sexta-feira, 23 de abril de 2010

Deus tem Inimigos?













Por Jorge Fernandes Isah

É interessante que afirmamos o tempo todo ser satanás e o réprobo inimigos de Deus. Damos tanta atenção a alguns aspectos que existe uma legião de crentes capaz de considerar o diabo como um inimigo de Deus, estando no mesmo pé de igualdade, à Sua altura; quase como se fosse um “Deus”. Mas biblicamente, o que nos é dito? Eles são rivais? De certo modo, é verdade. Mas Deus tem inimigos? Sob qual ponto de vista Ele tem inimigos?

A palavra inimigo quer dizer:

1) Segundo o Priberan: adj. s. m. 1. Hostil, contrário a. 2. Que aborrece ou quer mal. 3. Que milita em facção oposta. 4. Com quem se anda em guerra. s. m. 5. Pop. Diabo.

2) Segundo o Michaelis: adj (lat inimicu) 1. Que não é amigo. 2. Adverso, contrário, hostil. 3. Indisposto, malquistado. 4. Adversário. sup abs sint: inimicíssimo. sm 1. Pessoa que tem inimizade a alguém. 2. Nação, tropa, gente com quem se está em guerra. 3. O diabo, o demônio. 4. O que tem aversão a certas coisas.

Definido o termo, há dois aspectos a serem ponderados:
1)  Num sentido, Deus tem inimigos, como a própria Bíblia afirma. Se considerarmos que satanás e os réprobos fazem oposição a Ele, desobedecendo-o, em rebeldia, entendemos que há inimizade entre eles. Como os desejos do diabo e dos ímpios serão sempre contrários aos divinos, podemos declarar que o Senhor tem inimigos. E, na verdade, Deus odeia tudo quanto eles fazem [logo, odeia-os também], porque suas ações são sempre antagônicas à santidade e perfeição divinas.

2) Em outro sentido, não há como sustentar a afirmação. Por que? Tanto o diabo como os réprobos foram criados com um propósito claro e definido. Como criaturas, estão sujeitos à vontade do Criador, e não são seres autônomos que podem fazer o que lhes “der na telha”, mas estão a cumprir rigorosamente todo o plano soberano de Deus, sem que nenhum dos seus atos e vontade estejam alheios a Ele, que os mantém sob o Seu serviço, às Suas ordens, como subordinados e completamente dependentes dEle. Portanto, o Senhor não tem inimigos, mas subalternos.

Parece algo conflituoso, mas não é. Veja bem: do ponto de vista de se oporem a Deus, de trabalharem contra, dando vazão à natureza rebelde, e assim desobedecê-lo, satanás e os réprobos são inimigos. Mas dentro do decreto eterno, onde todas as coisas, inclusive os anjos caídos e os ímpios, encontram-se na categoria de forjados, talhados e moldados pelo Criador para cumprirem Seus santos e perfeitos desígnios... sendo como tudo o mais criação e criaturas; sendo o poder delas proveniente, secundário e ordenado; sendo o Senhor Todo-Poderoso e não havendo “força” que possa confrontá-lo, nem impedi-lo de realizar qualquer dos seus propósitos... Deus não tem inimigos. Deve-se frisar que mesmo os atos pecaminosos e frontalmente contrários a Deus, executados pelas criaturas, foram por Ele determinados e ordenados antes da fundação do mundo.

Qual demônio ou mesmo legiões de demônios, homem ou elemento da natureza pode agir livremente e eficientemente impugná-lo? Quando digo livremente, estou a dizer a possibilidade de uma vontade neutra, sem coerção ou influências, o que, entre as criaturas, é impossível. Todos, sem exceção, até mesmo Adão e Eva no Éden estão sujeitos a algum tipo de constrangimento; quanto aos elementos da natureza, eles não têm vontade, logo, não lhes é possível fazer escolhas.

Deve-se entender que a natureza caída do homem exerce influência nele, e ele se opõe pela força da sua natureza, a qual o leva a escolher se rebelar. Com isso não quero dizer que o homem é escravo de sua natureza, no sentido de dominá-lo à força, mas o intelecto, as vontades e decisões trabalham em comum acordo, em sintonia, cumprindo o intento de se rebelar contra Deus assim como a natureza pecaminosa do homem quer fazê-lo.

Por eficiência, digo que se refere ao fato do homem se rebelar e levar a melhor contra Deus, tendo a mais insignificante e irrisória possibilidade de vitória. Ninguém pode derrotá-lo. Ainda que alguns achem possível, e o diabo especialmente parece disposto e empenhado em infligir-lhe um revés... Como isso aconteceria? 

Criaturas não-eternas não podem vencer o Eterno. Criaturas não-infalíveis não podem vencer o Infalível. Criaturas não-soberanas não podem vencer o Soberano. Criaturas não-santas não podem vencer o Santo. Criaturas não-perfeitas não podem vencer o Perfeito. Em todos os aspectos, satanás e os réprobos já estão derrotados, antes mesmo da fundação do mundo; na verdade, foram criados para a perdição eterna, a derrocada inevitável, sem a menor chance de vitória.

Portanto, pode Deus ter inimigos? Sim e não. Não há nenhum paradoxo ou mistério nesta assertiva. Apenas são faces diferentes de uma mesma moeda, na qual Deus usa de uma linguagem antropomórfica para que entendamos a Sua relação como Criador com a obra de Suas mãos: anjos, homens e a natureza. No fundo, tudo se resume em: ainda que Deus tenha inimigos, eles nada podem fazer contra Ele, pois, na condição de servos, resta-lhes obedecê-lo ainda que na desobediência. Se quisesse, o Senhor já tê-los-ia destruído, assim como tudo o que criou e que pode ser chamado e colocado no rol de "inimigo".

Deus não tem inimigos pois não há ninguém, nem força alguma capaz de confrontá-lO; algo que possa, de alguma forma e alheio ao Seu controle, opor-se deliberadamente. Ou seja, nada se resolve sem a aquiescência divina; nenhum ato é possível independente dEle; mesmo o mal, o pecado, a rebeldia, a obstinação pecaminosa, todos foram traçados e estão diante dos Seus olhos eternamente.

E assim, quer por bem ou por mal, o homem, seja natural ou espiritual, glorifica-lo-á,  assentindo ou não, na salvação ou condenação, pois toda a vontade decretiva divina se cumprirá inexorável e infalivelmente. Por que, no fim, toda a criação objetiva a glória de Deus.

E Ele é e será glorificado; ontem, hoje, sempre.

sexta-feira, 16 de abril de 2010

Eu e o Mundo













Por Jorge Fernandes Isah

Há um dilema: como o crente deve se relacionar com o mundo? É possível ao crente ter uma vida voltada para Deus, em santidade, e se apropriar dos benefícios que o secularismo proporciona, por exemplo, na cultura? Há oposição entre fé e o intelecto? Ou podem coexistir harmoniosamente? O mundo não tem nada de bom a nos oferecer? Devemos prontamente afastar-nos de tudo o que ele oferece?


O primeiro passo é definir o que seja mundo. O homem tem gravado em seu coração a imagem e o conhecimento de Deus, o qual pode ser revelado pela natureza, e o homem é capaz de percebê-lo [Rm 1.19-21]. É claro que isso não dará o conhecimento pleno de Deus, como Ele é, mas levará à consciência da Sua existência e poder; porém é completamente incapaz de revelar a Sua natureza, essência, o Seu todo [ainda que pareça impossível conhecer Deus plenamente, acredito exeqüível o conhecimento daquilo que nos foi revelado. E creio que Deus se fez conhecer na Escritura como é, ao menos no fundamental para que compreendamos a Sua natureza e propósito]. Ainda assim o incrédulo pode-se tornar instrumento da graça de Deus [graça não voltada para o ímpio, mas com o nítido objetivo de, usando-o, revelá-la ao eleito], beneficiando tanto crentes como incrédulos, segundo o propósito divino. 


Veja bem, o objetivo é Deus se revelar ao eleito, como o alvo do Seu amor, graça e misericórdia, pois o réprobo não é alvo do amor, nem da graça, nem da misericórdia de Deus, mas colabora para que todos os Seus propósitos se realizem, inclusive, sendo ele mesmo beneficiário, do ponto de vista temporal, na realização histórica, ainda que do ponto de vista eterno esteja-lhe assegurada a condenação.


Portanto, mundo, no conceito bíblico que nos interessa no momento, refere-se ao pecado, ou melhor, à pecaminosidade e seus reflexos entre os homens, os quais são os meios pelos quais o pecado tomará forma, e efetivamente agirá.


Outro conceito de mundo, que também faz-se necessário definir, é o formado pelo número de crentes e incrédulos; o local onde habitam uns e outros, vivendo e interagindo-se, porém, sem jamais escapar do soberano controle e propósitos divinos. O que vale dizer é que, tanto eleitos como réprobos não são autônomos, estando submetidos à vontade decretiva de Deus que estabeleceu, antes da fundação do mundo, todos os atos, pensamentos e vontade das criaturas.


O problema é que tanto o "primeiro" mundo, como o "segundo", encontram-se sobrepostos, intercambiados, de tal forma que muitas vezes não é possível dissociá-los, nem distingui-los corretamente. E tanto o mundo pecaminoso como o mundo habitável podem ser um, ou prolongamentos um do outro, ou simplesmente se confundirem em seus objetivos. É por essas e outras que se deve ter muito cuidado, pois ao se defender um "mundo" pode-se estar a defender o outro também. E ao crente é importante ter o discernimento de que, quer seja um ou outro, a prudência, sabedoria e entendimento da Palavra são os únicos meios pelos quais poderemos evitar a aliança com o inimigo, e a propagação de sua ideologia diabólica, malévola, pecaminosa.


O segundo ponto é entender que a ação do diabo é limitada ao que Deus lhe concede fazer. Portanto, ainda que a inclinação da carne [e do mundo] seja o pecado e a rebeldia, o Senhor limitar-los-á a fim de que a natureza humana e o mal proveniente e advindo dela sejam restringidos.


Contudo, o mundo não é um campo de batalha dualista onde o mal degladia-se com o bem. Para o crente, mesmo o mal pode ser bom, porque todas as coisas colaboram para o bem daqueles que amam a Deus [Rm 8.28]. Tudo, mesmo o pecado, pode representar o bem para o eleito. É possível? O verso diz que sim. A questão é que isso estará sempre compreendido dentro da vontade de Deus, a qual conhecemos por inferência bíblica: Deus é Todo-Poderoso, supremo ordenador e governador do universo, mas desconhecemos as particularidades do processo e o objetivo final de cada um, ainda que no geral saibamos que tudo resultará na Sua glória, na santificação dos eleitos, e na condenação dos iníquos.


Voltamos à questão: é possível o crente se beneficiar e se apropriar daquilo de bom que a cultura secular produz? E como a Igreja pode influenciar a cultura ao ponto em que ela reflita mais adequadamente a imagem de Deus, tornando o homem e a sociedade mais justos? Não será pela pregação do Evangelho de Cristo? Pelo cumprimento da Lei Moral?


Um autor reformado respondeu: "A fim de julgar as nossas idéias, temos que conhecer duas coisas da melhor maneira que pudermos: as forças do mundo que formam os nossos pensamentos, e as verdades da Escritura, que corrigem os nossos pensamentos e revelam Deus e suas promessas de salvação para nós. Os que não se preocupam em ler livros seculares serão empobrecidos e suscetíveis à sedução sutil e indireta, enquanto os que não se preocupam em estudar com cuidado a Escritura perderão o seu único fio de prumo para julgar a verdade em contraposição ao erro, a crença em contraposição à incredulidade, o certo em contraposição ao errado. Os que conhecem a Escritura e a sua cultura têm a capacidade de reconhecer a verdade e rejeitar a falsidade quando a escutam ou lêem - seja na literatura secular ou do púlpito" [1].


Segundo o autor, somente se poderá influenciar beneficamente o mundo conhecendo-o e ao Evangelho. Mas a Bíblia não nos fala do mundo? Melhor do que qualquer compêndio acadêmico? Não nos revela o mundo também? Como algo de que devamos repelir? E da mesma forma que cada um de nós tem a imagem de Deus, não temos a imagem corrompida do mundo? Sinceramente não sei até que ponto devemos interagir com o mundo. De qualquer forma, excluir-nos dele é impossível, mesmo que isso represente habitar um mosteiro ou uma caverna. 


Ao final, acho que a resposta é: ir até onde o Evangelho nos proibe prosseguir. E para isso, tem-se de conhecer a Escritura, senão corre-se o risco de ser enganado pelo mundo, e por falsos evangelhos.

Nota: [1] O Cristão e a Cultura - Michael Horton - Ed. Cultura Cristã - pag 61-62

quinta-feira, 8 de abril de 2010

A Mentira de Que Tudo é Verdade


















Por Jorge Fernandes Isah


“Santifica-os na tua verdade; a tua palavra é a verdade” [Jo 17.17]


Este versículo derruba qualquer expectativa dos pós-modernistas de santificação. Também lança por terra as esperanças dos relativistas. Dos liberais. Dos mentirosos, e, sobretudo, daqueles que amam a mentira. Não há possibilidade de santificação fora da verdade; e sendo a palavra de Deus a verdade, fora dela o homem permanece morto em seus delitos.

A Escritura desmente às afirmações e tendências teológicas modernas de que se é possível a salvação sem Cristo, sem a Palavra. Baseados no sentimentalismo suicida da alma natural ela crê não ser necessário nem um nem outro para se alcançar a intimidade com Deus. Na verdade, esse homem está depositando todas as suas fichas num prêmio que acredita ser capaz de obter por seus próprios meios, mas que o deixará exatamente no mesmo estado em que se encontra: condenado.

É interessante que as religiões, mesmo o “cristianismo” humanista, proclama que qualquer caminho pode levar a Deus. De que a importância está naquilo que o homem tem no seu íntimo, no seu desejo de encontrá-lo. Mais surpreendente ainda é que a cosmovisão desse mesmo homem o levará à destruição, pois o que há nele além do mal? “Porque não há retidão na boca deles; as suas entranhas são verdadeiras maldades, a sua garganta é um sepulcro aberto” [Sl 5.9].

A falácia de que se o homem for sincero Deus se apiedará dele, não passa de uma desculpa esfarrapada para a autopreservação do pecado. Não há garantia de que a sinceridade na mentira produzirá a santidade. Pelo contrário, a santidade é possível apenas na verdade. E se não houver santificação, não há salvação. Por toda a Escritura este conceito está delineado, podendo ser resumido da seguinte forma: “Como está escrito: Sede santo, porque eu sou santo” [1Pe 1.16]; e, “Segui a paz com todos, e a santificação, sem a qual ninguém verá o Senhor” [Hb 12.14].  Cristãos professos, mas que acreditam possível manter uma vida impiedosa, sem arrependimento, sem frutos para a glória de Deus, estão esquentando os bancos das igrejas, enganam-se a si mesmos, pois sobre eles permanece a ira do Senhor [Jo 3.36].

Igualmente, os que não crêem na Bíblia como a fidedigna palavra de Deus, considerando-a um livro moral como outro qualquer; ou aqueles que a interpretam equivocadamente [guiados por suas mentes carnais e não pelo Espírito]; ou os que a negligenciam, relativizam, duvidando de sua historicidade; em suma, os que não a têm por fiel, inerrante, infalível e, portanto, verdadeira, jamais verão a Deus. Podem ser sinceros o quanto for. Podem ser eruditos o quanto for. Podem apresentar as mais plausíveis e convincentes argumentações para desacreditá-la. Podem mesmo tê-la à cabeceira da cama como um adorno, como um amuleto, ou como um livro de “máximas humanas”; podem admirá-la, e considerá-la com respeito; porém, se não for a verdade absoluta, o próprio Deus falando com o seu povo, de nada servirá todo o seu esforço; porque está direcionado à mentira, à insensatez, de tal forma que manterá o pecado intocado, intacto, em seu efeito de produzir o homem morto para Deus.

Então, o ponto é: qualquer que seja o padrão da mentira, sua eficácia anula o conhecimento de Deus; e seus frutos permanecem latentes, à espera de se abrir as portas do Inferno.

Por isso, na oração, o Senhor não está a falar de todos os homens. O contexto de João 17 é delineado pelas palavras de Cristo: “para que dê a vida eterna a todos quantos lhe deste” [v.2]; “Manifestei o teu nome aos homens que do mundo me deste” [v.6];  “Eu rogo por eles; não rogo pelo mundo, mas por aqueles que me deste, porque são teus” [v.9]; “Tenho guardado aqueles que tu me deste, e nenhum deles se perdeu” [v.12]; e outras citações mais no texto sagrado. O que se evidencia e se torna patente na intercessão de Jesus é que não está a pedir por todos os homens, mas o seu alvo é definido, claramente delimitado: os que foram predestinados eternamente para serem conforme a Sua imagem. O fato da oração acontecer imediatamente após falar com os discípulos [v.1], não deixa dúvidas de por quem pedia: os eleitos, os salvos.

Como os réprobos não podem e jamais poderão ser santificados [não depende deles, mas de Deus], ainda que ouvindo a palavra, o resultado será o oposto ao produzido nos eleitos: a rejeição à verdade. O Evangelho gera salvação no eleito, e condenação no réprobo porque a palavra há de julgar no último dia” [Jo 12.48]. O fato é que, como verdade, ele condena a mentira; e todo aquele que não pratica a verdade, “não vem para a luz, para que as suas obras não sejam reprovadas” [Jo 3.21], já está condenado.

Dizer que tudo é verdade, é mentira. Acreditar nela, levará a uma verdade: a morte eterna.

Não se pode esquecer que Cristo é a verdade [Jo 14.6], e também a palavra [1Jo 5.7].  Logo a santificação somente é possível por Ele. E qualquer que diga o contrário é mentiroso, ainda que sincero; porque a mentira sincera é a mais extrema manifestação de estupidez e ignorância.

Sem entrar em todos os pormenores envolvidos na santificação, o que o verso introdutório está a dizer é muito claro: ninguém pode ser santificado no engano, no erro, na falácia. Apenas a palavra de Deus é a verdade; e nela, o novo-homem, o eleito, será santificado, em obediência a ela.

Sem nos esquecer de que a salvação e a santidade foram determinadas na eternidade, e ambas acontecerão infalivelmente, aos eleitos, pelo poder de Deus.


E isto é a mais pura verdade.

sábado, 3 de abril de 2010

Cristo ou eu?















Por Jorge Fernandes Isah


Recebi a seguinte pergunta de um amigo:


- Estou estagnado em meu cristianismo. Peco diariamente, e não sei mais o que fazer. Como posso ser um cristão ativo?


Há duas formas de tratar a questão: se você não for regenerado, nascido de novo, e não tiver certeza da sua salvação, clame a Deus com lágrimas, humildade e sujeição que seja transformado pelo poder do Espírito Santo à semelhança de Cristo, nosso Senhor.


Se for regenerado e tiver certeza da sua salvação, o que lhe direi talvez o ajude em sua caminhada.


Em qualquer dos casos, apenas a submissão à vontade de Deus, expressa em Sua palavra poderá operar frutos para a glória do Senhor, e uma vida cristã verdadeira. Ou seja, obediência, e não-rebeldia.


A Escritura é o parâmetro e fundamento do cristão. Ao nos revelar a quem devemos imitar: Jesus Cristo. Porém, pela nossa natureza, somos impedidos de ser como Ele em plenitude, impedidos de não pecar, e de fazer exclusivamente o bem. Mas isso não nos impede de tentar. Sei que o 'tentar' só levará a novas frustrações, visto que, no homem não se encontrará virtudes, santidade, zelo e perfeição. Em outras palavras, se o 'tentar' for apenas esforço próprio, resultará em nada. A busca pode e tem de ser em Deus; clamando-lhe pela transformação à imagem do Seu Filho Amado. Somente Ele poderá dar vida à criatura caída, morta em seus delitos e pecados, e fará dentro do Seu exclusivo propósito, para a Sua glória.


Há um ponto que pode ajudar, e até mesmo colaborar nesse processo: o testemunho, o trabalho na obra. Tenho compreendido que sou tão miserável como qualquer pecador, mas, pela graça de Deus [algo imerecido, que não depende do que eu faça, mas unicamente da vontade dEle], encontrarei alegria e satisfação em tudo que se relacione com o Seu nome. O trabalhar para Cristo pode e vai manter o crente num estado de proximidade com Ele, com a Sua Palavra, com irmãos que comungam do mesmo desejo, e com incrédulos que necessitam da demonstração do amor de Cristo que há em nós.


Se ficar apenas e tão somente a pensar no quanto se é ímpio, pecador; o quanto o mundo é mal; o quanto as pessoas estão se lixando umas para as outras; não se sairá do lugar, e tornar-se-á estéril no conhecimento, entendimento e testemunho de Cristo [a compreensão racional, intelectual do Evangelho de Cristo é fundamental, mas se ela ficar restrita apenas à mente se tornará estéril, pois não produzirá frutos para a glória de Deus. O cristianismo é sobretudo aplicar no dia-a-dia o amor, a graça e a misericórdia de Deus; a prática da sã doutrina; não é definitivamente simples teoria]. Tem-se de pôr a mão na massa; de revelar ao mundo a razão da nossa fé. Como? Há muitas formas: o evangelismo; a oração por irmãos e incrédulos; os estudos em grupo; a educação dos filhos; a comunhão com outros irmãos; o ensino do Evangelho; o sustento da obra missionária; a disponibilização dos recursos financeiros para o sustento material dos necessitados... E tantas outras maneiras segundo o chamado de Deus para cada um. Isso não é impossível de se fazer. Não digo que se faça tudo, mas algumas delas estão ao nosso alcance. O problema é que, no individualismo 'predador' dos tempos pós-modernos, devota-se o tempo, os talentos, o dinheiro, o ânimo e tudo mais para construir o castelo solitário, e em nada o solidário. Não existe o Cristianismo egoísta, narcisista; o Cristianismo é, em parte, cuidar dos interesses e necessidades do próximo, sejam espirituais ou materiais; para que nisso também Cristo seja obedecido e glorificado.


Não sei como é a sua igreja. A minha é uma congregação pequena. Os nossos cultos têm em torno de 15 pessoas, um pouco mais, um pouco menos, dependendo do dia. Então, há muita coisa a se fazer; tanto na igreja, junto aos irmãos e aos que não são crentes. Uma das marcas do cristão é o envolvimento nas coisas de Deus.


Por exemplo, vivo modestamente, mas não me sinto desconfortável, nem miserável;  tenho a certeza de ter muito mais do que mereço ou fiz por merecer, e reputo tudo como dádiva de Deus; eu que sou ímpio, infiel, pecador, fui predestinado, chamado, santificado por Deus para gozar a Sua graça e misericórdia, pelo amor e sacrifício de Cristo. O louvor é dEle; a honra é para Ele; e me consido satisfeito com o que me deu.


Não há outra forma senão agradecer pelo que fez e tem feito em minha vida; e dentro do possível, em meio a todas as imperfeições e falhas, colaborar material e espiritualmente para a obra. Não lhe conto isso para me exaltar, como uma vantagem. Sei que se dependesse de mim, nada faria a não ser blasfemar o nome do Senhor. Antes da minha conversão, odiava as pessoas, todas, sem exceção, desprezava-as intensamente, e quanto mais as conhecia, mais a minha aversão à humanidade aumentava. Já não queria mais viver nem com a minha família, pensava seriamente em fugir, sumir, sem deixar rastros... Tornar-me um ermitão, recolher-me na solidão.


Os homens, crentes ou não, são pobres, cegos, nus e miseráveis, necessitados da misericórdia divina. E se eu mesmo fui escolhido e chamado a participar do Corpo de Cristo, quando fazia oposição a Ele, quando estava em flagrante inimizade, e, ainda assim Ele me amou, resgatou-me e salvou; não é desta forma que devemos proceder para com os perdidos? Ao vislumbrar os erros alheios, esqueço-me de que Deus me viu como eu era, e mesmo assim me amou. Não é como se deve agir? O fato de não sermos Cristo [e jamais O seremos], não me impede de ter compaixão, amor, misericórdia, tolerância para com os outros. A justiça não me cabe, não é um dos meus atributos, porque sou injusto; ela pertence a Deus. E Ele a fará, aqui e na eternidade, infalivelmente.


Ficar se martirizando pelos pecados, pelo que não se é capaz de fazer, pelo que os outros não são capazes de fazer, pelo mal que fazem, apenas manterá o crente em inércia, infrutífero (impedirá de fazer o que pode e foi capacitado)... E isso será o falso argumento que o manterá justificado a manter os braços cruzados. Não sei se fui claro, mas Paulo disse que a ele importava olhar para a frente, em direção à glória de Cristo Jesus; de nada adiantava olhar para trás, com risco de se perder a corôa da glória.


Não há um percentual a se atingir no que Deus quer que sejamos, pois o percentual é total, é sermos semelhantes a Cristo. O padrão no qual Deus se agrada é o padrão do Seu Filho; e nos vê por e através dEle, portanto, menos do que isso, é nada. Pois foi necessário morrer e ressucitar para que nEle atingíssemos o padrão que satisfaz a justiça divina. A Bíblia afirma que na eternidade seremos como o Senhor, que não pecaremos; feitos santos como santo é o nosso Deus.


Durante esta vida, cabe realizar aquilo que foi determinado por Deus. Pecarei, errarei, e falhar acontecerão muitas vezes, mas a Sua Palavra nos exorta a fazer aquilo a que fomos chamados. Não tenho o chamado para o pastorado, mas posso ser um conselheiro, afim de exortá-las e confortá-las sabiamente no Evangelho; não sou um grande evangelista ou missionário, mas distribuirei folhetos, Bíblias e literatura para que o nome do Senhor seja proclamado; não sou o presidente de uma fundação que distribui remédios, roupas, assistindo aos necessitados, mas posso dar uma cesta básica ou ajudar financeiramente uma instituição idônea que cuide de crianças, velhos, drogados; não sou um mestre, um professor, mas posso transmitir o pouco que sei a quem ainda não sabe minimamente; posso sustentar missionários junto aos índios, nos países islâmicos, nos países comunistas, ou mesmo no sertão da Bahia.


Há muito o que fazer, e o que me impede de fazê-lo? Normalmente são desculpas esfarrapadas. Como minha avó dizia: desculpa de flatulento é barriga cheia. Servem apenas para acomodar-nos à consciência cauterizada pelo mundanismo, e dizer que, se ninguém liga, por que devo ligar? Se o mundo não presta mesmo, para que ajudar? Todos podem fazer algo, mas é que esperamos um toque 'apocalíptico', algo grandioso no qual todos possam ver o quanto se é bom; e este é o maior problema: deixar de olharmos para nós mesmos e olharmos para Cristo. Se eu puder tirar um segundo os olhos de mim e transferi-los para Ele, pode ter certeza de que estarei vencendo a batalha contra o mal. Se vou conseguir? Não sei. Somos inconstantes, cheios de baixos e alguns poucos altos, mas creio que Deus age em nós, e o fará até o dia do Senhor, pois é Ele quem opera em nós tanto o querer como o efetuar.


Apenas o estudo da Escritura pode nos revelar o propósito de Deus para as nossas vidas, e nos mostrar o caminho certo, revelando o erro. Sem a verdade absoluta, o erro é relativo, e mesmo, aceitável.


O ponto é: olhamos apenas para nós, nossos problemas e dilemas [com os quais perdemos um tempo desnecessário e, na prática, obtemos poucos resultados], ou para Cristo?


Deus é o único que tem a resposta.