Por Jorge Fernandes Isah
Primeiro, quero dizer que o livro, “Neocalvinismo: uma
avaliação crítica”, está disponível em ebook gratuitamente na página da Editora
Os Puritanos, e também há uma boa gama de blogs e sites que o disponibilizam
para download, não sendo necessário comprá-lo pela Amazon.
Sobre a obra de Cornelis Pronk, ela é de se ler em uma
sentada, ainda que não seja aconselhável que o faça. Mas como um
"panfleto", no sentido original da palavra de ser um texto em que se
expõe uma ideia de maneira breve, concisa e não exautiva, ao invés do sentido
atual de um texto breve mas agressivo, difamatório ou sarcástico; faltam-lhe
mais dados e esclarecimentos sobre o neocalvinismo, um estudo mais detalhado, aprofundado,
um raio x do movimento, como ele merece ser realizado e, penso, está-se por
fazer [ao menos pelas informações de que disponho].
Entendo que o autor quis se ater ao caráter mais
"vísivel" do neocalvinismo, ou seja, o de defender uma redenção
cultural através da igreja, significando que a obra de Cristo na cruz não se
resumiu à expiação para e pelo seu povo ou igreja, mas de maneira ampla
englobava uma redenção "cósmica" por assim dizer.
Sempre tive o pé meio atrás com relação ao neocalvinismo,
por conta da sua proximidade perigosa com a cultura e o mundo, e com outros
movimentos cristãos, como o carismático. E ela, de certa forma, trás em si algo
de realmente danoso que é a possibilidade de contaminação do Evangelho por
elementos seculares; uma diluição da mensagem bíblica que, ao invés de ser ela
o facho de luz a se lançar em meio às trevas, ainda que de maneira inconsciente
se vê disputando espaço com ela, com ambas sentassem no mesmo banquinho e dissesse
uma à outra: “chega um pouquinho pra lá!”. Acaba-se que a igreja está muito
mais sujeita a se deixa influenciar pelo mundo do que ser influência para ele.
Perigosamente se busca uma justificativa, uma quase
necessidade de aceitação do Cristianismo pelo mundo, como se a igreja estivesse
submetida a um estado de inferioridade que somente se poderia “curar”
utilizando-se as armas que o mundo considera adequadas, e que na verdade são
para ele, mas que não podem responder nem aos seus próprios anseios quanto mais
aos nossos. Parte da igreja, seja maioria ou não, parece querer a equiparação, a
se igualar ao mundo, e assim revelar-se tão superior quanto ele. Sofremos da “síndrome
do subsolo”, e o ar parece existir apenas na superfície. O argumento é a
necessidade de se alcançar todos os grupos e segmentos da sociedade, e para
isso é justificável utilizar qualquer meio que esteja à disposição para se
fazer o evangelismo. Maquiavel soltaria um sorriso sarcástico se nos visse hoje
em dia. Esse mesmo utilitarismo que busca como finalidade o bem-estar destes
grupos, a redenção individual a partir do coletivo, em que a intenção ou
motivação é muito mais importante do que a obediência aos princípios cristãos. Em
linhas gerais, se determinada ação pode resultar na conversão de alguém, ela é
meritória e certa, ainda que inobservando, em oposição aos preceitos divinos. O
que me leva a meditar sobre a real intenção dos atuais proponentes do
neocalvinismo: o cuidado verdadeiro com as almas perdidas ou a autoexaltação
através das suas habilidades?
O fato é que, com as armas mundanas, sempre estaremos na
"rabeira", e muitas vezes desprezamos o que de fundamental há na fé
cristã: o chamado para realizar a obra que Cristo nos deu a fazer, não somente
isso, mas como deveria ser realizada.
Há pastores cada vez mais empenhados em levar para as suas
igrejas aspectos culturais da sociedade como danças modernas, música moderna,
esportes modernos, literatura moderna, e etc, com o argumento de que se pode
adequar a pregação, especialmente, com outros meios para alcançar grupos e
pessoas que não se enquadrariam ao padrão histórico ou formal da igreja. “Diversão
também é cultura, e a cultura leva a Cristo”, dizem enfáticos. Quanto a isto,
penso que é a mais pura bobagem, tolice mesmo. A Bíblia nos diz que a salvação
vem pelo ouvir a palavra de Deus, e muitos se esquecem de que o eleito a ouvirá
sempre, sem chance de não ouvir; exatamente por ele ser eleito a mensagem do
Evangelho estará à sua disposição em algum momento da vida, pois não há eleitos
inelegíveis nem não-eleitos elegíveis.
Outro dado que me vem à memória é de que, à época do
profetas, Cristo e dos apóstolos, já havia o teatro, a música, danças, e muitas
outras formas de expressão que existem hoje, e nem por isso os vemos
utilizando-as na igreja ou em missões.
Pode-se discutir se eles são aplicáveis ou não na igreja ou
fora dela, mas o empenho com que se realizam "produções artísticas"
hoje, como forma de evangelismo, está muito distante do padrão bíblico. Alguém
pode dizer que o fato dos profetas e apóstolos serem perseguidos os impediam de
realizar os eventos como os realizados atualmente. Mesmo não vivendo na
clandestinidade, já que pregavam em praças públicas, ruas, sinagogas, no templo
e até mesmo no sinédrio e diante dos governantes, eles tinham de ser breves e
aterem-se exclusivamente à mensagem pela pregação. Hoje, esta urgência não é
mais necessária, concluiria o neocalvinista. Ao que pergunto: É mesmo,
cara-pálida?
Alguém ainda pode insinuar que os relatos mais antigos não
se preocuparam em descrever as várias formas de evangelismo à época. Com a
profusão de detalhes a respeito da igreja, do culto, e do trabalho missionário que
a Bíblia nos deixou, é-me impossível acreditar que se esse fosse o padrão usual
ou mesmo extemporâneo da igreja, haveria ao menos uma citação sobre ele.
Pronk aponta a ideia recente da "Graça Comum" como
um dos culpados por esse estado de coisas, como o ponto de partida para que
Abraham Kuyper idealizasse o movimento. Ainda que ele diga haver em Calvino a
formatação embrionária da ideia de ‘Graça Comum”, ela foi delineada, ao menos
como a maioria dos crentes a imagina, pela pena do pastor e estadista holandês.
Por mais que eu me esforce ainda não consegui entender essa graça geral e
irrestrita, talvez por burrice ou obstinação, ou ambos, sei lá! Estou a
precisar estudar a questão com mais empenho, mas o tempo não me tem sido
favorável. De qualquer forma, nutro uma "repulsa" pela ideia, ao
menos nos moldes em que me foi exposta por alguns irmãos, e o pouco que li.
Pode ser que o foco inicial não seja o mesmo, mas... bem, isto é outra
história, para outra hora, talvez no mesmo lugar...
Resumindo, penso que o livro, "Neocalvinismo: uma avaliação
crítica", nos dá uma amostragem geral do movimento, faltando-lhe
explicá-lo melhor, inclusive em relação as consequências práticas da sua
atuação, seja para o bem ou mal.
Recentemente, a revista "Times" divulgou uma lista
com as 10 ideias mais influentes nos EUA, e o neocalvinismo estava em quinto
lugar, se não me engano. A questão é: quais as implicações práticas do
movimento? Tem havido uma mudança, ou ao menos uma tendência a mudança, na
sociedade a partir da influência do neocalvinismo? Em quê e de que forma tem
influenciado positivamente a sociedade com a mensagem do evangelho? Temo-nos
voltado ao padrão bíblico? Ou ele se encontra dissolvido, inserido, quase como
camuflado, à cultura anticristã dos nossos dias? E, o meu maior temor: ele não
tem se "intoxicado" do ideário marxista, de uma subposição à agenda
social militante e dominante sobre o Evangelho? De forma que o Evangelho seja
suficientemente moldado, domesticado, e se torne irreconhecível? Assim como o
movimento da "Missão Integral" se imbuiu desde o início em fazer, e o
fez tão bem que um cortejo de cristãos o segue com se ele fosse a própria essência
da palavra de Deus? Uma espécie de redenção do homem através da arte, política
e ações que visem a redimir o homem de sua miséria cultural e social? Temo ser
este o maior problema do qual muitos não se aperceberam, e que pode já ser
tarde para corrigir. E assim nos tornarmos em crentes superiores, integrados ao
ambiente intelectual mais sofisticados, mas muito abaixo do mais humilde
pregador que, fiel ao mandamento e não mandato cultural, é realmente luz e sal
num mundo caído.