sábado, 12 de fevereiro de 2011

Predestinação em Gênesis 4


"Por que Deus não se agradou de Caim?
  Por Jorge Fernandes Isah

Estou às voltas, esta semana, com a leitura do livro de Gênesis; e ao ler o capítulo 4, veio-me a questão: Por que Deus não se agradou da oferta de Caim, e se agradou da oferta de Abel?

A maioria tem como explicação o fato do sacrifício de Abel ter sido com sangue e o de Caim não; levando-se a crer que o fato de Abel ter escolhido dos primogênitos das suas ovelhas e das suas gorduras [indicando morte, sacrifício de inocentes, sangue derramado; assim como o próprio Deus sacrificou animais para, com suas peles, cozer roupas que escondessem a nudez do casal primevo], remetiam ao futuro, como “sombras” a indicar o sacrifício de Cristo na cruz do Calvário, como o Primogênito de Deus, o Cordeiro imaculado, inocente, que derramou o seu sangue para que muitos fossem salvos e tivessem seus pecados expiados, milhares de anos depois.

Entendo que essa conclusão é parcialmente correta. Ela aponta para a necessidade da morte como forma de se pagar os pecados; sendo o justo aquele que remirá o seu povo e, somente assim, ele será purificado de suas iniqüidades e libertado da condenação. Mas, ainda algo persiste em fustigar a mente: os irmãos sabiam como ofertar a Deus ou não? 

Há os que entendem que ambos sabiam a maneira correta; mas, ao meu ver, não. O texto não traz nenhuma referência de como eles deveriam agradá-lo; se conheciam ou não, de antemão, como ofertar-lhe; apenas nos revela que:

a)     Eva deu à luz a Caim, e depois a seu irmão Abel [V.1-2];

b)     Abel foi pastor de ovelhas; e Caim, lavrador da terra [v.2];

c)     Caim trouxe do fruto da terra, e Abel tomou dos primogênitos das suas ovelhas e da sua gordura, como ofertas a Deus.

Um adendo interessante, que pode nem mesmo ser relevante, é o da Bíblia informar o nascimento na ordem de primogenitura: Caim e depois Abel. Um pouco mais à frente, ela cita a profissão de Abel, como pastor, para, em seguida, citar a de Caim, lavrador. Mais um pouco e temos Caim ofertando primeiramente que Abel, e este o seguiu, talvez respeitando alguma preeminência que o irmão mais velho teria, de tal forma que somente após a sua oferta, Abel pode fazê-lo também. O que me leva a crer que a ambos não foi ordenado como agradar a Deus, e de que as suas atitudes foram naturais, espontâneas, de levarem a Deus o produto de suas atividades, daquilo que produziam, e que lhes era inerente às vidas e habilidades; sem que pudessem agir de maneira diferente, a não ser Caim dar dos frutos do seu trabalho e, também, Abel.[2]

Ambos parecem sinceros, dispostos a agradar a Deus e, ao menos em princípio, descartarei a possibilidade de qualquer inclinação rebelde ou má da parte do primogênito de Adão. Numa perspectiva humana, queriam o melhor, dar o que tinham de melhor, tanto de si mesmos como dos seus esforços. Agradar ao Senhor era uma forma de recompensa pelos seus trabalhos, pelo suor dos seus rostos, o que é indicativo de esmero e dedicação para com as ofertas, mesmo que a gratidão não fosse a mola-mestra que os levasse a reconhecer o bem que Deus lhes proporcionou [ao menos, no caso de Caim, isso é possível, como uma inferência. Ele queria se ver reconhecido por estar "dando" a Deus o fruto do seu suor, o melhor que tinha para dar, o que tornaria a sua motivação em auto-idolatria, ao não reconhecer o Senhor como aquele que lhe deu e capacitou-o a dar].

Outra defesa que muitos advogam para Abel é de que ele era justo, por isso sua oferta foi justificada diante de Deus, ao contrário do seu irmão. E isso é uma verdade. Deus aceitou o seu sacrifício porque ele ofereceu algo maior do que Caim [Hb 11.4], pela fé, e se a fé é um dom de Deus [Ef 2,8], o próprio Senhor propiciou-o a dar na medida correta, exatamente aquilo que seria do seu agrado. 

Não é interessante que Caim poderia ser Abel? Se houvesse uma roleta a determinar aleatoriamente a personalidade e a identidade das pessoas? Poderia ser ele a pastorear ovelhas, enquanto o caçula a lavrar a terra, o que mudaria o curso da história, a partir da mudança dos seus personagens? Contudo, aprouve a Deus, em sua soberania, predestinar Abel e Caim para que cumprissem os seus eternos propósitos, de maneira que os acontecimentos transcorressem assim como havia planejado; remetendo-me à questão apontada no item “b”, de que a primogenitura foi tirada de Caim e entregue a Abel.

Alguém poderá dizer que o fato da Bíblia citar o trabalho de Abel primeiro é simples coincidência. Como não acredito em sorte, azar, acaso e coincidências, mas apenas na providência divina de realizar tudo segundo o seu santo e eterno decreto, a citação é indicativa de que também a profissão foi um fator determinante para a oferta ser agradável ou não a Deus. Quando o Senhor predestinou Abel para pastor, ele o fez com a nítida certeza de que ele e sua  oferta o agradariam, e não o outro. Ao determinar que Caim seria lavrador, sua oferta já estava rejeitada, muito antes do mundo ser mundo, e de Adão vir a habitá-lo. Deus providenciou que tudo se cumprisse convenientemente para que Abel o agradasse, e Caim não. Fazendo uma analogia com Esaú e Jacó [Rm 9.13], podemos dizer, sem dúvidas, que Deus amou a Abel e odiou a Caim. 

Pode-se argumentar que a minha analogia está errada? Por que Paulo está a falar de eleição para a salvação, e de que Deus escolheu-os antes de fazerem o bem ou o mal? A aplicação da teologia de Paulo serve para todos, sem exceção, em todos os tempos. E, por isso, cabe muito bem aqui. Pois é-nos dito que Abel era justo [Hb 11.4], assim como Caim era corrupto, ímpio [Jd 11]. Ainda pode-se alegar que o tipo de oferta, se de sangue ou da terra, é que definiu o agradar a Deus ou não. Há de se lembrar que Deus aceitava ofertas voluntários de gado, ovelhas e cereais [Lv 1 e 2], nada impedindo que Caim ofertasse dos frutos da terra, anulando assim o argumento. A questão se volta então para Caim. Se o problema não foram os frutos, então a rejeição de Deus recaiu sobre ele. 

Como cristãos bíblicos, reconhecemos que Deus controla todas as coisas, visíveis e invisíveis, inclusive a nossa vontade; portanto Abel e Caim cumpriram o eterno propósito divino de conduzir a história em perfeição e sabedoria, a seu termo, segundo a vontade e o decreto eterno de Deus. Não importa se Deus lhes entregou regras de como ofertar; nem se Abel sabia e Caim não. Isso é irrelevante, pois não invalida em nada a decisão de Deus se agradar de um e não se agradar do outro. O texto quer deixar evidente e nos assegurar de que Deus se agradou de Abel e não se agradou do seu irmão. 

Pausa.
Caim poderia ter aprendido uma grande lição, a de como se submeter a Deus; de como se sujeitar; de, seguindo o exemplo do seu irmão, Deus se agradar dele. Porém, em seu orgulho e tolice, ele se irou fortemente, ao ponto de descair-lhe o semblante [v.5]. Estava nítido o desagrado de Deus para consigo, e o Senhor lho manifestou. Bastaria reconhecer o seu erro e fazer a coisa certa dali em diante [o que confirma a irrelevância das regras, nesse caso].

Ao matar o seu irmão, Caim como que queria dizer ao Senhor: “Não se agradou da minha oferta? Nem de mim? Agora terá de se contentar, pois não terá outra a ser-lhe oferecida; não há mais Abel, nem o sacrifício de Abel, ambos morreram. Ou se agradará de mim ou de mais ninguém”. De certa forma Caim queria que Deus se adequasse ao seu padrão moral, demonstrando não estar disposto ao contrário.

Após o assassinato, Deus perguntou-lhe sobre Abel. Caim disse: "Não sei; Por acaso sou guardador do meu irmão?" [v. 9]. Além de homicida, ele se tornou mentiroso; demonstrou arrogância, irreverência, petulância e um tom desafiador. Como está escrito: “Um abismo chama outro abismo” [Sl 42.7]... Caim experimentou, em sucessão,  várias formas de pecado a partir do orgulho de não reconhecer a vontade divina, e de que o afrontara com a sua iniquidade. E este é outro assunto a ser abordado, o fato de que Deus é quem define o pecado. Ele estabeleceu o padrão moral a ser seguido e o imoral a não ser seguido. Desta forma, Caim não está isento da responsabilidade, pelo contrário, ele é o responsável por Deus não se agradar da sua oferta, da mesma forma que Abel foi responsável por Deus se agradar da sua. Uma coisa que temos de entender é que a autoridade divina é a única a estabelecer o que é e o que não é; o que tem de ser feito e o que não tem ser feito; quem é justo e injusto; e ninguém pode inquiri-lo sobre isso, ou acusá-lo, sob pena de acumular delitos contra si mesmo.

Caim queria ser aceito, e não aceitou um não como resposta; não reconheceu seu erro, e de que não procedera corretamente, pois não foi admitido por Deus exatamente por não fazer o bem, antes o pecado estava a bater-lhe à porta, como lhe foi dito, e sobre o seu desejo de proceder mal deveria ter dominado [v.7]. Mas sabemos que o coração ímpio é incontrolável em buscar o mal [Pv  21.10]; por isso, de uma forma obstinada, Caim queria ser justificado, mas é Deus quem justifica [Rm 8.33]. Em sua dureza e cegueira, cobiçou a honra que não podia obter por seus próprios meios; fez-se provocador; culminando em receber a justa condenação de Deus: “Agora maldito és tu desde a terra... quando lavrares a terra, não te dará mais a sua força; fugitivo e vagabundo serás na terra” [v.11,12]. Caim se tornou em um homem sem arrependimento, sem amor, sem temor, e por isso foi expulso de diante da face do Senhor [v.16].
Fim da pausa.

Ainda fica a dúvida: Mas Deus não seria injusto por rejeitar a oferta de Caim, sem lhe mostrar o padrão que o agradaria? Nesse caso Caim não seria desobediente, não poderia fazer nada a respeito. Porém, a questão não é se Caim obedeceu ou não, mas se Caim agradou ou não a Deus. E não agradou; mas coube a Abel satisfazer ao Senhor, mesmo desconhecendo também o padrão que o Senhor desejava. Importa-nos saber que Deus não aprovou a sua oferta; importa-nos saber que Deus não aprovou a Caim, antes mesmo de desaprovar a oferta, pois como diz o texto: "Mas para Caim e para a sua oferta não atentou"[v.5]. E, no final, é isso que conta. Pois assim Deus se agradou de Abel e não do seu irmão; de tal forma que Abel, desde antes do seu nascimento estava predestinado a ser o pastor de ovelhas [tipo do Senhor Jesus em sua morte de sangue também] e a sacrificá-las, e a tomar-lhes a gordura, e oferecê-la aprazivelmente a Deus. Da mesma forma que predestinou Caim a ser um lavrador, a tomar dos frutos da terra para ofertar ao Senhor, irar-se, matar o seu irmão, ser amaldiçoado por Deus, e apascentar a si mesmo, seguindo o mesmo caminho do maligno.

Este é um exemplo bíblico de predestinação; revelando o poder divino de, segundo a sua vontade, operar na vida, como também na morte.

Nota: [1] Agradeço a irmã Joelma Rocha, do blog "Verdade no Coração" pelas dicas que me ajudaram a desenvolver o tema.
[2] Seguindo esse raciocínio, caso Abel fosse oleiro e Caim um caçador, as suas ofertas respectivamente seriam um vaso e um animal abatido. E, nesse caso, quem agradaria a Deus?

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