Por Jorge Fernandes Isah
Retornarei a um tema do qual me afastei por algum tempo, que causou alguma polêmica por aqui e exortações públicas de alguns irmãos para que eu voltasse à verdade. As postagens as quais me refiro são, entre outras:
A questão é que no conjunto do meu pensamento, sempre afirmei ser Cristo 100% Deus e 100% homem, em acordo com o que a Bíblia define claramente e que a ortodoxia ou a tradição da Igreja confirmou por séculos. Não tenho dúvida alguma de que a doutrina da divindade e humanidade de Cristo é bíblica e verdadeira. Portanto, não há o que se discutir quanto ao fato de que eu, eventualmente, esteja comprometendo esse princípio bíblico basilar da fé cristã, pois não estou, visto crer plenamente nele.
A Escritura está recheada de referências tanto à humanidade como à divindade de Cristo, de tal forma que não há como não reconhecê-la, a menos que se seja movido pelo sentimento de querer destruir a verdade e corromper a revelação especial de Deus para os homens. Apenas mentes acostumadas à mentira e formadas nela podem conceber que o Senhor não seja homem e Deus ao mesmo tempo, de que ele não possua as duas naturezas. Não entrarei nos pormenores de como se deu a união hipostática do Senhor[1], visto não ser esse o objetivo deste texto. Se Deus quiser, no futuro, poderei abordar o tema.
Nos artigos citados, a questão que aventei e que gerou algum mal-estar foi o fato de fazer duas declarações e distinções não tanto ortodoxas [2]:
1) De que a natureza humana do Senhor Jesus era eterna [a essência; a mesma que nos foi dada por Deus e nos tornou à sua imagem e semelhança];
2) De que ele era diferente do homem, ou seja, não completamente igual ao homem por não possuir o pecado nem a possibilidade de pecar.
Em relação ao ponto 1, talvez eu faça uma nova abordagem mais à frente; talvez, não sei. Focarei agora o ponto 2, a nítida distinção que há entre Cristo e nós por causa do pecado que ele não tem e nós temos. Como sempre, farei a pergunta inicial: Não seria o pecado um diferencial fundamental a nos distinguir de Cristo?
Primeiro, a definição de pecado, o qual "é tudo o que é contrário ao caráter de Deus. Como a glória de Deus é a revelação do seu caráter, o pecado é uma insuficiência do homem em relação à glória ou ao caráter de Deus (Rm 3.23)" [3].
Considero uma ótima definição pois ela estabelece que o pecado é algo completamente exterior a Deus, e cuja natureza não se opõe meramente a ele, mas anula-o completamente. O pecado poderia ser entendido como uma reação radical à Deus, à santidade, autoridade, essência e natureza, bondade e perfeição, justiça e graça, numa tentativa pífia de tomar o seu lugar, substituindo-o por elementos antagônicos, díspares e viciados, como se a falsificação pudesse, em algum momento, revestir-se da autenticidade do Autor Supremo; onde a imitação assumisse o caráter próprio do original. Pois, onde há ordem, é impossível a desordem. Onde há o bem, é impossível o mal. Onde há santidade, não há pecado. Onde há justiça, não há injustiça. Onde há vida, não há morte. Na origem, não existe incerteza. Na unidade, não há dispersão. No eterno, não há efêmero. Por isso o pecado é a resistência ou a obstinação do homem em reconhecer a glória do Altíssimo.
É possível que alguém avente a hipótese de eu estar me entregando ao dualismo, o que não é o caso. A Bíblia afirma que todas as coisas foram criadas por Deus, estabelecidas eternamente em seu Decreto, de tal forma que nada, absolutamente nada, surgiu à sua revelia; pois toda a criação, seja espiritual ou material, veio a existir do nada; não havia substância pré-existente a qual Deus utilizou para formar o universo. O que vale dizer que tanto o mal como o pecado não são autocriados ou originários de outra "força", mas vieram à existência pela vontade decretiva de Deus. Portanto, tudo, em seus mínimos e irrelevantes detalhes, está sujeito ao Criador, sem que pudesse existir alheio à sua deliberação; e aqui, como já disse, inclui-se o pecado, o mal, a Queda, etc.
É possível que alguém avente a hipótese de eu estar me entregando ao dualismo, o que não é o caso. A Bíblia afirma que todas as coisas foram criadas por Deus, estabelecidas eternamente em seu Decreto, de tal forma que nada, absolutamente nada, surgiu à sua revelia; pois toda a criação, seja espiritual ou material, veio a existir do nada; não havia substância pré-existente a qual Deus utilizou para formar o universo. O que vale dizer que tanto o mal como o pecado não são autocriados ou originários de outra "força", mas vieram à existência pela vontade decretiva de Deus. Portanto, tudo, em seus mínimos e irrelevantes detalhes, está sujeito ao Criador, sem que pudesse existir alheio à sua deliberação; e aqui, como já disse, inclui-se o pecado, o mal, a Queda, etc.
Mas o que isso tem a ver com Cristo?
Tudo!
Visto ser Deus, e por ele todas as coisas virem a ser, pois se assim não fosse não se realizariam; e por todas elas serem sustentadas pelo poder da sua palavra; reconhecemos o seu poder, autoridade e perfeição. Mais especificamente, o fato é que por suas naturezas e atributos perfeitos, Cristo jamais pecou. Mesmo em sua humanidade, ele não poderia pecar. O pecado é-lhe algo completamente exterior e estranho, assim como é para Deus, de tal forma que, em Cristo, o pecado não teria qualquer oportunidade de se manifestar, como não teve nem terá. Por isso é-me inconcebível a idéia da "possibilidade de Cristo pecar", como uma blasfêmia, uma afronta à sua santidade e perfeição. A humanidade de Cristo não é perfeita porque ele não pecou, mas ele não pecou porque ela é perfeita. Há uma diferença brutal nisso. A mera possibilidade de Cristo vir a pecar, ainda que como hipótese remota, afetaria a sua perfeição. Se não cogitamos o mesmo de Deus, porque o cogitaríamos para Cristo, sendo ele Deus? Ou seria Cristo duas pessoas em uma? Ou a combinação das duas naturezas gerando uma terceira? E assim teríamos uma personalidade esquizofrênica e conflituosa? A disputar, na confusão, um sentido incompreensível e não declarado na Escritura? Se na sua humanidade fosse possível, metafisicamente falando, o pecado, isso afetaria a sua perfeição e divinidade, pois ainda que as suas naturezas não se comuniquem, elas fazem parte da mesma pessoa, o Verbo. Não há dualidade em Cristo, mas unidade. Não é possível a imperfeição no perfeito. Nem o transitório no perpétuo. A singularidade de Cristo está em sua divindade-humanidade, mas também no fato de sua humanidade ser exclusiva. Nem mesmo o Adão pré-queda era como Cristo, visto ter pecado, e não ter podido não pecar [4].
Sabemos que o pecado traz consigo uma série de anomalias, e seus efeitos noéticos tornam o homem em inimigo de Deus; de maneira que ele sempre se oporá ao Criador, rebelando-se em sua pretensa autonomia, rejeitando-o, e agradando-se de não obedecer à sua vontade. O homem, se Cristo não o resgatar, estará irremediavelmente perdido, condenado. Este é o maior e definitivo dano provocado pelo pecado: a eterna separação de Deus. Seria a obra completa de sua realização: a morte eterna. Então, como é possível imaginar que Cristo poderia se enquadrar nessa condição, ainda que como uma probabilidade impossível? O próprio decreto eterno estabeleceu que Cristo encarnaria, assumiria a forma humana, e não pecaria. E ele é inexorável; não se movendo em sua irredutibilidade. Porém, a perfeição e santidade do Redentor vai muito além do decreto eterno, pois são atributos da sua natureza, mesmo em relação à sua natureza humana, que não estava sujeita à influência ou coerção do pecado.
Isso, por si só, já seria argumento suficiente para distinguir Cristo dos demais homens. Mas ao se dizer que a natureza de Cristo não é idêntica à do restante da humanidade, toma-se uma proporção desproporcional, ao ponto de se concluir que assim a sua obra expiatória não seria possível. Mas onde mesmo a Bíblia afirma que Cristo é idêntico, em todos os detalhes, ao homem? Esta não seria uma acertiva na qual se está mais preocupado em preservar a nossa condição de semelhantes a ele do que em reverenciá-lo por sua obra consumada? Ou mesmo revelar a sua singularidade na normalidade do homem? Ou sua pessoalidade na nossa incapacidade pessoal de ser como ele é? E poder glorificá-lo naquilo em que ele é, mesmo diferente de nós?
Veja bem, não nego ou relativizo nenhum ponto da ortodoxia cristã, mas acho um exagero e mesmo um despropósito, afirmar que Cristo é 'ipsis litteris" como nós, à parte de sua divindade. Com isso, não estou questionando a sua humanidade, nem que seja homem, mas questiono o fato de como nós, seres imperfeitos, iníquos, rebeldes e inconstantes em nossa irregularidade poderíamos ser comparados a ele, perfeito, santo, obediente, um com o Pai em sua absoluta unidade. Cristo é "sui generis", único, peculiar, fora do comum em sua Pessoa, ainda que tenha a mesma humanidade que nós... à exceção da disposição adâmica ao pecado.
Contudo, o pecado não é um mero detalhe... Assim como a disposição ao pecado também não é. E se todos, sem exceção, temos essa disposição, ao ponto em que o pecado se tornou inevitável em nossas vidas, Cristo não a tem, por isso, não pecou. A sua natureza humana, ainda que semelhante à nossa, é impecável. E isso faz uma enorme, grandiosa diferença, tanto nele, como na boa obra operada em nós, e que nos levará, infalivelmente a não mais pecar, pois, naquele glorioso dia, seremos feitura sua, de tal forma que em nós a sua glória imaculada consumar-se-á, e adquiriremos, por sua graça, a sua perfeição que anulará o pecado, tornando-o extinto e ineficaz em sua inocuidade.
E essa é a mais viva esperança que o cristão pode desejar, quando, face a face com o Senhor e Salvador, seremos finalmente como ele é. E teremos enfim a sua natureza humana, em todos os seus detalhes, capacitando-nos à santidade e à impossibilidade de ceder ao pecado. Quando toda a obra planejada e posta em execução por Deus no tempo, na história, se consumará definitivamente. E somente ali os eleitos reconhecerão que nunca foram como ele, mas agora, eternamente, serão! Pois Cristo é a negação do pecado!
Notas: [1] União Hipostática: é a união das duas naturezas, divina e humana, em uma Pessoa; o que faz de Cristo uma Pessoa Teoantrópica, ou seja, ele é ao mesmo tempo Deus e homem.
[2] O fato da minha declaração não ser considerada "ortodoxa" não a inviabiliza como biblica. Muito da ortodoxia, e tem-se de definir o que seja ortodoxia primeiramente, é discutida inclusive por ortodoxos. E o que vale, necessariamente, é o princípio estabelecido na Escritura, mesmo que ele não seja considerado ortodoxo. Especificamente no meu caso, eu nego a heterodoxia do que disse, e afirmo que os meus postulados são bíblicos.
[3] Dicionário Bíblico Wycliffe - pg. 1.485 - Editora CPAD.
[3] Dicionário Bíblico Wycliffe - pg. 1.485 - Editora CPAD.
[4] Sobre não concordar com a posição de Agostinho quanto à idéia de que o Adão pré-queda poderia "não pecar e pecar", ler o meu texto: "Todos esses anos... e nunca fica fácil"