Por Jorge Fernandes Isah
Continuando a meditação no Salmo 30, dissemos na semana passada que este é um
cântico de louvor e agradecimento, mas também de súplica, de clamor de Davi a
Deus.
Os quatro primeiros versos foram de agradecimento a Deus por
tê-lo livrado das mãos de seus inimigos. De forma que ele conclamou todos os
santos a bendizer e louvar o Senhor.
No verso 5 é-nos dito que mesmo passando por tribulações e dores,
Deus age em nossos corações trazendo a certeza da esperança, a confiança de que
um dia nossas lágrimas serão enxugadas.
Chegamos então ao versículo 6: "Eu dizia na minha
prosperidade: Não vacilarei jamais". Davi reconheceu a sua presunção e
autoconfiança, nos dias em que não havia aflição, nem angústia, nem privações;
de que pelo seu esforço, capacidade e dons, não cairia dessa condição. Ele se orgulhava do quanto havia
conquistado, de como era próspero e não necessitava de nada.
Aqui temos o relato de um homem que, em sua soberba, reputou que
não seria abalada a sua felicidade. Ele se considerou autônomo, independente,
de tal forma que não considerou que tudo o que tinha era pelo favor de Deus
para consigo mesmo.
Provavelmente Davi se considerou um homem forte, inabalável,
poderoso, rico, trazendo-lhe a falsa ideia de que tudo o que conquistou era
fruto exclusivamente do seu talento em obtê-los. Entre
todos os pecados, o seu maior pecado, o qual confessou neste verso, foi
acreditar na sua independência de Deus, não reconhecendo que o Senhor era quem,
por sua providência, havia tornando-o em um homem próspero.
Vejamos o que Paulo tem a nos dizer em 2 Co 12.
Paulo foi arrebatado até o paraíso, e lá ouviu, como mesmo
disse, "palavras inefáveis, que ao homem não é lícito falar"
[v.4]. Provavelmente,
Paulo se orgulhou de ser escolhido para ver e ouvir o que viu e ouviu no
paraíso, e que mais ninguém viu e ouviu. Talvez tenha se considerado um homem
especial, até mesmo um super-homem, envaidecido-se, e se ensoberbecido com o
privilégio que havia recebido de Deus.
Por isso, Deus lhe deu um "espinho na carne",
um mensageiro de Satanás para o esbofetear, a fim de não se exaltar [v.7].
Foi o que Deus fez com Davi. Fortaleceu-o, fez forte a sua
montanha, para depois encobrir dele o seu rosto. Deus acrescentou à vida de
Davi tudo o que era-lhe necessário e muito mais, de forma que ele se sentiu
como uma montanha, inexpugnável.
Então, Deus retirou-lhe o favor, como se o deixasse à própria
sorte, de maneira que Davi se perturbou, e pode reconhecer a dependência que
tinha de Deus [v.7].
Foi necessário que Deus disciplinasse Davi, porque ele disciplina
aquele que ama, como está escrito: "Filho meu, não desprezes a
correção do Senhor, e não desmaies quando por ele fores repreendido; porque o
Senhor corrige o que ama, e açoita a qualquer que recebe por filho" [Hb
12.5-6].
O salmista pode então reconhecer que era fraco, que nada do que
supunha ser pelo seu poder era-o de fato. Pode reconhecer que sem Deus, sem a
sua providência, misericórdia e graça, ele não passava de um homem "desgraçado,
e miserável, e pobre, e cego, e nu" [Ap 3.17].
Ele suportou a correção, porque estava sem disciplina; e, por
isso, clamou e suplicou a Deus por misericórdia, para que Deus retirasse o
castigo, tirasse a vara dos seus lombos: "A ti, Senhor, clamei, e
ao Senhor supliquei" [v.8].
Assim como ele, Paulo também orou três vezes a Deus para que o
"espinho" fosse desviado dele [2Co 12.8].
Davi, novamente, se sentiu como morto; havia a iminência de morte,
pois ele reconheceu que sem Deus, a vida não é possível; a vida é impossível;
sem Deus, ele não passaria de um inútil, carne e sangue e ossos mortos,
lançados numa cova, e que não teriam proveito algum [v.9].
E, ao fazê-lo, reconheceu a sua pequenez, e de como fora tolo por
considerar a sua força aparte de Deus; e constatar que a vida está presente no
homem somente quando ele tem comunhão com Deus, somente quando ele o serve, em
adoração e louvor; em Espírito e em verdade.
Creio que Davi quis dizer o mesmo que Paulo, ainda que não tenha
usado as mesmas palavras do apóstolo: "Fui néscio em
gloriar-me" [2Co 12.11]. Por isso, ele clamou a Deus para que lhe
fosse devolvida a vida, pois estava morto em si mesmo, e, assim, como poderia
adorá-lo e louvá-lo? Como anunciaria ele a tua verdade? [v.9].
Mais uma vez, o salmista clama a Deus por vida, pelo perdão, pela
misericórdia, para que Deus se apiedasse dele e, enfim, o auxilasse, e o
curasse: "Ouve, Senhor, e tem piedade de mim, Senhor; sê o meu
auxílio" [v.10].
Um pequeno aparte: Davi nos deu o testemunho de como devemos estar
dispostos e prontos a nos arrepender diante de Deus, constantemente, a cada
momento, por nossos pecados, buscando o seu perdão.
O fato de nos considerarmos fortes e suficientes em nossa
convicção de que jamais cairemos, como o salmista acreditou, apenas nos fará
reconhecer a queda depois que quebrarmos a cara no chão.
Paulo nos diz, sabiamente, que "aquele, pois, que
cuida estar em pé, olhe não caia" [1Co 10.12].
Davi tomou um tombo enorme; ele caiu do alto da sua presunção, do
alto do seu orgulho e arrogância, e não viu o chão até bater-lhe a
cara. Mas, ao invés de praguejar e murmurar, colocando a culpa em Deus,
reconheceu o seu erro e a necessidade de se arrepender.
Num momento, em que, cada vez mais, os cristãos estão indolentes,
insensíveis, diante da obrigação de cumprir os preceitos divinos; cada vez mais
queixosos e rebeldes; cada vez mais orgulhosos e abusados em cobrar de Deus
seus supostos direitos, o salmista nos deu um grande exemplo de submissão e
de aceitação das suas fraquezas. Não por estar resignado a elas, como se dissesse: "Sou assim, não posso fazer nada! Vou-me conformar com o que sou e viver o que sou. Nasci assim, vou morrer assim".
de aceitação das suas fraquezas. Não por estar resignado a elas, como se dissesse: "Sou assim, não posso fazer nada! Vou-me conformar com o que sou e viver o que sou. Nasci assim, vou morrer assim".
Esta é a fala de um tolo, do estúpido, que ao invés de se
arrepender e buscar a graça divina, contenta-se em se exaltar e se conformar em
seus próprios pecados. Como se o pecado pudesse ser bênção, aceito e não
rejeitado.
Pelo contrário, Davi, ao compreender suas fraquezas e desatino,
pode se alegrar no sustento que Deus lhe deu, em como o fortaleceu, de tal
forma
que se cumpriu nele a palavra de que o Senhor transformaria todo o pranto em gozo, e em lugar da tristeza daria consolo e alegria [Jr 31.13].
que se cumpriu nele a palavra de que o Senhor transformaria todo o pranto em gozo, e em lugar da tristeza daria consolo e alegria [Jr 31.13].
É o que o salmista nos diz no verso 11: "Tornaste o
meu pranto em folguedo; desatastes o meu pano de saco, e me cingiste de
alegria".
É possível que, mesmo no sofrimento, nas tristezas, em nossas
fraquezas, possamos glorificar e louvar a Deus por elas. Porque nelas temos a
prova da nossa fé, purificada, mais preciosa do que o ouro, por amor de
Cristo [1Pe 1.6-7].
Aqueles que precisam dos sinais para se ter fé, na verdade, não a
têm, porque a fé é o firme fundamento das coisas que se esperam, e a prova das
coisas que se não vêem [Hb 11.1].
Assim, Paulo nos diz:
"De boa vontade,
pois, me gloriarei nas minhas fraquezas, para que em mim
habite o poder de Cristo.Por isso sinto prazer nas fraquezas, nas injúrias, nas necessidades, nas perseguições, nas angústias por amor de Cristo. Porque quando estou fraco então sou forte" [2Co 12.9-10].
Nem sempre as aflições e
angústias da vida vêem por causa de um pecado
específico. Nem sempre são punições por algum erro específico. Certo é que, como pecadores, deveríamos sofrer não somente os castigos incessantes, mas a pior de todas as punições: não ter comunhão com o bom Deus. Não temos direito à paz, à felicidade, ao gozo e à alegria. Isso não nos pertence por direito. Mas nos é dado por Deus pelo seu favor, por sua graça e infinita misericórdia. Pelo amor com que nos amou; o amor pelo qual deu o seu Filho unigênito para nos resgatar para si.
Não temos direito algum
a não ser o direito à morte. Mas pela eterna bondade
de Deus foi-nos abolido esse direito; na cruz, Cristo pagou por nossos pecados e passamos a ter, por sua exclusiva graça, o direito à vida que não tínhamos.
Davi e Paulo foram
afligidos por causa da tolice humana, a mesma tentativa
iniciada no Éden e que nos quis alçar ao nível de Deus, e até mesmo nos colocar em seu lugar, nos fazendo como ele. Foi assim com Satanás e seus demônios. Foi assim com Adão e Eva. Foi assim conosco. Mas como o apóstolo nos disse, quem somos nós para dizer a Deus o que ele deve fazer? Ouçamos a sua voz: "Porque, quem compreendeu a mente do Senhor? ou quem foi seu conselheiro? Ou quem lhe deu primeiro a ele, para que lhe seja recompensado? Porque dele e por ele e para ele, são todas as coisas; glória, pois a ele eternamente. Amém" [Rm 11.34-36].
Muitas tribulações acontecerão na vida do crente;
e nem todas entenderem
os, mas qual é ele? Nos santificar, nos conformar à imagem do seu Filho Amado, Jesus Cristo, o qual foi rejeitado, desprezado e homem de dores [Is 53.3]. Se o Senhor sofreu, sem merecer, o justo pagando pelos injustos, por que havemos de reclamar do sofrimento quando somos injustos e merecemos o justo castigo?
Mas, é quando o Senhor
entra em ação, e nos liberta da injustiça, fazendo-
nos justos pela justiça de Cristo. Para que, como Davi, não nos calemos. Para que, mesmo fracos, como Davi, sejamos fortes. Para que o louvemos, como Davi. Para que, como Davi, a glória que nos foi dada por Deus seja para o louvor do seu nome; e, para que nele, o nosso coração se regozije, e a nossa carne e espírito repousem seguros em tuas santas e benditas mãos.
Sermão pregado em 01.06.2011.
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