sexta-feira, 21 de novembro de 2008
COMENTÁRIO A JOÃO 11.17-46
Por Jorge Fernandes
Jesus partiu de além do Jordão para a Judéia; ia de encontro a Marta, Maria e Lázaro. Havia quatro dias que “aquele que tu amas” morrera. Lázaro estava sepultado, e suas irmãs recebiam o consolo de muitos judeus. Marta, ao saber da chegada do Senhor, correu para recebê-lO. Novamente, somos confrontados pela objetividade de Marta.
Em Lucas 10.39-42 (veja o comentário em http://kalamo.blogspot.com/2008/05/onde-est-o-seu-tesouro.html ), numa passagem parecida com esta (onde não há notícias da morte de Lázaro; e a semelhança decorre da amizade que Cristo nutria pelos três irmãos, e que levava-O a visitá-los), lê-se no v. 40: “Marta, porém, andava distraída em muitos serviços”. Ela era prática, dinâmica, uma “workaholic” dos seus dias. Enquanto Marta se perde nas tarefas de servir aos convidados, de executar uma atividade costumeira, Maria, sua irmã, sentou-se a escutar o nosso Senhor. Ao repreendê-lO por permitir que Maria ficasse a ouvi-lO, enquanto se "matava" no servir, ela ouviu de Cristo: “Marta, Marta, estás ansiosa e afadigada com muitas coisas, mas uma só é necessária; e Maria escolheu a boa parte, a qual não lhe será tirada” (v. 41-42). É evidente a suficiência das Escrituras, e a escolha deve ser a de ler, ouvir, meditar e estudar a palavra de Deus como necessidade inadiável.
Em João, Marta novamente encontra-se ansiosa, afadigada, correndo ao encontro do Senhor, enquanto Maria estava sentada em casa. Contudo, a atitude de Marta nesse momento é equivalente àquela atitude de Maria, porque ao passo que ali Marta não devotou atenção ao Senhor, aqui a vemos lançar-se ao seu encontro, e Maria parece incapaz de perceber-lhE a proximidade.
Marta demonstra uma fé segura ao afirmar que “se tu estivesses aqui, meu irmão não teria morrido” (v.21). Cristo lhe diz que Lázaro ressuscitará. Ela interpreta como sendo a ressurreição eterna, no último dia.
Façamos uma pausa.
Marta havia dito ao Senhor: “sei que tudo quanto pedires a Deus, Deus to concederá” (v. 22). Ela o relaciona com o v. 21, que se Jesus tivesse chegado antes da morte de Lázaro, ele ainda estaria vivo. Cabe uma reflexão: se Marta cria no poder do Senhor para salvar Lázaro da morte, por que Ele não o ressuscitaria? O que era mais difícil: ressuscitar o corpo corrompido no último dia, ou ressuscitá-lo ali, alguns dias da sua morte quando ainda existia um corpo?
Havia uma esperança, mas essa esperança era vindoura, não imediata. Ela nos dá a lição de que se deve crer no poder de Deus, de que Ele é capaz para realizar a Sua vontade tanto agora como na eternidade. Ele, segundo os Seus propósitos, pode operar o impossível a fim de ser glorificado e exaltado diante dos homens. Sem dúvida, o maior de todos os feitos de Deus foi a salvação. Mas há de se crer que Ele é poderoso para feitos igualmente maravilhosos, porque tudo é-lhE possível (Mc 10.27; Lc 1.37).
O Senhor responde Marta com autoridade, não somente a afirmar o poder que tem de ressuscitar os mortos, mas o poder de dar a vida a quem crê; pois o que crê, mesmo que esteja morto, viverá e nunca morrerá. Cristo é a ressurreição e a vida (v.25-26), e ao morrer na cruz do Calvário, livrou da morte todos os que o Pai lhE deu, para que nenhum deles pereça (Jo 6.39), e condenou à morte os que não crêem e não foram entregues a Ele pelo Pai. É a pura soberania de Deus, da qual muitos querem esquivar-se, contudo, é impossível. A salvação vem da escolha que Ele faz dos Seus eleitos; é uma prerrogativa inalienável, está sobre o Seu domínio, donde os não escolhidos perecerão, pois somente os que o Pai trouxer ao Filho terão a vida eterna e ressuscitarão no último dia (Jo 6.40;44). Porque Cristo é “o caminho, a verdade e a vida; ninguém vem ao Pai, senão por mim” (Jo 14.6). Isso não quer dizer que se deve negligenciar o buscar a Deus, porque “buscar-me-eis, e me achareis, quando me buscardes com todo o vosso coração” (Jr 29.13). Se há dúvida em seu coração, busque ao Senhor sinceramente, arrependa-se dos seus pecados, e Ele o perdoará, e lhe dará a eternidade em plena comunhão consigo. O desejo de buscá-lO somente é possível porque Deus o chamou, o escolheu, e assim, você foi capaz de encontrá-lO, jamais porque a escolha foi sua. A eleição é divina, não humana. Ela parte de Deus que nos capacita à reconciliação, provando que não há nada melhor, nem maior do que a Sua glória. Então, não há porque rejeitá-lO. Como é possível rejeitar o que de mais sublime, puro e santo existe? Infelizmente, nem todos chegam a esta conclusão, e se não chegam, é porque o Espírito de Deus não os capacitou para tal.
Não é assim no diálogo entre Cristo e Marta? Ao perguntá-la: “Crês tu isto?” (após dizer que todo aquele que vive e crê nEle nunca morrerá [v.26]). Marta estava diante da verdade imutável, da graça absoluta, do amor eterno, e reconhecê-lO era a única possibilidade: “Sim, Senhor, creio que tu és o Cristo, o Filho de Deus, que havia de vir ao mundo” (v.27). Diante do Seu pungente amor e autoridade, é impossível fugir da inevitável constatação: se Deus não eleger, o rebelde jamais terá vida.
Marta chamou Maria em segredo, avisando-a de que o Mestre chegara (v. 28). Chamá-la discretamente pode ter relação com a perseguição de Jesus pelos judeus, ou Marta não queria que todos acorressem e impedissem Maria de desfrutar da Sua comunhão. Seja qual for o motivo, de nada adiantou o seu zelo, pois os judeus seguiram Maria ao sepulcro, tão logo levantou e foi ter com Jesus (v.29).
Claramente, o propósito de Deus em glorificar o Seu Filho Amado não passaria despercebido. O que revela como os esforços e intentos humanos estão limitados à vontade de Deus. Ainda que Marta objetivasse o encontro do Mestre com a sua irmã sem alarde, o seu desejo frustrou-se, visto que o Senhor queria que muitos cressem (v. 45), e que testemunhas relatassem ao povo o milagre de Betânia.
Da mesma forma, presenciariam a fé de Maria, que lançou-se aos pés de Jesus, e disse: “Se tu estivesses aqui, meu irmão não teria morrido” (v. 32). As irmãs tinham a mesma fé em Cristo (Lázaro também); elas sabiam que Ele era o Filho de Deus, e como Filho, todo o poder lhE foi dado nos céus e na terra (Mt. 28.18). Mas estranhamente, pareciam não crer que fosse capaz de ressuscitar o seu irmão; demonstrando a dificuldade de se compreender a mente de Deus, e como opera a Sua graça e misericórdia. É preciso reconhecer a nossa inaptidão, e clamar que Ele nos acrescente a fé (Lc 17.5), pois somente por ela pode-se crer e ser salvo (Ef. 2.8). Porque está escrito: “não me envergonho do evangelho de Cristo, pois é o poder de Deus para salvação de todo aquele que crê” (Rm 1.16).
Muitas vezes somos cegados pelos sentimentos. Não parece que Marta e Maria estavam obliteradas por eles? Há uma idéia de que o sentimento é tudo, e de que através dele contata-se Deus. Mas a evidência é outra. A Bíblia afirma que “enganoso é o coração, mais do que todas as coisas, e perverso; quem o conhecerá?” (Jr 17.9). Portanto, sentimentos não podem nos levar a Deus, quando muito serão conseqüências de um encontro com Deus.
A felicidade, de onde provém?
O gozo, de onde vem?
E a paz? E a santidade?
A fé? A Esperança?
Estes são os frutos de uma vida de comunhão com o Todo-Poderoso, em que Cristo nos transformará, e uma obra iniciar-se-á pelo poder do Espírito Santo, a qual aperfeiçoará até o dia da volta do nosso Senhor (Fp 1.6). Então, a obra de Deus iniciara-se na vida das irmãs, mas ainda não estava concluída, seguindo os eternos intentos divinos.
O que estava para acontecer, nem sequer podiam imaginar. O que Cristo realizaria diante dos olhos incrédulos dos judeus, e, porque não, também das irmãs, seria assombroso. Mas não era a demonstração de um poder frio, insensível, fatalista. Não. O milagre de Jesus seria envolto em compaixão, misericórdia, seria acolhedor. Ainda que estivesse decretado desde antes da fundação do mundo, o Senhor imprimiria não somente o Seu poder divino, mas a Sua graça divina, o Seu amor divino.
Cristo não nos trata como marionetes, como descartáveis, mas se move em nossa direção, abriga-nos, revelando-nos a proteção que o Pai dará aos Seus filhos. Ele é o alto refúgio ao qual Davi sabiamente proclamou: “O Senhor é o meu rochedo, e o meu lugar forte, e o meu libertador; o meu Deus, a minha fortaleza, em quem confio; o meu escudo, a força da minha salvação, e o meu alto refúgio” (Sl 18.2).
Então, o espírito do Senhor moveu-se muito, e perturbou-se (v.33). Como o intermediário entre Deus e os homens, Cristo examinou os corações de Marta e Maria, ouvindo suas súplicas; sabendo qual era a intenção do Espírito, intervindo junto a Deus em favor dos santos (Rm 8.27). E chorou (v.35). E Suas lágrimas evidenciaram, mesmo para os duros corações judeus, o quanto Ele amava Lázaro (v.36). O morto simboliza o amor de Cristo por Suas ovelhas, pelo Seu povo. Deve-se exultar porque Cristo nos ama. Por nós, os Seus eleitos, Ele morreu na cruz do Calvário, “por nossos pecados foi entregue, e ressuscitou para nossa justificação” (Rm 4.25), estando ainda mortos em nossas ofensas, nos vivificou, e nos ressuscitou juntamente com ele (Ef. 2.5-6). Era isso o que Jesus tinha em mente quando perguntou por Lázaro (v.34). Ele já sabia de antemão o que faria, e como, maravilhosamente, cumpriria a vontade do Pai.
Mas as dúvidas do povo apenas arrefeceram-se um pouco, para voltarem novamente contra o Senhor. A falsa piedade deles para com o morto, mascarava e denunciava a atitude condenatória em relação a Cristo. No fundo, era incredulidade, hipocrisia, maldade em estado bruto, tanto em relação ao Seu poder quanto em relação às Suas intenções. Senão, porque declarariam maliciosamente: “não podia ele, que abriu os olhos ao cego, fazer também com que este não morresse?” (v.37).
Jesus moveu-se muito em si mesmo (v. 38). Creio que o perturbar-se do Senhor, além de se relacionar com a morte de Lázaro, também ligava-se à impostura do povo; tristeza pela situação do Seu amigo, e pela cegueira e ceticismo dos judeus. Ele que julgará os vivos e os mortos (2Tm 4.1), estava mais uma vez diante da hipocrisia de Israel, da rebelde ignorância que haveria de condená-los; pelos quais Cristo “veio para o que era seu, e os seus não o receberam” (Jo 1.11).
À ordem de Jesus para tirarem a pedra do sepulcro onde Lázaro jazia, Marta opôs-se: “Senhor, já cheira mal, porque é já de quatro dias” (v.39). A atitude de Marta foi racional, de alguém que mesmo diante do sofrimento ainda estava conectada a realidade. Para qualquer um, remover a pedra que libertaria todos os odores pútridos de um corpo em decomposição, pareceria ilógico, insano, absurdo. O mau cheiro não somente ofenderia os narizes, mas a consciência da morte: cedo ou tarde, estar-se-á diante dela. Mais do quê a lembrança de Lázaro passando pela corrupção física, havia um sentimento lúgubre a reavivar as dores dos últimos dias. Porém, Cristo não permitiu o desânimo, a expectativa da derrocada inevitável, antes exortou à fé: “Não te hei dito que, se creres, verás a glória de Deus?”.
Quanto era necessário repetir o mesmo ensino? Uma, duas, três vezes? Ainda assim, por causa da natureza caída, o homem estava impedido de compreender a sabedoria e a verdade divinas.
Marta, mesmo crendo no Filho de Deus, era incapaz de entender e vislumbrar a magnificência da Sua glória. Diante dos sinais, dos avisos, da clara proclamação do que havia de acontecer, ela (como qualquer de nós) manteve-se presa à ignorância, à tola humanidade. O homem encontra-se distante do Criador, e carece da Sua misericórdia a fim de não ser consumido, condenado (Lm 3.22).
A pedra foi tirada, e na oração, no louvor do Filho ao Pai, Jesus levantou os olhos e disse: “Graças te dou, por me haveres ouvido” (v.41). É um momento de êxtase, de plena comunhão da Trindade Santa, em que as palavras do Senhor inferem-se de uma magnitude tal que é-nos impossível atingir o seu cerne; estão muito acima de nós, muito além do nosso pensamento, tanto como os céus são mais altos do que a terra (Is 55.9).
Cristo, claramente, afirma que o Pai sempre o ouve. Confirma-se a relação de unidade que existe eternamente entre Eles; mas para que o povo cresse, era necessário proclamar na terra o que eram nos céus: Um, em conformidade (v.42). Notável é o caráter mediatório de Cristo, o qual é o único capaz de nos levar ao Pai. Somente por Ele e através dEle, as súplicas são levadas ao trono de Deus; de outra forma, nossas vozes se calariam aos Seus ouvidos, pois não sabemos pedir como convém (Rm 8.26). Então, Ele se encarrega de dar “forma” às nossas petições, de torná-las justas e santas, intercedendo em favor dos eleitos, dos chamados: “Porque há um só Deus, e um só Mediador entre Deus e os homens, Jesus Cristo homem” (1 Tm 2.5).
Lázaro está morto. Há quatro dias foi enterrado. Em Betânia havia apenas choro e lamento. Nenhuma esperança, apenas a constatação de que a morte vencera novamente, e de que em breve cada um encontrar-se-ia face a face com seu algoz. A inevitabilidade da morte era um fato, inexorável. Como Lázaro, o homem está definitivamente morto para Deus; os seus delitos e pecados criam uma barreira, um muro de inimizade diante da santidade e retidão dEle. Nenhum esforço pode revivê-lo; nada, humanamente, pode reatar a comunhão perdida, somente Cristo pode reconciliar-nos; Ele é Todo-Poderoso para tornar os mortos à vida. Assim como fez com Lázaro, ressuscitando-o, o Senhor é quem nos chama à vida e à salvação: “Lázaro, sai para fora” (v. 43). E o defunto saiu. O que estava morto, sepultado por seus pecados (o salário do pecado é a morte), foi vivificado, ressurgiu definitivamente, porque o “o dom gratuito de Deus é a vida eterna” (Rm 6.23).
Cristo tira o homem das trevas em que o pecado lançou-o, trazendo-o para a luz. E esse não é um esforço humano. Não é algo que eu ou você podemos fazer. Como todo morto, estamos inertes, imobilizados pelo pecado, impossibilitados de qualquer ação. O morto não respira, não pensa, não age. Para retornar à vida é necessário que ela seja-lhe doada. Jesus é este doador. É Ele quem escolhe qual e quantos pecadores serão convertidos a Si, porque natural e voluntariamente é-nos impossível converter. Quando não se pode esperar mais nada, Ele nos dá o novo nascimento, o ânimo, somos restaurados, ressurgimos para a glória de Deus. Como Cristo ressuscitou dos mortos, também somos ressuscitados. As faixas que nos mantinham amarrados, imóveis como Lázaro, Ele as desliga; e as faixas que envolviam nosso rosto, mantendo-nos cegos e imersos nas sombras da morte como Lázaro, Ele as tira (v.44). Conforme fez ao amigo, Jesus faz-nos crer nEle, produzindo em nós a fé necessária para que creiamos, como muitos dentre os judeus (v.45).
Porém, há os que são cegados e se manterão cegos, impedidos de ver, incapacitados de ver, e estarão em trevas profundas (v.46); pois crêem em suas próprias obras em detrimento da fé, e Cristo se torna para eles “uma pedra de tropeço e rocha de escândalo, para aqueles que tropeçam na palavra, sendo desobedientes; para o que também foram destinados” (1 Pe 2.8).
Assim será, eternamente.
Leia o comentário a João 11.1-16 em http://kalamo.blogspot.com/2008/11/comentrio-de-joo-111-16.html
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2 comentários:
Caro Jorge
Espero que a minha parte e o meu quinhão de Deus seja o mesmo de Maria quando o texto diz que ela "... escolheu a boa parte, a qual não lhe será tirada."
É isto!
Que esta parte, este desejo que temos do Senhor, esta fome por conhecer Dele, nunca nos seja tirada.
Um grande abraço
Parabéns pela reflexão.
Vou adquirir o hábito de sempre passar por aqui para aprender com você.
Oliveira,
Alegra-me a sua visita, e a generosidade de suas palavras, sabendo que sem Cristo, tanto eu como você jamais estaríamos aqui (pelo menos, não desta forma).
Que ele nos guie no cumprimento da Sua santa vontade, em amor, temor e reverência.
Abraços
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