segunda-feira, 20 de setembro de 2010

Bate-Papo com André Venâncio










Por Jorge Fernandes Isah

Todos sabem que o Kálamos é um blog pessoal. Tanto que apenas a primeira postagem foi de um terceiro, no caso o Dr. Lloyd-Jones, que não poderia ser classificado como “terceiro”, mas um entre os primeiros. O fato é que, de lá para cá, sempre postei textos pessoais; por isso criei o “Guerra pela Verdade” para publicar reflexões e impressões de outros escrevinhadores.

Porém, desta vez, estou reproduzindo abaixo uma conversa que tive com o André Venâncio no Gtalk [meio papo, meio entrevista], e considerei apropriado reproduzi-la aqui, com a devida autorização do André. Quando lhe comuniquei a idéia, ele me perguntou: “Por quê?”. Eu disse: “Porque sim, ora!” [rsrs]. Na verdade, foi um bate-papo em que muitos assuntos foram introduzidos, o suficiente para aguçar a minha curiosidade; e certamente aguçará a de outros. Não pensei em “leitores” especiais, porque os assuntos abordados podem instigar a todos que ainda não se aperceberam deles.

De qualquer forma, seja qual for o motivo, o importante é que o André, com sua inteligência privilegiada e seus conhecimentos, é um ótimo ponto de partida para a reflexão e o aprimoramento de assuntos ligados à Teologia, Filosofia e Ciência.

Aproveito para indicar o blog do André, o 
  “Retratos por Escrito”; altamente recomendado.

Mãos à obra!

Boa leitura.

O BATE-PAPO:
Eu: Como vai, André? Tudo bem?
André: Tudo bem, graças a Deus! E com o irmão?
Eu: Tudo na santa paz de Cristo... Preparando alguma novidade para o blog?
André: Logo vou publicar algo que poderá lhe interessar.
Eu: Tudo o que publica me interessa... O problema é que a maioria delas não compreendo direito, por isso não comento... Para não parecer mais idiota do que sou...
André: hehehe... Entao você podia perguntar uma coisinha ou outra de vez em quando, talvez eu não esteja sendo muito claro...
Eu: Não. Tenho certeza que sou quem não alcança a sua clareza [rsrs]
André: Então, talvez uma explicação mais obscura ajude... hehehe...
Eu: Pode ser [rsrs]. Mas acho que você não conseguirá ser obscuro...
André: Não é difícil. É só escrever sobre um assunto que eu também não entendo nada.
Eu: É, mas para quê? Só para não ser claro? [rsrs]. Você não me parece um cara teimoso, tipo cabeça-dura.
André: Só pra provar que você está errado... hehehe
Eu: Mas no fundo, eu sei que estou certo [rsrs].
André: hehehe... Brincadeiras à parte, isso que eu falei é verdade: percebi que quanto menos eu entendo uma coisa, mais obscuro e impreciso fica o que digo a respeito. É assim que sei quando preciso estudar melhor alguma coisa.
Eu: Tem gente que prefere ser assim o tempo todo... Para parecer superior. Quero dizer, ser obscuro para ninguém entender e parecer um fora de série.
André: Ah, sim! Mas é raro achar alguém bom nisso. A maioria se desmascara logo
Eu: A maioria não sabe ler... Vai na onda.
André: Pois é!
Eu: Na verdade, a maioria nem lê, mas diz que leu.
André: É, a gente nunca sabe se não leu mesmo ou se leu e não entendeu nada
Eu: Tem livros que são fechados, não que o autor queira fechar, mas é que a mente do leitor está fechada, ou ainda não aberta para o que ele escreveu. Por exemplo, assuntos que você escreve, eu não faço nem idéia... Até tento ler, mas vejo que está além do meu conhecimento.
André: Em que tipo de assunto isso costuma acontecer?
Eu: Principalmente quando é algo que se relaciona com o lado científico... Matemática, Física, coisas do gênero que você gosta de postar vez ou outra. É que me parece, posso estar enganado, que você busca um "significado" filosófico mesmo nas áreas científicas.
André: É algo mais ou menos por ai. Eu me interesso muito pelas áreas onde a ciência se relaciona com a filosofia e a teologia. Isso começou ainda na adolescência, por causa de meu interesse pela questão da evolução. Daria um capitulo interessante do meu progresso intelectual... Ainda tenho que contar essa historia no blog.
Eu: Pois deve. Para o bem dos que crêem na evolução, e estão sendo enganados.
André: Mas isso foi só o começo. Há vários outros pontos de contato. Por exemplo, na neurociência, com a questão da consciência humana, ou na mecânica quântica, com relação ao alcance das leis naturais. E tem também a própria questão de como encarar a natureza. Existem alternativas que não se enquadram na moderna concepção de ciência. Aristóteles e os medievais (católicos ou muçulmanos) são exemplos disso.
Eu: Puxa, daria um braço para entender de mecânica quântica [rsrs].
André: hehe... Um dia eu posso tentar te explicar, mas não vou querer seu braço, fique tranqüilo.
Eu: Graças a Deus! Pensando bem, se tiver que perdê-lo, prefiro não entender nada de M.Q...
André: O ponto onde eu quero chegar é que algumas descobertas cientificas têm implicações filosóficas e teológicas,  e vice-versa. Algumas verdades filosóficas e teológicas têm implicações cientificas.   
Eu: Tem algum livro para indicar sobre o assunto? Não sobre mecânica quântica, mas sobre essa relação de filosofia e ciência?
André: Eu tenho interesse em investigar certas questões cientificas de uma perspectiva que não comprometa as verdades bíblicas... O livro que vou escrever um dia... hehe...
Eu: Escreve logo!
André: Veja, meu irmão! Os livros que li sobre a relação entre filosofia e ciência falam de uma perspectiva secularista e, quase sempre, cientificista. É justamente contra isso que me levantei desde a adolescência.
 Eu: Já vi que não vou entender nada...
 André: Mas os livros cristãos (criacionistas) quase sempre falam mais da evidência propriamente cientifica que da relação disso com outros campos.
Eu: Não gosto muito do evidencialismo
André: Eu sei... hehe... Eu também tenho meus problemas com ele, mas o problema nem é esse.
Eu: É qual?
André: Eu gostaria de fazer um trabalho abrangente sobre as limitações do método cientifico em geral. A idolatria da ciência moderna é um grande problema que acomete até muitos cristãos. Eu expus algumas idéias sobre isso numa aula sobre evolução que dei na minha igreja uns meses atrás. Mas preciso expandir isso. O fato é que não acredito muito numa distinção absoluta entre ciência e outros campos de conhecimento
Eu: A ciência tornou-se em uma deusa quase onipresente, ainda que os cientistas não assumam publicamente [ao menos, a maioria].
André: Os filósofos da ciência brigam há mais de um século para estabelecer o que chamam de "critério de demarcação", ou seja, um critério que permita separar a ciência de todas as outras atividades. Eu me interessei muito por esses debates nos primeiros anos da faculdade. hoje eu acho isso tudo uma bobagem; não só não existe esse critério, mas também ele não teria a menor importância se existisse.
Eu: É possível essa tentativa de separar a ciência das outras áreas de conhecimento?
André: Eu não acho que seja. Sabe aquele interminável debate acadêmico entre racionalistas e irracionalistas (pós-modernos)?
Eu: sim.
André: O negócio do critério de demarcação faz parte disso. Para os racionalistas, é importante encontrar esse critério, porque eles pensam com isso distinguir o conhecimento verdadeiro (ciência) da mera opinião subjetiva (o resto). Os pós-modernos tentam negar esse critério, porque assim crêem destruir a aspiração a todo conhecimento objetivo. Ou seja, mostrando que a ciência não se distingue do resto. Do nosso ponto de vista, naturalmente, temos apenas dois bandos de malucos lutando entre si, cada um tentando fazer triunfar sua maluquice predileta. Eu me convenci da inexistência de critérios de demarcação lendo um pós-moderno, Paul Feyerabend.
Eu: Não somos racionalistas nem pós-modernos, o que somos, então?
André: Somos cristãos, ué!
Eu: Eu sei. Mas pendemos para um lado ou outro?
André: Eu prefiro não pender pra nenhum. Cada um dos lados possui um dogma inadmissível pra nós.
Eu: Sei, mas, por exemplo, apelamos para a razão, os reformados, enquanto os pentecostais são mais, digamos, subjetivos.
André: O dos racionalistas é que a verdade só é acessível pela ciência (ou a razão em geral). O dos pós-modernos é que a verdade não é acessível de forma alguma. Nós concordamos com os primeiros em que a verdade é acessível, inclusive através da ciência, em alguns assuntos. E concordamos com os últimos em que a ciência não tem nada de especial e que a nossa razão não é tão poderosa assim, no fim das contas. O pós-modernismo é uma reação excessiva aos excessos do racionalismo
Eu: Ficamos em cima do muro [rsrs].
André: Bom, quem construiu o muro foram eles, e só eles ficam de um lado ou de outro. Nós pulamos o muro sempre que dá vontade... hehe...
Eu: Sei... Foi só brincadeira, para não parecer que somos bons demais, apesar de sermos [rsrs].
André: hehehe... Mas isso torna nossa situação confortável. A gente fica assistindo de camarote a briga entre os dois, e rindo dos dois. Mas o meu interesse é em procurar na própria evidência cientifica indícios de suas limitações. Por exemplo, eu creio que o método cientifico não é capaz de fornecer informações confiáveis sobre a origem das coisas. E desconfio que talvez nem de quando elas surgiram. E essa hipótese conflitaria com o que crêem quase todos os cientistas criacionistas, e todos os evolucionistas, naturalmente. Mas é o tipo de coisa que eu gostaria de investigar.
Eu: Os cientistas criacionistas erram ao apelar para o evidencialismo da ciência?
André: Não de todo. Mas em alguns aspectos, sim. Porque apontar contradições entre a evidencia cientifica e a visão evolucionista é um procedimento legitimo. Mas os criacionistas frequentemente caem no erro de idolatrar a ciência tanto quanto seus adversários.
Eu: Como sair desse beco sem saída? Voltar à Escritura? Você é pressuposicionalista e escrituralista?
André: Eu comentei um exemplo, nítido dessa idolatria num livro criacionista aqui: "Um mundo com significado". Sugiro que dê uma olhadinha depois.
 Eu: Vou ler. E prometo que vou entender [rsrs]
André: Se não entender, pergunte desta vez...hehehe... Eu não me considero pressuposicionalista por não ter ainda entendido bem as implicações disso. E tenho algumas dúvidas sobre algumas posturas de alguns pressuposicionalistas eminentes. Mas eu simpatizo com vários pontos importantes. Um outro post que pode lhe interessar, relacionado ao nosso assunto, é este aqui: "História da mentalidade científica".
Eu: Gosto da idéia, sem entender muito bem. Não achei uma definição clara de pressuposicionalismo; ao menos, que me satisfizesse.
André: De qualquer forma, acho que a solução vai nessa direção sim, no sentido de se identificar os pressupostos mais arraigados na moderna concepção de ciência e verificar se são bíblicos ou não. E se sua má aplicação leva a absurdos identificáveis.
Eu: É uma boa definição. E entendi, acho...
André: hehehe... Mas não quero ficar só no negativo. Construir algo também será bom. Existem muitas outras maneiras possíveis de encarar a natureza além da ciência moderna. Aristóteles tinha uma interessante. Os muçulmanos medievais e outros povos tradicionais tinham outra. Sem dúvida a ciência moderna é melhor que tudo isso em alguns aspectos. Mas creio que não em todos.
Uma visão integralmente cristã da natureza deveria conter o que há de verdadeiro em cada uma delas, e talvez outras coisas que não estão expressas em nenhuma.
Eu: Entendi a primeira parte, não a segunda.
André: "e talvez outras coisas que não estão expressas em nenhuma."?
Eu: sim
André: Eu quis dizer apenas que talvez alguns aspectos de uma visão correta da natureza tenham escapado a todas essas visões não-cristãs.
Eu: Certamente.
André: Os perenialiastas, por exemplo, têm criticas muito boas à ciência moderna, mas também não dá pra aceitar integralmente o que eles propõem como alternativa; que é basicamente uma maluquice mística.
Eu: Existe o perenialismo cristão? Li, não sei onde, que Agostinho e Aquino seriam perenialistas
André: Cristão entre aspas, existe sim. Conheço vários perenialistas católicos e ortodoxos. Quanto a Agostinho e Aquino, eu acho pouco provável. Mas já ouvi esses papos.
Eu: Eu li sobre isso, mas não me lembro mais o que é. Lembro que tinha umas boas perguntas para lhe fazer, mas esqueci... O que é perenialismo?
André: Perenialismo é uma teoria ou escola de pensamento religioso que diz que todas as grandes religiões são de origem divina e são meios validos de "realização espiritual" (eles adoram essa expressão).
Eu: Ah... lembrei-me, é algo como o ecumenismo... Ao menos, fiz associação com o ecumenismo... No sentido de tudo levar a Deus e vir de Deus.
André: É uma espécie de ecumenismo sim, mas de um tipo muito particular. É um ecumenismo intelectualmente refinado e de tipo tradicional. E é ecumênico com restrições. Nao é QUALQUER religião que serve. Apenas as grandes religiões, as que fundaram civilizações, e tal. E o perenialismo tem toda uma teoria sobre como as tradições místicas de todas essas tradições convergem.
Eu: É pragmático.
André: Como assim?
Eu: Só servem as religiões que deram certo. Ou mais certo... Vamos conversar sobre o perenialismo; fiquei intrincado com o negócio, e vou ver se me lembro das questões que tinha para lhe perguntar.
André: ok
Eu: Boa noite! Manda um abração para a Norma.
André: Boa noite! Mando, sim. Abraços


Nota: 1- A foto acima é do André com sua esposa, Norma Braga.
2- Além do "Retratos por Escrito", o André escreve, juntamente com a Norma, o blog de livros  "Tamos Lendo" 

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