segunda-feira, 13 de junho de 2011

Disciplina & Sofrimento




Por Jorge Fernandes Isah



Continuando a meditação no Salmo 30, dissemos na semana passada que este é um cântico de louvor e agradecimento, mas também de súplica, de clamor de Davi a Deus. 


Os quatro primeiros versos foram de agradecimento a Deus por tê-lo livrado das mãos de seus inimigos. De forma que ele conclamou todos os santos a bendizer e louvar o Senhor. 

No verso 5 é-nos dito que mesmo passando por tribulações e dores, Deus age em nossos corações trazendo a certeza da esperança, a confiança de que um dia nossas lágrimas serão enxugadas.

Chegamos então ao versículo 6: "Eu dizia na minha prosperidade: Não vacilarei jamais". Davi reconheceu a sua presunção e autoconfiança, nos dias em que não havia aflição, nem angústia, nem privações; de que pelo seu esforço, capacidade e dons, não cairia dessa condição. Ele se orgulhava do quanto havia conquistado, de como era próspero e não necessitava de nada. 

Aqui temos o relato de um homem que, em sua soberba, reputou que não seria abalada a sua felicidade. Ele se considerou autônomo, independente, de tal forma que não considerou que tudo o que tinha era pelo favor de Deus para consigo mesmo. 

Provavelmente Davi se considerou um homem forte, inabalável, poderoso, rico, trazendo-lhe a falsa ideia de que tudo o que conquistou era fruto exclusivamente do seu talento em obtê-los. Entre todos os pecados, o seu maior pecado, o qual confessou neste verso, foi acreditar na sua independência de Deus, não reconhecendo que o Senhor era quem, por sua providência, havia tornando-o em um homem próspero.

Vejamos o que Paulo tem a nos dizer em 2 Co 12.

Paulo foi arrebatado até o paraíso, e lá ouviu, como mesmo disse, "palavras inefáveis, que ao homem não é lícito falar" [v.4]Provavelmente, Paulo se orgulhou de ser escolhido para ver e ouvir o que viu e ouviu no paraíso, e que mais ninguém viu e ouviu. Talvez tenha se considerado um homem especial, até mesmo um super-homem, envaidecido-se, e se ensoberbecido com o privilégio que havia recebido de Deus. 

Por isso, Deus lhe deu um "espinho na carne", um mensageiro de Satanás para o esbofetear, a fim de não se exaltar [v.7]

Foi o que Deus fez com Davi. Fortaleceu-o, fez forte a sua montanha, para depois encobrir dele o seu rosto. Deus acrescentou à vida de Davi tudo o que era-lhe necessário e muito mais, de forma que ele se sentiu como uma montanha, inexpugnável. 

Então, Deus retirou-lhe o favor, como se o deixasse à própria sorte, de maneira que Davi se perturbou, e pode reconhecer a dependência que tinha de Deus [v.7]

Foi necessário que Deus disciplinasse Davi, porque ele disciplina aquele que ama, como está escrito: "Filho meu, não desprezes a correção do Senhor, e não desmaies quando por ele fores repreendido; porque o Senhor corrige o que ama, e açoita a qualquer que recebe por filho" [Hb 12.5-6].

O salmista pode então reconhecer que era fraco, que nada do que supunha ser pelo seu poder era-o de fato. Pode reconhecer que sem Deus, sem a sua providência, misericórdia e graça, ele não passava de um homem "desgraçado, e miserável, e pobre, e cego, e nu" [Ap 3.17]

Ele suportou a correção, porque estava sem disciplina; e, por isso, clamou e suplicou a Deus por misericórdia, para que Deus retirasse o castigo, tirasse a vara dos seus lombos: "A ti, Senhor, clamei, e ao Senhor supliquei" [v.8]

Assim como ele, Paulo também orou três vezes a Deus para que o "espinho" fosse desviado dele [2Co 12.8].

Davi, novamente, se sentiu como morto; havia a iminência de morte, pois ele reconheceu que sem Deus, a vida não é possível; a vida é impossível; sem Deus, ele não passaria de um inútil, carne e sangue e ossos mortos, lançados numa cova, e que não teriam proveito algum [v.9]

E, ao fazê-lo, reconheceu a sua pequenez, e de como fora tolo por considerar a sua força aparte de Deus; e constatar que a vida está presente no homem somente quando ele tem comunhão com Deus, somente quando ele o serve, em adoração e louvor; em Espírito e em verdade. 

Creio que Davi quis dizer o mesmo que Paulo, ainda que não tenha usado as mesmas palavras do apóstolo: "Fui néscio em gloriar-me" [2Co 12.11]. Por isso, ele clamou a Deus para que lhe fosse devolvida a vida, pois estava morto em si mesmo, e, assim, como poderia adorá-lo e louvá-lo? Como anunciaria ele a tua verdade? [v.9].

Mais uma vez, o salmista clama a Deus por vida, pelo perdão, pela misericórdia, para que Deus se apiedasse dele e, enfim, o auxilasse, e o curasse: "Ouve, Senhor, e tem piedade de mim, Senhor; sê o meu auxílio" [v.10]

Um pequeno aparte: Davi nos deu o testemunho de como devemos estar dispostos e prontos a nos arrepender diante de Deus, constantemente, a cada momento, por nossos pecados, buscando o seu perdão. 

O fato de nos considerarmos fortes e suficientes em nossa convicção de que jamais cairemos, como o salmista acreditou, apenas nos fará reconhecer a queda depois que quebrarmos a cara no chão. 

Paulo nos diz, sabiamente, que "aquele, pois, que cuida estar em pé, olhe não caia" [1Co 10.12]

Davi tomou um tombo enorme; ele caiu do alto da sua presunção, do alto do seu orgulho e arrogância, e não viu o chão até bater-lhe a cara. Mas, ao invés de praguejar e murmurar, colocando a culpa em Deus, reconheceu o seu erro e a necessidade de se arrepender.

Num momento, em que, cada vez mais, os cristãos estão indolentes, insensíveis, diante da obrigação de cumprir os preceitos divinos; cada vez mais queixosos e rebeldes; cada vez mais orgulhosos e abusados em cobrar de Deus seus supostos direitos, o salmista nos deu um grande exemplo de submissão e
de aceitação das suas fraquezas. Não por estar resignado a elas, como se dissesse: "Sou assim, não posso fazer nada! Vou-me conformar com o que sou e viver o que sou. Nasci assim, vou morrer assim".

Esta é a fala de um tolo, do estúpido, que ao invés de se arrepender e buscar a graça divina, contenta-se em se exaltar e se conformar em seus próprios pecados. Como se  o pecado pudesse ser bênção, aceito e não rejeitado.

Pelo contrário, Davi, ao compreender suas fraquezas e desatino, pode se alegrar no sustento que Deus lhe deu, em como o fortaleceu, de tal forma 
que se cumpriu nele a palavra de que o Senhor transformaria todo o pranto em gozo, e em lugar da tristeza daria consolo e alegria [Jr 31.13].

É o que o salmista nos diz no verso 11: "Tornaste o meu pranto em folguedo; desatastes o meu pano de saco, e me cingiste de alegria".

É possível que, mesmo no sofrimento, nas tristezas, em nossas fraquezas, possamos glorificar e louvar a Deus por elas. Porque nelas temos a prova da nossa fé, purificada, mais preciosa do que o ouro, por amor de Cristo [1Pe 1.6-7]

Aqueles que precisam dos sinais para se ter fé, na verdade, não a têm, porque a fé é o firme fundamento das coisas que se esperam, e a prova das coisas que se não vêem [Hb 11.1]

Assim, Paulo nos diz: 
"De boa vontade, pois, me gloriarei nas minhas fraquezas, para que em mim 
habite o poder de Cristo.Por isso sinto prazer nas fraquezas, nas injúrias, nas 
necessidades, nas perseguições, nas angústias por amor de Cristo. Porque 
quando estou fraco então sou forte" [2Co 12.9-10]. 

Nem sempre as aflições e angústias da vida vêem por causa de um pecado
específico. Nem sempre são punições por algum erro específico. Certo
é que, como pecadores, deveríamos sofrer não somente os castigos
incessantes, mas a pior de todas as punições: não ter comunhão com o
bom Deus. Não temos direito à paz, à felicidade, ao gozo e à alegria. Isso não
nos pertence por direito. Mas nos é dado por Deus pelo seu favor, por sua
graça e infinita misericórdia. Pelo amor com que nos amou; o amor pelo
qual deu o seu Filho unigênito para nos resgatar para si. 

Não temos direito algum a não ser o direito à morte. Mas pela eterna bondade
de Deus foi-nos abolido esse direito; na cruz, Cristo pagou por nossos pecados
e passamos a ter, por sua exclusiva graça, o direito à vida que não tínhamos. 

Davi e Paulo foram afligidos por causa da tolice humana, a mesma tentativa
iniciada no Éden e que nos quis alçar ao nível de Deus, e até mesmo nos
colocar em seu lugar, nos fazendo como ele. Foi assim com Satanás e seus
demônios. Foi assim com Adão e Eva. Foi assim conosco. Mas como o
apóstolo nos disse, quem somos nós para dizer a Deus o que ele deve
fazer? Ouçamos a sua voz: "Porque, quem compreendeu a mente do Senhor?
ou quem foi seu conselheiro? Ou quem lhe deu primeiro a ele, para que lhe seja 
recompensado? Porque dele e por ele e para ele, são todas as coisas; 
glória, pois a ele eternamente. Amém" [Rm 11.34-36].

Muitas tribulações acontecerão na vida do crente; e nem todas entenderem
os, mas em todas Deus tem um propósito definido, santo, perfeito. E
qual é ele? Nos santificar, nos conformar à imagem do seu Filho Amado, Jesus
Cristo, o qual foi rejeitado, desprezado e homem de dores [Is 53.3]. Se o
Senhor sofreu, sem merecer, o justo pagando pelos injustos, por que havemos
de reclamar do sofrimento quando somos injustos e merecemos o justo castigo?

Mas, é quando o Senhor entra em ação, e nos liberta da injustiça, fazendo-
nos justos pela justiça de Cristo. Para que, como Davi, não nos calemos. Para
 que, mesmo fracos, como Davi, sejamos fortes. Para que o louvemos, como
Davi. Para que, como Davi, a glória que nos foi dada por Deus seja para o
louvor do seu nome; e, para que nele, o nosso coração se regozije, e a
nossa carne e espírito repousem seguros em tuas santas e benditas mãos.  

Sermão pregado em 01.06.2011. 

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