente voltar-se à pregação expositiva, à prática cristã do estudo bíblico individual e nos lares, à Escola Dominical, para que sejamos instruídos na verdade revelada, capacitados a entendê-la, praticá-la e ensiná-la aos novos e velhos crentes, não a confundindo com a falsa doutrina e o antievangelho. Sem nos esquecer da oração diária e a intercessão por todos, crentes ou não.
O reflexo será o despertar da consciência em Deus, da redenção em Cristo, das promessas que nos aguardam na eternidade, mas, também, uma vida terrena que testemunhe o amor e a graça divinas, através de atitudes que traduzam ao mundo como é a mente de Cristo: fazendo o bem, perdoando as ofensas, confortando os aflitos, suprindo as necessidades do próximo (material e espiritual), não nos conformando com o mundo e a nossa vontade, mas resignados à vontade santa e soberana de Deus.
Assim é que demonstraremos o interesse verdadeiro pelas pessoas e a obediência sincera a Deus. Como diz o ditado: "Palavras são palavras, nada mais que palavras", e se não são acompanhadas por atitude e comportamento que as corroborem, continuarão sendo palavras; ao que o apóstolo exorta-nos: “Meus filhinhos, não amemos de palavra, nem de língua, mas por obra e em verdade” (1Jo 3.18).
Cristo proclamou o Evangelho, ensinou-o, dando-nos o exemplo de como viver santa, justa e perfeitamente segundo a Sua palavra. Não há meio termo, nem muro, no qual haja neutralidade e se possa subir. Então, onde você está? Em Cristo? No mundo? Se sim, não. Se não, sim. Pois o Senhor é quem definirá: onde Ele estiver, ali o eleito estará.
* Como disse, não me iludo na transformação do mundo secular em cristão, mas piamente acredito que a Igreja influencia-lo-á, tirando das trevas aqueles que Deus predestinou eternamente à luz.