Por Jorge Fernandes
Por que as pessoas querem excluir da natureza divina a ira e a justiça? Por que os textos bíblicos onde esses atributos são manifestados encontram-se reclusos, como se não fizessem parte do Evangelho e fosse proibido exibi-los? Por que limitar Deus àquilo que mais agrada o coração do homem, de forma que lhe traga um falso consolo? Por que Cristo é muitas vezes estigmatizado como se fosse um molenga, não-viril, um “maria-vai-com-as-outras” que aceita tudo de todos? Por que querem que Ele negue-se a Si mesmo em favor do homem? Por quê? Por quê?... Compartimentá-lO, desagregá-lO de Si mesmo é uma tática maligna de desprezar e rejeitar aquilo que Ele é. Infelizmente, entre os cristãos, não parece haver uma unidade quanto ao verdadeiro Deus, quanto ao entendimento da sua natureza, quanto ao que nos foi revelado na Escritura; e a maioria se sente constrangida quando tem de dar explicação a uma passagem em que Deus pune, disciplina, condena.
É como se tivéssemos arrancado páginas e mais páginas da Bíblia a fim de não sermos incomodados com situações violentas, mas que revelam o poder soberano e justo dEle. Não é essa atitude uma violação à natureza divina? O arrogante desprezo de não reconhecer a superioridade da Sua revelação em detrimento da nossa reles concepção? Acontece que cristãos fracos têm pregado doutrinas fracas em que um deus fraco é incapaz de atitudes soberanas; ao contrário, esses cristãos raquíticos proclamam um evangelho caquético de um deus defeituoso e imperfeito que não ultrapassa a extensão da mente obliterada pelas trevas.
Como Marcião e tantos outros heréticos, os pseudocristãos estão mais preocupados em não se envolverem em dificuldades, em facilitarem o seu trabalho, em adequarem a mensagem do evangelho ao estado servil, ao utilitarismo em que muitos ministérios reduziram a Escritura, como o meio de se atingir os seus objetivos iníquos e fraudulentos. No fundo, é um evangelho covarde e bajulador, seguido por uma turba de tolos e impenitentes que, não ingenuamente, estão preocupados em atender os seus próprios interesses, crendo que a pregação espúria de um falso cristianismo será a sua “taboa de salvação” financeira, emocional e espiritual. São cegos guiando cegos até o precipício mais tenebroso da ignorância, da desfaçatez, da estupidez, e da malícia diabólica. Não há inocentes, são todos culpados dos piores pecados contra Deus, enquanto mantêm bilhões manietados por uma discursividade cativa ao impudor satânico.
O objetivo é um só: glorificar o homem, e usar o nome do Senhor como uma espécie de muleta na qual os seus infames propósitos de poder, glória e riquezas realizar-se-ão. Não há nada de espiritual neles, apenas a carne gritando como louca, seduzindo a si mesma, na manifestação mais doentiamente possível da corrupção, rebeldia e irregeneração mental do homem caído.
Mesmo servos fiéis, mentes brilhantes, teólogos, pastores, missionários e outros trabalhadores dedicados à seara de Cristo, são apanhados na teia maligna de distinguir os atributos divinos em dois grupos: os facilmente detectáveis, e com os quais se tornará menos difícil manter um discurso agradável aos ouvidos impuros (questões como o amor, a bondade e benignidade divinas são reciclados de maneira tão antagônicas à revelação escriturística que se tornam em distorções da Sua natureza), e aqueles com os quais se deve manter distância, quando muito citá-los rapidamente a fim de não serem notados pelo ouvinte, e nem seja necessário dar explicações que denunciarão a inclinação viciosa da pregação. Poder-se-ia chamar de negligência, omissão, se não fosse um estratagema maroto e cínico de se ocultar a verdade.
É por isso que se está a criar uma geração de crentes fracos, incapazes de responder ao mundo a razão da fé cristã. Assim, se limitam a ecoar os ditames seculares da tolerância, da contemporização, quando a sociedade é completamente intolerante e intransigente quanto a Cristo e Sua palavra.
Por isso, eles não aceitam Cristo como a única verdade, como o único caminho, como a única vida. Por isso, não aceitam o Cristo irado, vingador, que julgará e condenará os pecadores impenitentes. Por isso, não aceitam Cristo como único Rei, Senhor e Salvador, porque, desta forma, teriam de se sujeitar ao Seu reinado e senhorio. Por isso, se criou uma imagem de um Cristo subserviente, adocicado, meigo até ao nível da mais pavorosa demência. Por isso, não querem ser confrontados pela Palavra, mas criarem a sua própria interpretação falaciosa, conduzindo-a até aquele cantinho onde o homem jaz morto; onde a última pá de terra é jogada sobre o seu cadáver.
Alguns gnósticos retrataram Cristo assim, como um ser espiritual neutro, inofensivo, abestalhado. Católicos e espíritas descrevem-no quase como se fosse uma donzela indefesa; outros, como um lunático. Há os que O pintam como um homem comum, sujeito às fraquezas e passível de erros. Há os que ainda O vêem como um perigoso potencial, um revolucionário temível. Há os que simplesmente O ignoram, e ainda aqueles que O desdenham. Contudo, Paulo alerta: "Não erreis: Deus não se deixa escarnecer; porque tudo o que o homem semear, isso também ceifará" (Gl 6.7); mas os tolos não ouvem avisos nem os consideram. São rebeldes obstinados, aos quais está destinada a condenação eterna, e, ainda assim, mesmo no inferno, considerar-se-ão certos em sua inútil revolta.
A verdade é que Cristo é o Senhor de todas as coisas, o Deus Vivo em que “habita corporalmente toda a plenitude da divindade” (Cl 2.9); o Senhor dos Exércitos (Sl 84.3), o Guerreiro (Ap 19.13-16) , o Justo (Tg 5.6), o Unigênito Filho Amado de Deus (Jo 1.18), o Criador de todas as coisas sem o qual nada existiria (Jo 1.3), o Salvador (Tt 3.6) e Juiz (At 10.42). Será que estas qualidades anulam o Seu amor, bondade, benignidade, santidade e retidão? NÃO! Todas elas são atributos divinos, e não podem ser repartidas como se possível fosse setorizá-lO. Qualquer tentativa de separar a unidade divina, puxando-a para um lado ou outro, é desqualificá-lO, reduzi-lO a um arremedo daquilo que Ele mesmo revelou-nos. É o pecado supremo de não glorificá-lO; de esquecer, não temer, nem servi-lO como Deus zeloso, cuja ira se acende contra todo o rebelde. Nenhum profeta ou apóstolo teve a audácia e insolência de minimizá-lO, antes foram guiados pelo Espírito Santo na coragem e obediência em descrevê-lO assim como Ele é, assim como se deixou mostrar e quis se revelar.
Como sempre digo, a verdade não precisa ser defendida, mas proclamada (porque anunciar a verdade é a forma de melhor defendê-la do embuste, ao revelar-lhe a artimanha e o seu artificioso ardil). Deus não precisa que o defendamos de supostos ataques humanistas e das investidas diabólicas, mas Ele precisa ser proclamado como a Bíblia O revela: Deus Todo-Poderoso, soberano e Senhor de tudo e todos, não uma bijuteria sobre a mesa da qual nos lembramos apenas quando se vai tirar o pó. De outra forma, como os eleitos serão regenerados e abandonarão as falsas doutrinas? E como os santos serão feitos à imagem perfeita de Cristo?
Ocultar ou rejeitar partes da revelação divina em nada afeta a Sua natureza e glória, mas nos coloca em “maus-lençóis”, ao tornar-nos odiosos diante dEle, que não tem por inocente aquele que tomar o seu nome em vão (Ex 20.7).
Que se pregue o Evangelho da verdade, em sua totalidade, não aquilo que pode ser conveniente e falsamente interpretado como a completude da revelação, quando não passa de um fragmento descontextualizado em que uma mínima parte verdadeira é reunida a uma maioria mentirosa e, assim, utilizada para construir e validar um complexo falacioso.
Deus é Todo-Poderoso, e não há nada nEle que O envergonhe, porque é santo, justo e o único Senhor. Da mesma forma, não pode haver nada que nos escandalize na Escritura (refiro-me a Deus, Sua natureza, propósitos e ações, pois, o diabo, seus anjos e os homens são completamente reprováveis e escândalosos), antes rendamos honra e glória ao Deus que está diante de nós, e pelo qual somos chamados a confiar no Evangelho como a Sua fiel revelação.
E livremo-nos definitivamente do evangelho capenga do deus falseado, para se viver a verdade santa e objetiva da Palavra do Deus Vivo.