quarta-feira, 30 de novembro de 2011

Estudo sobre a Confissão de Fé Batista de 1689 - Parte 9: A ideologia e a Crítica Textual unidas contra a autoridade da Bíblia




Por Jorge Fernandes Isah

UM ESCLARECIMENTO
A partir desta postagem, sempre que possível, colocarei o áudio da aula na E.B.D., como complemento ao texto, visto que, normalmente, o teor da aula nunca é idêntico ao do texto. Talvez pela inexperiência, falta de memória ou rigor metodológico, quase sempre os esboços e resumos que faço para apresentar na sala acabam por serem negligenciados, e nem todos os pontos previamente elaborados são abordados, e outros que sequer eu havia pensado são apontados e discutidos.

Por isso, já que depois de várias tentativas não consegui mudar o rumo do processo, decidi-me pela gravação do áudio e em publicá-lo juntamente com o texto. Creio que será de proveito tanto a leitura como a audição; mas as eventuais falhas detectadas devem ser apontadas a fim de serem corrigidas. Sugestões e críticas serão bem vindas, também.
Abraços.
Cristo o [a] abençoe!
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O TEXTO CRÍTICO E A DESCRENÇA
Esta aula será híbrida, pois nos remeterá a abordar parte do que já foi apresentado anteriormente, e servirá como uma introdução à sequência do nosso estudo. Tencionava iniciar o capítulo 2 da C.F.B, mas, durante a semana, acometido de uma infecção intestinal e tendo de ficar de "molho" na cama [com febre, dores de cabeça, cólicas "monstro" e diarreia] aventurei-me à leitura de um livro que já estava há algum tempo em minha estante, e que iniciei na 4a. feira. O livro é este que está em minhas mãos, e se chama "O Fascismo Moderno", de Gene Edward Veith Jr.[1]. Lá pela página 46, deparo-me com uma análise do autor sobre os intentos fascistas de adequar a igreja ao padrão ideológico do movimento. Apenas como detalhes, pois não entrarei em questões políticas, já que o objetivo das nossas aulas é completamente diferente, o fascismo foi um movimento que tomou conta das primeiras 50 décadas do século passado, originando o Nazismo alemão, através da figura diabólica de Adolf Hitler, o regime italiano capitaneado por Mussolini, e chegou até mesmo ao Brasil, pelas mãos do presidente Getúlio Vargas. O fascismo é visto como um movimento de direita, mas na verdade é um movimento revolucionário de esquerda, marxista, um irmão univitelino do socialismo, com diferenças na proposta internacionalizando deste contra a nacionalizante do primeiro. Ou seja, o socialismo quer um mundo completamente dominado pelo marxismo, sem se preocupar com fatores históricos, culturais ou raciais, enquanto o fascismo dispõe-se em fomentar o marxismo sem abrir mão das suas raízes históricas, culturais e raciais, de forma que tudo que se oponha a esse "caráter nacional" deva ser destruído.

Mas o que me chamou a atenção no presente livro foi a afirmação do autor de que, para que o fascismo tivesse sucesso, era necessário a reformulação da igreja, de tal forma que ela se submetesse à autoridade estatal, e fosse por ela ordenada. O problema não eram as religiões politeístas [adoração a vários deuses], deístas [creem em um deus criador mas impessoal, que "abandonou" a sua criação à própria sorte, não interferindo no universo]; nem no "cristianismo liberal" que relativizava tudo e não acreditava em nada além da certeza e convicção na descrença. O problema estava no Cristianismo ortodoxo que afirmava a transcendência de Deus [de que Deus transcende o universo, a criação, de forma que Deus não se mistura com a criação, como afirmam os panteístas, mas Deus é totalmente distinto dela, sendo, portanto, completamente independente dela, ainda que ele seja o seu soberano dominador], mas também a imanência divina, não como uma mistura entre Deus e as coisas criadas, mas entendidas como sendo ele o princípio de todas as coisas [o Criador], e quem as sustenta, as mantém segundo o seu propósito e vontade, como Paulo nos diz: "Porque nele vivemos, e nos movemos, e existimos; como também alguns dos vossos poetas disseram: Pois somos também sua geração [At 17.28]. Em outras palavras, transcendência quer dizer que Deus não é a criação, nem faz parte dela; e imanência de que Deus não somente é o Criador de todas as coisas, mas de que ele sustenta, cuida e mantêm-nas segundo o seu poder.

Com isso, o Cristianismo Bíblico quer dizer que Deus é onipotente e onipresente; e, de uma forma maravilhosa, a Segunda Pessoa da Trindade Santa, o Verbo, se encarnou, se fez homem, habitou entre nós, pelo seu amor, graça e misericórdia. E aqui temos dois problemas para aqueles que desejam destruir a Igreja: Cristo e a sua palavra.

Em todos os tempos, vemos sempre o ataque das hostes inimigas tanto ao nosso Senhor como à sua palavra. Nada, na história, foi tão combatido no Cristianismo como eles. E, por isso, devemos sempre duvidar, ou melhor, devemos sempre rechaçar e nos afastar de toda a forma que ao menos insinue a incompleta realidade e veracidade de ambos. O Cristianismo bíblico, ortodoxo, ou histórico, terá sempre como característica crer na ação de Deus na história, e jamais duvidar da narrativa verdadeira dos seus atos descritas na Bíblia [todos, sem exceção, tantos os triviais como os sobrenaturais]. Da mesma forma, jamais duvidar de Cristo, sendo ele o perfeito Deus e o perfeito homem. Este é o ponto central da fé cristã, sem isso, não há Cristianismo, pois se resumiria a um cristianismo sem Cristo e sem a revelação. E sabemos que Deus e a revelação se interrelacionam de tal forma que um não pode ser separado do outro. Qualquer tentativa nesse sentido é trabalhar para a descrença e a ruptura da fé.

Por isso, muitos estudiosos têm ódio da Reforma Protestante, porque, no momento em que Lutero afixou as 96 teses em Witterberg, a Bíblia foi novamente introduzida na cultura ocidental. E com ela temos de volta, preservada, a doutrina monoteísta, de que há apenas um Deus, e também um único Senhor, Jesus Cristo [1Co 8.6]. Não há a possibilidade de se soerguer outras divindades, sejam deuses, santos ou mesmo heróis. Esses artifícios malévolos não resistem e persistem ao Cristianismo bíblico. Então, há uma campanha, uma luta declarada em, cada vez mais, enfraquecer a doutrina da inspiração divina, inerrância e infabilidade da Escritura, pois é ela que nos revela Deus e sua vontade. De forma que é possível perceber o ataque a pessoa do Senhor Jesus Cristo [na verdade, a origem de todo o ataque à Bíblia] diminuir sensivelmente, e toda a artilharia inimiga concentrou-se no "front" da Bíblia. Os adversários consideraram estrategicamente mais eficiente combater e destruir o veículo pelo qual Cristo é conhecido e reconhecido como Deus e Senhor. E parece-me que os esforços desses homens repugnantes têm alcançado guarita nos corações daqueles que dizem amá-lo e servi-lo. Ainda que não assumam e reconheçam claramente essa atitude, seus corações estão impregnados de arrogância e soberba intelectual, que os impede de reconhecer esse pecado.

Veith Jr. utiliza o fascismo para fazer uma ponte ao trabalho secular de se destruir a autoridade da Bíblia. Ele diz: "O protestantismo bíblico era tão irreconciliável com o fascismo quanto o judaísmo... Se os fascistas pensavam que poderiam se apropriar do catolicismo, eles teriam de usar uma abordagem diferente com o protestantismo. Tomando a vantagem da estrutura doutrinária lassa da igreja protestante oficial, os fascistas tinham apenas de mudar sua teologia. Se eles pudessem eliminar a autoridade da Bíblia, o coração do protestantismo poderia ser suprimido. Os teólogos fascistas poderiam usar a camada institucional que restava como uma estrutura para a nova fé 'do povo'."[2].

O que temos aqui? Nada além da mais aberrante forma religiosa de se construir um cristianismo essencialmente humano, carnal, ideológico, e que atendesse aos interesses desse grupo, mas que poderia servir, e como serve, aos interesses de outros tantos grupos, bastando para isso desmistificar a Escritura, arrancar-lhe a sua sobrenaturalidade, dar-lhe traços de um livro comum, cheio de erros e equívocos, para dilapidá-la e transformá-la em um amontoado de poeira, e assim manipular as pessoas ao bel-prazer de suas mentes doentias. E esse é um cuidado que devemos ter sempre quando estivermos diante de incrédulos [digam-se crentes ou não]: manter a sanidade, a saúde mental e espiritual, ao não lhes dar ouvidos, estejam onde estiver, sejam quem for, mesmo revestidos de toda autoridade humana; se eles não se calam [o que deveriam fazer para o bem de si mesmos e dos outros], tornemo-nos surdos aos seus discursos tolos e diabólicos; mantenhamos a distância segura para não haver a chance de detectar o menor som proferido por sua bocas malditas.

Há algumas aulas, venho batendo no Texto Crítico, tão cultuado e adulado pelos cristãos de hoje, como a pérola mais reluzente da intelectualidade cristã, o método dos métodos, onde os acadêmicos podem se debruçar e descortinar todas as maravilhas do seu sistema, e aplicá-las no púlpito, com menores ou maiores doses de descrença, entranhadas no racionalismo, na ilusão da superioridade humana sobre a sobrenaturalidade escriturística, no juízo imperfeito e capenga do homem sobre a própria revelação divina. E, então, o autor descreve de onde surgiu a mais moderna e eficiente investida à revelação especial: "O ataque à Bíblia no protestantismo foi uma obra dos teólogos e acadêmicos textuais. No século 20, a 'crítica mais elevada' do Antigo Testamento, que comprometeu as ideias tradicionais sobre autoria e composição da Bíblia, já havia enfraquecido a doutrina da autoridade bíblica. Ao assumir que o texto bíblico e os eventos que ele descreve devem ser explicados em termos naturalistas e científicos, o estudo histórico-crítico destruiu o status da Bíblia como revelação sobrenatural" [3].

Ao ponto de, em muitos seminários e faculdades teológicas, rir-se de passagens veterotestamentárias como se fosse uma sessão "stand-up" ou um concurso de anedotas. Usam-se expressões chulas, figuras de linguagem imorais e impróbias, revelando o mau-caráter e a malignidade de professores e muitos alunos. Certa vez, ouvi do pr. Luiz Carlos Tibúrcio o seguinte relato: um irmão, seminarista, estava angustiado com o curso que estava fazendo, especialmente por causa da zombaria de alguns professores. Em dada aula, o professor disse que uma certa passagem do A.T., a qual estavam estudando, somente poderia ter como origem o fato da mulher do autor do texto ter dormido, na noite anterior, de "calças Jeans". Isso o incomodou muito, de tal forma que o curso estava deixando-o angustiado. O pr. Luiz Carlos disse-lhe que, se estivesse na sala de aula e ouvisse isso de um professor, ele simplesmente se levantaria, sairia da sala e nunca mais voltaria.

A Bíblia nos exorta a jamais nos associar com escarnecedores, com descrentes, com infiéis. O alerta do salmista é prático, não apenas teórico: "Bem-Aventurado o homem que não anda segundo o conselho dos ímpios, nem se detém no caminho dos pecadores, nem se assenta na roda dos escarnecedores. Antes tem o seu prazer na lei do Senhor, e na sua lei medita de dia e de noite" [Sl 1.1-2].

Mas alguns podem argumentar que há seminários e faculdades que se utilizam do T.C. e mantém a reverência à Escritura, como a palavra de Deus. Mas o fato não é a imunidade que o Espírito Santo dá àqueles que podem ter contato com a incredulidade e perversidade do T.C., mas o mal que ele acarreta na vida daqueles que não são regenerados nem nascidos de novo pelo Espírito, e que sucumbem ainda mais na incredulidade, afastando-se mais e mais de Deus, pois não creem na sua revelação. O fato é que a esses homens está sendo negado o direito de conhecer a Deus. Não estou analisando a questão metafisicamente, mas do ponto de vista prático. A justificativa metafísica, do decreto eterno, do plano divino, em que muitos seriam cegados e mantidos cegos [Jo 12.38-40], é verdadeira e bíblica, mas não pode ser o argumento para que muitos permaneçam na impiedade e levem outros a abraçá-la e acalentá-la. Deus decretou todas as coisas, e elas acontecerão conforme seu poder e sabedoria, mas como o Senhor Jesus diz, "Aí do mundo, por causa dos escândalos; porque é mister que venham escândalos, mas aí daquele homem por quem o escândalo vem!" [Mt 18.7]. Temos de entender o significado da palavra "mister", que quer dizer algo necessário, forçoso, urgente, uma finalidade, um objetivo, o qual Deus traçou, mas o homem que por ele vai, executando-o, esse será aquele que terá de dar contas ao Senhor, no dia do Juízo. Talvez, por isso, eles não creem no Tribunal de Cristo, nem no julgamento, nem em Juízo ou condenação. Talvez, por causa da própria impiedade e dureza dos seus corações, eles não creem em inferno e demônios. Talvez, por tudo isso, se esforçam cada vez mais em desacreditar a Bíblia como a fidedigna palavra de Deus, e transformar o Cristianismo em uma mera religião cultural, focando o mundo, vivendo para o mundo, servindo-o, centrada no hoje, no agora, no presente. Preocupados em serem relevantes para o seu tempo, ainda que esse tempo passe, e de nada resultará na salvação e santificação das almas, mas tão somente em satisfazer a agenda mundana. A igreja deve ser sal e luz em todas as áreas da vida, contudo, sempre deixando claro que ela está no mundo mas não faz parte deste mundo, e por ele não pode ser guiada, orientada, e em disposição de satisfazê-lo.

Portanto, o alerta continua acesso e deve ser mantido acesso até o glorioso Dia do Senhor, de que a crítica bíblica moderna, a despeito da admiração de homens respeitados e sinceros, não passa de lixo da pior espécie, chorume fedorento e contagioso, inofensivo se mantém-se distante, mas altamente contagioso e letal se próximo. O qual é injetado na igreja de muitas formas, de muitas maneiras, quase sempre travestido de falsa piedade e tolerância, e assim realizar o seu intento de drenar do seu meio o máximo de conteúdo bíblico, revelacional, sobrenatural, substituindo-o por aquilo que de pior existe: a criação gerada pela mente do homem natural, o ceticismo e a desobediência.

Nota: [1] "O Fascismo Moderno", Editora Cultura Cristã
[2] Idem, pag. 47
[3] Idem, pag. 47

sábado, 19 de novembro de 2011

Estudo sobre a Confissão de Fé Batista de 1689 - Aula 8: Autoridade da Escritura



Por Jorge Fernandes Isah

10. O juiz supremo, pelo qual todas as controvérsias religiosas devem ser resolvidas e todos os decretos e concílios, todas as opiniões de escritores antigos e doutrinas de homens devem ser examinadas, e os espíritos provados, não pode ser outro senão a Sagrada Escritura entregue pelo Espírito Santo. Nossa fé recorrerá à Escritura para a decisão final.21
21 Mateus 22:29,31-32; Efésios 2:20; Atos 28:23.

INTRODUÇÃO:
Basicamente, temos no item 10 um resumo de toda a doutrina das Sagradas Escrituras, a qual foi estudada até o presente momento. De forma que a tendência geral entre os cristãos [e o que dirá entre os incrédulos] de limitar a autoridade e atuação da Bíblia encontra-se na classificação de soberba e arrogância intelectual do homem. Afinal de contas, pergunto: quem pode se autoinvestir ou receber a investidura de juiz da Escritura? A ponto de demarcar ou estabelecer os limites de sua autoridade e o campo de sua atuação como palavra de Deus? Ora, o que temos é uma tentativa humana de se colocar em uma categoria superior, em uma posição que jamais lhe foi dada e que ele tenta usurpar em seu constante desejo de subverter a ordem e estabelecer o reino do caos, onde os princípios podem ser subjetivados ao bel-prazer individual. 
Como já disse, isso tem nome: pecado! E tentar desculpar-se com qualquer pretexto, seja o da tradição eclesiástica, da autoridade acadêmica e científica, da contextualização, ou da sua expressão como ideia restritivamente pessoal [subjetivação] não passará de velhacaria, de se autoenganar e não reconhecer a verdade. 
Muitos perguntarão: qual verdade? E a própria pergunta é sofismática, uma armadilha, um raciocínio capcioso em que o perguntador já se encontra preso ao embuste e sem vontade de se libertar, pelo contrário, quer perpetuá-lo na mente alheia, e torná-la tal qual a sua uma escrava da aparente verdade. Para ele, não há a verdade, além da própria verdade: não há verdade! A sua mente diz haver algo, enquanto a sua boca diz não haver. É um blefe no qual não se tem a noção do que é real e irreal, apenas um conceito infundado e repetido exaustivamente até se estabelecer como crença na mente supersticiosa, da mesma forma que um jogador acredita possível tirar uma carta inexistente da manga salvadora, mas o jogo já está perdido na ilusão de que a sua autocontradição e incoerência também não sejam verdadeiras. 
Para nós há apenas uma verdade: Deus e sua palavra, de forma que não é possível Deus se desvincular da sua palavra, nem ela se dissociar dele. Há uma unidade, uma coesão, somente possível através da perfeição, da santidade, eternidade e poder que existem entre neles. A autoridade da Escritura não deriva do homem, nem de nenhum elemento da criação, pois ela não é temporal, nem pode ser enquadrada nos aspectos da criação. 
O ato de se transmiti-la, pela inspiração dos autores secundários, pela narrativa desses autores, pelo forma de participá-la aos homens, seja oral ou escrita, é algo mediático, que se transpõe no tempo, em formas humanas de comunicação, mas nada pode nos levar a crer que ela se originou pelos meios, pois eles são exatamente isso: formas pelas quais a mensagem divina se fez conhecida dos homens. 
A palavra é eterna, como a Bíblia o afirma categoricamente. A palavra é a construção na mente de Deus; de maneira que assim é-se possível conhecê-lo e à sua vontade. Se desta forma ela não fosse, como alguém poderia dizer que conhece a Deus? E conhece a sua vontade? Baseado em quê? Por isso, qualquer afirmação que tenha o objetivo de diminuir ou limitar a autoridade da Escritura, anulará fatalmente o conhecimento de Deus, revelando a completa ignorância do homem diante do Ser, o que é a criação, e qual a obra o Senhor veio realizar. A descrença na Escritura levará à descrença em Deus e à criação de ídolos, na forma de deuses à imagem e semelhança do homem.

A AUTORIDADE DA ESCRITURA
Portanto, a autoridade da Escritura não tem como base o homem ou os meios pelos quais ela se transmite, mas encontra-se centrada na sua autoria divina. Em outras palavras, a Bíblia é autoritativa porque ela tem como autor primário o Espírito Santo, não sendo produto humano. O problema é que em muitos segmentos cristãos, mesmo entre pretensos ortodoxos, reformados e cristãos bíblicos, existe a falsa ideia de que a Escritura não é a verdade, mas ela contém a verdade, ou seja, é o meio pelo qual "alguma" verdade é transmitida ao homem. 
Na maioria das conversas com "cristãos" o que mais se encontram são pessoas negando a veracidade dos fatos relatados na Bíblia; a negação da sua mensagem assim como Deus nos entregou; e mesmo a supressão de trechos inteiros, de passagens inteiras, de livros inteiros e até de testamentos inteiros como consequência da rejeição humana à verdade. E isso, já vimos, é heresia, e não é algo novo, mas se repete insistentemente desde o princípio, quando Adão rejeitou a verdade e abraçou o pecado, dando as costas para a revelação divina e, por conseguinte, dando as costas para si mesmo e a vida. O resultado foi a morte, em todos os sentidos. Exatamente por termos um espírito demasiadamente arraigado e preso à natureza decaída, recusamos e desprezamos a verdade, por ela ser impossível de se conciliar com a mentira que anelamos cuidadosamente em nós. Então, tomamos a verdade como mentira, e a mentira com verdade, numa inversão que remete à advertência divina, dado pela boca do profeta: "Ai dos que ao mal chama bem, e ao bem mal; que fazem das trevas luz, e da luz trevas; e fazem do amargo doce, e do doce amargo! Ai dos que são sábios a seus próprios olhos, e prudentes diante de si mesmos!" [Is 5.20-21]. Creio que podemos chamar esse estado de esquizofrenia, de forma que o homem agindo assim rompe completamente com a realidade e a verdade, apegando-se à fantasia, ao delírio e à mentira, ainda que ele esteja convencido de que "sente" e faz o que é certo, produzindo, contudo, o dano, o erro, a destruição, seja pessoal ou alheia. 
Temos também que a soberba, o parecer sábio aos próprios olhos e prudente diante de si mesmo, é um estado de superioridade fictícia, quando o homem se estabelece no abismo mais profundo, nos degraus mais abissais da existência e da consciência [ou da não-consciência], e a cegueira espiritual o impede de ver a sua real situação de degradação, de debilidade, de corrupção; e ao fazê-lo, estabelece a própria sentença de morte. Na verdade ele já está morto, mas insiste em brincar de vivo, quando o cadáver nem mesmo pode imaginar o que venha a ser uma brincadeira.
Essa ideia nefasta e diabólica de que a Escritura pode ter partes verdadeiras, mas que no seu todo apenas a mensagem salvífica é a verdade, revela apenas mais um dos sintomas do soberbo e pretenso superior: a arbitrariedade de dizer o que é e o que não; a arbitrariedade de se fazer de autoridade espiritual sendo que apenas o Espírito é a autoridade, e os que não o tem, não passam de impostores, charlatões e usurpadores. 
Quando alguém diz: "os fatos relatados na Escritura não são a verdade, pois não podem ser provados historicamente, e há erros crassos do ponto de vista científico, que podem ser provados pela experimentação, e apenas a mensagem de salvação é verdadeira, o resto deve ser desconsiderado.", o que se pode dizer? Converta-se, meu irmão! Pois ainda que a fé na autoridade da Escritura seja algo subjetivo, a Escritura é objetiva, assim como o agir do Espírito Santo na mente levando-a a crer, também. O que me leva a pensar que até mesmo a fé é algo completamente objetivo, pois está sob o efeito objetivo do Espírito de Deus. E é confirmado a partir do instante em que o mesmo Espírito começa a pavimentar a mente do homem regenerado, revelando-lhe a eficácia e unidade extraordinárias da Bíblia. A isso chamamos de testemunho interno, o Espírito testifica que somos filhos de Deus, de forma que todos os que são guiados por ele são filhos de Deus [Rm 8.14-16]. Até mesmo para se reconhecer esta verdade é necessário se crer nela como verdade. Não uma verdade subjetiva, que pode ou não ser verdadeira dependendo de quem ou em que condições ela é proferida, mas como uma verdade objetiva e real a todos os que são filhos de Deus. E mesmo para os que não são, pois a verdade não é inclusiva, mas também exclusiva, no sentido de que o não preencher suas condições torna-o incompatível com a verdade.
Não há uma verdade que se torne verdadeira apenas por alcançar a minha mente e coração. Ela é verdadeira em si mesma, e objetiva em si mesma, se verdade for, pois não depende de mim, nem da minha compreensão ou aceitação; ela existe independente de se querê-la ou não, de se reconhecê-la ou não; o que se deve fazer é buscá-la, e quando encontrá-la, aceitá-la, e nunca rejeitá-la. O que se tem feito, e muitos e muitos cristãos estão envolvidos nessa aceitação, é o estabelecer um progressivo estado de incredulidade, de forma que nada seja verdadeiro, a menos que diga respeito exclusivamente ao indivíduo, e que ela pode mudar de pessoa para pessoa, como um camaleão muda de cor. Mas até mesmo o camaleão mutante não deixa de ser um camaleão, o fato dele mudar de cor é uma das características que o tornam e o qualificam como camaleão. O que o homem tem de entender é que o fato dele se agradar e se especializar na distorção, na inconsistência, na contradição, na mentira, no engano, apenas o tornam no que ele é: homem! Caído pelo pecado; entregue ao pecado; e pelo pecado morto para Deus. A incredulidade é fruto apenas da ignorância humana em relação a Deus. A incredulidade tem-se investido de autoridade; de um entre tantos artifícios que tentam colocar o homem na posição de "senhor de si mesmo" quando não passa de um ídolo, e ídolos são quebrados, espatifados e destruídos facilmente, pois não têm vida, em si mesmos não prestam para nada, mas servem por afastar o homem cada vez mais de Deus. E, mesmo não sendo nada, não representando nada, nem assim o homem é capaz de destruí-los, revelando o quanto somos ainda mais tolos e pretensiosos em alimentar o modo intenso em que nos deixamos perder por nossa fragilidade. 
Para isso nos cercamos de todas as formas possíveis e impossíveis de subterfúgios para mantermo-nos intactos no autoengano; assim com Adão e Eva resistiram à verdade, ao preceito divino, e se apegaram fervorosamente à mentira, ao que os seus corações compungidos levaram-os a acreditar como verdadeiro, mesmo sabendo ser mentira, mas preferiram segui-la, ainda que reconhecendo trágicas as consequências. Adão e Eva pagaram para ver, como se diz, e muitos arriscam-se a pagar para ver, e verão!
O que existiu neles e existe hoje é uma obstinação ao pecado, de forma que a simples ideia da verdade e suas consequências dolorosas, muitas vezes faz com que o homem a busque na transgressão, como se ela fosse uma negação, ou melhor, a anulação de toda a realidade numa tentativa infrutífera de se criar uma suprarealidade a revelar apenas e tão somente a imperfeição, e a buscá-la ternazmente nos caminhos perversos; e assim ele é conhecido de Deus, e por ele desprezado. E o reino de Deus se tornará tão impossível para eles, quanto mais a Escritura não lhes for verdadeira. Desta forma, o pecado parece ser o ato desesperado do homem de aniquilar a verdade da sua própria condição, e ao fazê-lo, espera-se que a realidade se dissolva e em seu lugar surja um novo ente para tomar o lugar de Deus, e para satisfazer a necessidade que o homem tem de Deus, uma figura postiça que não o lembre quem é, o que é necessário fazer para não se sujeitar aos desígnios divinos. 

CONCLUSÃO
A C.F.B. de 1689 nos diz, neste capítulo, resumidamente, o seguinte:
a) A Bíblia é a palavra imutável, inerrante, infalível e inspirada de Deus.
b) Deus é o autor primário da Escritura, a qual é a sua santa palavra.
c) Deus preservou a sua palavra de qualquer corrupção, tanto ontem, como hoje, como sempre preservará.
d) A Escritura é autoritativa em si mesma, não dependendo de qualquer autoridade exterior a ela, seja o da Igreja, de Concílios, ou da erudição e academicismo, muito menos da ciência em todas as suas formas.
e) A Escritura é autointerpretativa, ou seja, ela se autoexplica, claramente.
De forma geral, esses são os pontos principais abordados pela C.F.B de 1689 nesta seção, os quais cremos e defendemos como princípios fiéis à fé cristã. 

Nota: Aula realizada na E.B.D. do Tabernáculo Batista Bíblico em 13.11.2011

sábado, 12 de novembro de 2011

Estudo sobre a Confissão de Fé Batista de 1689 - Aula 7


A INTERPRETAÇÃO DA ESCRITURA









Por Jorge Fernandes Isah

9. A regra infalível de interpretação das Escrituras é a própria Escritura. Portanto, sempre que houver dúvida quanto ao verdadeiro e pleno sentido de qualquer passagem (sentido este que não é múltiplo, mas um único), essa passagem deve ser examinada em confrontação com outras passagens, que falem mais claramente.20
20 II Pedro 1:20-21; Atos 15:15-16

Primeiro, definamos o significado de interpretar, cuja origem vem do latim interpretari, o qual quer dizer aclarar, explicar ou dar o sentido a algo, no nosso caso, ao texto bíblico. Então, de certa forma, todos nós somos interpretes, aqueles que, através da leitura do texto sagrado, apreenderão o seu significado, a sua mensagem. Como já foi dito, temos de ter o cuidado de não reescrever o texto, dando-lhe um sentido que Deus não quis dar. Isso acontece comumente por causa das nossas limitações, mas ainda mais habitualmente [o que não quer dizer que seja uma prática normal, correta] porque queremos que o texto concorde com o que pensamos, com o que cremos. A ideia de que somos "livres-interpretes" é falsa, pois o texto não pode ter uma significação pessoal, como Pedro nos diz: "Sabemos primeiramente isto: que nenhuma profecia da Escritura é de particular interpretação" [2Pe 1.20]. 
Alguém poderá dizer que o apóstolo se refere apenas às profecias, mas o fato é que as profecias são relatos, revelações de Deus ao homem, o que inclui, ao meu ver, todo o escopo da Bíblia, ainda que particularmente nos atentemos ao seu caráter de prever acontecimentos futuros. Quando a Bíblia diz: "A alma que pecar, essa morrerá" [Ez 18.20], temos um princípio, o de que o pecado levará inevitavelmente à morte, e uma profecia, a de que os pecadores morrerão [numa afirmação para o tempo futuro, para aqueles que ainda viriam, sem se esquecer de que ela já se realizara também no passado]. Então, profecia [lat prophetia] significa igualmente anunciar e interpretar a vontade e os propósitos divinos; profetizar é anunciar o Evangelho, o que todos os cristãos são chamados a fazer, logo, todos somos profetas. 
O cuidado e zelo ao nos dirigirmos ao texto bíblico está ligado ao temor de preservá-lo em nossa mente e coração da forma como Deus nos entregou. Como já disse, todos temos acesso à Escritura, mas com a responsabilidade e vigilância para não colocar aquilo que ela não diz, nem tirar o que ela diz. Nós somos os seus guardiões secundários, pois Deus é o seu guardião principal e, por ele, ela se manterá intacta e perfeita em sua missão de nos revelar fiel e verdadeiramente a sua mensagem. O que não nos exime da vigília contínua em resguardá-la inalterada, incorrompida. De forma que a Bíblia é autossuficiente em si mesma, sem depender de nada ou ninguém além do seu autor, o Espírito; e será sempre ele quem guiará os leitores ao correto entendimento e interpretação da verdade. Mas, para isso, é necessário que o leitor seja regenerado, sua mente transformada, pois há uma venda que cega os olhos espirituais do homem natural, e assim a interpretação correta torna-se impossível, e a sua compreensão inatingível, sendo essencial que ela seja retirada, e isso somente acontecerá pela obra e ação direta do Espírito Santo, dando o novo-nascimento, sem o qual ninguém poderá ver o reino dos céus [1Co 2.14; 2Co 3.14-15].
Creio que este ponto esteja bastante claro, e foi afirmado e reafirmado desde a primeira aula: a Bíblia é autointerpretativa, ela se explica a si mesma, e, para tanto, ela deve ser estudada, e nela devemos meditar para que encontremos a resposta para as eventuais dificuldades que examinamos. Mas nada disso será possível ao homem natural, pois tem os olhos cegados para a verdade. Somente o Espírito Santo pode abrir os olhos ao "morto" e trazer-lhe à vida, ao ponto de, somente assim, ele ser capaz de compreender a mensagem divina. o que nos torna ainda mais responsáveis diante de Deus, pelo dever de clamar e suplicar que ele nos dê a capacidade de entendimento constante, a capacidade de, iluminados pelo Espírito, crescer na compreensão da Escritura. 
Com isso, o que se quer dizer que nem as ciências humanas, nem a intuição espiritual ou novas profecias, nem a tradição, ou decisões eclesiásticas, podem ser o ponto pelo qual determinado texto venha a ser clarificado e interpretado. Esse é um princípio definido sabiamente pela C.F.B., de maneira que ninguém está autorizado a explicar o sentido de determinada passagem com base em outros fatores que não seja o próprio texto bíblico; de maneira que ela dará um ensino geral e uniforme, não podendo contradizer a si mesma, pois ela é uma unidade harmônica e coesa.
Não estou excluindo absolutamente o conhecimento humano quanto aos métodos de ensino e aprendizado das línguas originais ou de hermenêutica [a palavra origina-se do grego "hermēneuein" que significa interpretar, esclarecer, e traduzir. É o ramo da filosofia que estuda a interpretação de textos, ou melhor, através dela determinado texto é levado à compreensão], que podem auxiliar no entendimento e compreensão do texto bíblico. 
A questão então passa a ser: qual a forma correta de interpretação do texto sagrado?
Muitos alegam, como Orígenes, um dos pais da igreja de Alexandria, que antes de trazer um sentido literal para o texto bíblico devemos "espiritualizá-lo", pois este é o seu objetivo primário. Em outras palavras, ele quis dizer que o sentido literal era coisa para neófitos, iniciantes, e que o sentido espiritual ou alegórico era para os maduros na fé[1]
A palavra alegoria origina-se do grego "allegoría", e  significa "dizer o outro", que é o mesmo que dar outro sentido ao sentindo literal, dizer algo diferente do sentido literal. Dá-nos a ideia de que a verdade está alegoricamente oculta, e de que entendê-la literalmente, na superfície, seria uma forma "inferior" de se aproximar de Deus. Em outras palavras, o método alegórico afirma não haver o ensino direto na Escritura, mas formas subliminares e subentendidas somente perceptíveis por aqueles que sejam superiores espiritualmente para buscá-las e encontrá-las. O que acontece é a distorção e corrupção da verdade, e uma presunção que torna o interprete em um analfabeto, incapaz de ler no texto a mensagem real e verdadeira de Deus. 
Infelizmente este método antigo de interpretação está mais vivo hoje do que esteve à época de Orígines. Muitos pastores e líderes cristãos se espelham nesse ensino para fazerem-se mais espirituais aos olhos do seu rebanho. Com isso eles ganham autoridade e a capacidade de manipular o texto bíblico ao seu bel-prazer, conforme os seus interesses imediatos, revelando o pensamento e a mente do homem ao invés do pensamento e a mente do Autor, o Espírito Santo. 
Um mesmo objeto, por exemplo, a água, pode significar coisas diferentes para intérpretes diferentes. O dilúvio, pelo qual o mundo sucumbiu pela água, poderia significar coisas díspares como a destruição do mundo, o julgamento de Deus sobre a humanidade, porque "a maldade do homem se multiplicara sobre a terra e que toda a imaginação dos pensamentos de seu coração era só má continuamente" [Gn 6.5]; ou o batismo regenerador, através do qual a água tem poderes de efetivamente apagar e limpar o homem dos seus pecados. A arca de Nóe, em outro exemplo, pode significar dois eventos: para Agostinho [que as vezes tinha rompantes alegoristas] as suas medidas eram idênticas às medidas do corpo humano, simbolizando a Igreja, o Corpo de Cristo. Para Hipólito de Roma, a mesma arca significava o Cristo, o Salvador que haveria de vir.
Há também uma sensível diferença entre as parábolas de Cristo e a alegorização. Uma coisa é o Senhor utilizar-se de analogias e figuras de linguagem para ensinar seus discípulos a verdade. Outra coisa é utilizar-se do método de alegorização para dar um sentido irreal [e mesmo vários sentidos irreais] a tudo que é real no texto. A Bíblia se utiliza de figuras, tipos e alegorias, como maneira de, didaticamente, transmitir e ensinar a verdade, algo real. Vejamos alguns exemplos:
a) Rm 5.14: "No entanto, a morte reinou desde Adão até Moisés, até sobre aqueles que não tinham pecado à semelhança da transgressão de Adão, o qual é a figura daquele que havia de vir" Adão é um tipo de Jesus, demonstrando que o nosso Senhor e Salvador tem também as características humanas de Adão, a exceção da natureza pecaminosa [Assim como Moisés é tipo do Senhor, como o libertador do povo de Deus];
b) 1Co 10.1-6: "... E estas coisas foram-nos feitas em figura, para que não cobicemos as coisas más, como eles cobiçaram" Fatos históricos, acontecimentos, servem-nos de figuras, de representação, exemplos que devemos seguir, e muitos que devemos evitar.
c) Gl 4.21-26: "... O que se entende por alegoria; porque estas são as duas alianças; uma, do monte Sinai, gerando filhos para a servidão, que é Agar..." Paulo, inspirado pelo Espírito, através dos personagens históricos, Sara e Hagar, alegoriza as duas alianças.
O fato da Bíblia se utilizar desses elementos com o objetivo de ilustrar algumas verdades, respeitando-se o texto, o contexto e a intenção do autor, não nos dá o direito de considerar que toda a verdade será compreendida a partir da alegorização, no abandono da interpretação literal. Isso seria alterar e corromper o sentido que o autor quis dar ao texto, fazendo-o dizer o que ele não disse. Por isso, há a necessidade de se utilizar sempre na leitura da Escritura o método gramático-histórico, a busca do sentido literal, observando-se as regras gramaticais e o período histórico no qual foi escrito. Em outras palavras, a melhor forma de se ler o texto bíblico é ater-se ao seu sentido simples e evidente, a fim de não se cair na armadilha da alegorização, que não passa de uma forma pretensamente superior e espiritual de interpretação, mas que revela pouco ou nenhuma espiritualidade; revelando não o Espírito da verdade, mas o espírito do erro [1Jo 4.6].  
Portanto, quando nos aproximarmos da Escritura devemos fazê-lo em busca da verdade, pois somente ela nos interessa, ou seja, ouvir, compreender a voz de Deus, para assim conhecer a sua vontade, obedecê-lo e servi-lo para a sua honra e glória, e para a nossa edificação e santificação. De forma que não nos interessa conformá-la ao nosso pensamento, mas ter o nosso pensamento conformado a ela, sujeitando-nos ao sábio e perfeito conselho divino. 

Nota: [1] História da Interpretação Cristã da Bíblia, Augustus Nicodemus, pg. 3 - Monergismo 
[2] Resumo da aula realizada na E.B.D. do Tabernáculo Batista Bíblico em 05.11.2011

sábado, 5 de novembro de 2011

Estudo sobre a Confissão de Fé Batista de 1689 - Aula 6


HÁ TRADUÇÕES FIÉIS?









Por Jorge Fernandes Isah


PEQUENO RESUMO DAS AULAS ANTERIORES
Vimos nas aulas anteriores que Deus inspirou homens a escreverem a sua palavra, e de que esta palavra foi preservada por Deus através dos mesmos homens que a copiaram fielmente, e de que as cópias fiéis são as provenientes do Texto Majoritário.
Porém, durante anos, Satanás e seus servos buscaram desacreditar a Escritura, de forma que muitos tentaram "reescrever" a palavra, adulterando-a, corrompendo-a, com o objetivo de levar incautos ao erro e confusão, afastando-os do conhecimento de Deus e da sua vontade. Para que isso acontecesse, foram produzidas cópias espúrias [texto eclético] que, lançadas na igreja, não obtiveram crédito nem reconhecimento, pelo contrário, foram rejeitadas exatamente por sua infidelidade ao texto original. 
Aprendemos também que essas cópias corrompidas ficaram, por muitos e muitos séculos, soterradas no ostracismo e no esquecimento, proscritas às latas de lixo e gavetas empoeiradas até se desfazerem ou serem queimadas. Até que, no séc. XIX, ganharam o status de "melhores textos" ou os textos mais próximos do original, mesmo que existissem tantas discordâncias e divergências entre as poucas cópias disponíveis que tornassem ininteligível a mensagem escriturística. E quando comparadas ao texto padrão [Majoritário], utilizado pela Igreja no decorrer dos séculos, e onde encontramos maciçamente a maioria das cópias existentes, as diferenças ainda são maiores. O que o torna em um "Frankestein", um monstrengo que somente o orgulho e prepotência intelectual do homem pode reconhecer como válido e superior.
As cópias fiéis aos autógrafos foram transcritas em hebraíco, aramaíco e grego, as línguas em que originalmente foram escritas por homens inspirados por Deus. 
Contudo, Deus quis que sua palavra fosse conhecida em todas as nações e por todos os povos [e foi o que o Senhor ordenou: "Portanto ide, fazei discípulos de todas as nações, batizando-os em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo; Ensinando-os a guardar todas as coisas que eu vos tenho mandado (Mt 28.19-20)]; então, como fazer com aqueles que não conhecem as línguas originais?
É aqui que entram as traduções, através das quais todos os homens podem ter acesso à mensagem evangelística da mesma forma que os leitores das línguas originais. 
Houve traduções antigas do AT, como os Targuns, que eram paráfrases, uma tradução livre e explicativa da Escritura em aramaico, dialeto utilizado pelo povo judeu depois do exílio babilônico.
Já citamos também a Septuaginta, que foi a tradução do AT para o grego, língua dominante no mundo conhecido da época, por volta do III ou II séc antes de Cristo; e a Vulgata, tradução para o latim dos textos em hebraico, aramaico e grego, por volta do séc IV d.c.
Mas alguém pode dizer: é possível que termos pensados e escritos originalmente em hebraico possam ter um similar para todos os casos, por exemplo, em português?
A resposta é: o método de tradução implicará na fidelidade ou infidelidade da tradução, de forma que não é a linguagem o entrave para se receber a mensagem divina, mas a forma como o tradutor se aproximará dele, e a apresentará no texto traduzido.

MÉTODO TRADICIONAL [LITERAL] X MÉTODO MODERNO [EQUIVALÊNCIA DINÂMICA]
Sem entrar nas questões técnicas, que não são o objetivo desta aula, podemos dizer que o método determinará se uma tradução é fiel ou não ao original. 
Lembremo-nos do que já foi dito: os copistas do Texto Majoritário preocupavam-se na transcrição literal das palavras, de forma que pudessem reproduzir fielmente a mensagem que Deus havia entregue aos autores humanos. Por séculos e séculos, esta foi a maneira utilizado na transcrição dos originais para as cópias; o temor e a reverência com a palavra estavam refletidos no rigor em que se compunha o trabalho dos copistas, de forma que havia o mínimo de intervenção humana no ofício; apenas o necessário para se ter uma cópia com a mesma qualidade e fidelidade do original.
As traduções, até o séc. XIX [a palavra tradução vem do latim traductione, e quer dizer carregar através;  tem o significado de translação ou transporte de um objeto de um lugar (uma língua) para o outro sem mudar suas características quer adicionando ou tirando. É o ato de transladar palavras, frases ou obras escritas de uma língua para outra], seguiram também esse mesmo princípio metodológico, de maneira que o tradutor intervinha no texto apenas o necessário para que a mesma mensagem do original fosse transportada para a tradução. Sempre se buscava uma tradução literal, e quando isso não era possível [o fato de haver palavras em uma língua que não tenha similar em outra] tinha-se o cuidado de anotar na margem da página o que fora modificado. Como em nossa tradução Almeida Corrigida e Fiel em que as palavras acrescentadas encontram-se em itálico, as quais foram necessárias para se dar o sentido ao texto. Na verdade, as palavras em itálico estão implícitas, subentendidas no texto original, de forma que não incluí-las tornaria o texto gramaticalmente sem sentido ou, no mínimo, estranho. 
Vejam bem, João Ferreira de Almeida teve o cuidado de, na sua tradução, deixar claro que aquelas palavras não estavam no texto original, por isso, elas apareciam em itálico, a fim de que o leitor soubesse que elas foram colocadas ali para que a estrutura gramatical em português tivesse o mesmo sentido do texto original. E isso foi comprovado e confirmado por inúmeros tradutores do grego, que confirmam o rigor de Almeida na tradução, e a necessidade da inclusão das palavras para a compreensão do leitor português, sem que seja transgredida e desafiada a advertência divina: "Porque eu testifico a todo aquele que ouvir as palavras da profecia deste livro que, se alguém lhes acrescentar alguma coisa, Deus fará vir sobre ele as pragas que estão escritas neste livro" [Ap. 22.18].
Já, as versões modernas caminham em trilhas diametralmente opostas. Não há a preocupação com a precisão, com a fidelidade do texto, com a tradução gramatical, mas elas se baseiam na necessidade de atenderem o leitor moderno. Ou seja, as traduções são subjetivas, interpretativas, e, para piorar, têm o objetivo de satisfazer os leitores dando-lhes o texto mais digerível possível. Não há a preocupação de se preservar o que nos foi entregue por Deus, mas de transformar e adaptar o texto aos anseios estéticos, culturais e preferenciais dos leitores. Por isso há uma verdadeira gama de Bíblias para todos os gostos: para jovens, velhos, mulheres, gays, líderes, etc, e assim, o texto é moldado segundo os interesses mercadológicos, segundo as pesquisas de opinião, segundo as teorias sociais e culturais. 
Temos então mais um produto de mercado, onde o consumidor é quem determinará como e de que maneira o texto será produzido, assegurando que as peculiaridades linguísticas, o estilo do autor original, a estrutura do texto bíblico, não sejam entraves para que as pessoas comprem e gostem daquilo que foi produzido com o objetivo de seduzi-la à compra e satisfazê-la por adquiri-la. 
Vejam bem, para essa turma, a Bíblia é somente mais um livro; um livro complexo e intricado linguística e gramaticalmente, portanto, inacessível ao homem moderno; de forma que todo o trabalho deve ser no sentido de que as pessoas gostem do que está sendo proposto, o que torna a mensagem evangelística secundária, e a ação do Espírito Santo desnecessária, pois o homem se encarregou de resolver os problemas de ininteligibilidade com a recriação do texto. 
E o que temos? A N.T.L.H, a Bíblia Viva, e outras congêneres esmeram-se na simplificação do texto e no empobrecimento da tradução, desfocando-a, e, muitas vezes, dando-lhe um sentido muito mais obscuro do que supunham ter no texto original. Basta uma leitura em qualquer dessas versões modernas para se perceber que o texto tornou-se palatável, aguado, diluído. Além de não haver o cuidado de se indicar onde e em que o texto foi alterado. Como há uma interpretação do texto original, se eles seguissem o padrão honesto de Almeida, por exemplo, teriam completamente desacreditada a sua obra: haveria espaços quase praticamente exclusivos aos itálicos. 
Dias atrás, o pr. Luiz Carlos usou a seguinte imagem, após a EBD: a atual geração está habituada ao alimento do tipo fast-food, Mcdonald e Burguer King, e para eles é algo normal e saboroso, mas tente manter uma pessoa que viveu uma geração antes, acostumada com o sabor dos alimentos de verdade, carne, cereais, legumes e frutas... torna-se impossível comer mais do que um sanduíche daqueles por mês. Eu mesmo detesto os Mcdonalds, para mim, aquilo não tem gosto de nada, é como comer isopor e papel ao mesmo tempo. 
Da mesma forma, as pessoas estão sendo educadas a se habituarem ao falso alimento, ao alimento que levará à inanição espiritual, moral, ética, pois estão sendo tratadas com isopor e papel. Não há substância, nem concisão, não há unidade, exatamente porque não há interesse na mensagem, pois a relevância está naquele que lê, não no que se lê. O que temos, então, é um texto desfigurado, vilipendiado, onde o conhecimento teológico e o rigor linguístico não são qualificações primordiais, mas irrelevantes na tradução.

PRINCÍPIOS SAUDÁVEIS PARA A TRADUÇÃO DAS ESCRITURAS
Na opinião do Pr. Paulo Anglada[1], há princípios saudáveis e que merecem ser enfatizados e praticados na tarefa de se traduzir a Escritura. São eles:
1) Auspícios e Supervisão
A tradução da Escritura é tarefa a ser supervisionada e sob os cuidados da igreja; por pessoas que se encontram sob autoridade eclesiástica, e não como iniciativa de grupos e entidades para-eclesiásticas e muitas delas seculares e com nítidos interesses mercadológicos. O que, infelizmente, não acontece hoje, como foi à época da tradução da Bíblia para o Inglês, a Versão King James, de 1611, realizada por mais de 50 teólogos anglicanos; a tradução de João Ferreira de Almeida, pela Missão Portuguesa da Igreja Reformada da Holanda, em 1693; e a tradução católica do padre Antônio Pereira de Figueiredo, 1819. 
2) Qualificação dos Tradutores
"No mínimo, deve ser exigido deles o que os apóstolos exigiram na escolha de diáconos em Atos 6.3, e nesta ordem de importância: 
Homens de boa reputação [moral],
Cheios do Espírito Santo [espiritualidade e ortodoxia doutrinária],
e de Sabedoria [capacidade teológica e linguística] específica para a tarefa".
Além disso, seria prudente exigir-se deles as qualificações presentes aos candidatos à ordenação prescritos em 1 Tm 3.1-7: ser irrepreensível, esposo de uma só mulher, temperante, sóbrio, modesto, não dado ao vinho, não violento, governe bem sua própria casa, e crie os filhos sob disciplina, com todo o respeito, não seja neófito, e tenha bom testemunho dos de fora.
3) Precisão
a) Fidelidade ao texto original
O texto deve-se basear na grande maioria dos manuscritos, os quais foram utilizados pela Igreja por mais de dezoito séculos, e não se entregar ao subjetivismo das teorias seculares, que transferiram a autoridade para poucos textos conflitantes e sem representatividade na Igreja. Com isso, a fidelidade aos originais nada mais é do que a fidelidade ao Texto Majoritário, massorético e receptus.
b) Fidelidade à forma do texto e estilo do autor
Jamais se deve sacrificar o conteúdo, a mensagem, em função de uma pretensa inteligibilidade, que na maioria das vezes torna-se imprecisa, sem coerência, coesão e unidade, trazendo, em sua maior parte a confusão e incompreensão. 
Também não se deve alterar o texto, reestruturando-o, mudando a sua forma original, estrutura ou mesmo o estilo do autor, de forma que a tradução deve ser tão literal quanto possível. "A intervenção do tradutor deve ser a necessária, nem mais nem menos".
E aqui, cabe uma pergunta: se a Bíblia é imutável, inclusive em sua mensagem, por que se busca um sentido e compreensão [clareza] maiores para os leitores modernos do que a que foi exigida dos leitores originais? É chamar para si uma autoridade que não se tem, a de redefinir o sentido do texto, tornando-o em outro texto.
c) Clareza
Os termos devem ser os mais claros possíveis, evitando-se o arcadismo, e buscando-se palavras que expressem melhor o sentido original. Isso não tem nada a ver com a "clareza" que os tradutores modernos querem, pois o que eles desejam é uma modelação do texto aos anseios do leitor atual, de forma que não se busca empregar as melhores palavras para se ter o mesmo sentido original, mas se buscam as palavras para adequá-las ao pensamento moderno e aos anseios dos leitores aos quais a obra é potencialmente direcionada. 
É o caso das expressões idiomáticas, que não podem ser traduzidas literalmente, mas que encontram correlatos na língua em que será traduzida.
De forma que não se pode abrir mão da precisão para se dar ênfase à clareza, assim como se deve rejeitar o hermetismo e o arcadismo em favor da mesma clareza. 
d) Inteireza
Como entendemos que a Escritura é autointerpretativa, e de que ela explica-se a si mesma, não é aconselhável que se traduza e publique apenas trechos, mas ela toda, em sua inteireza; ou seja, devem ser traduzidas e publicadas em seu todo; pois a Bíblia é um livro, único em sua unidade e mensagem.
e) Historicidade ou continuidade
"Uma tradução das Escrituras não pode desconsiderar as traduções anteriores. Rejeitar todas as demais traduções e arogar-se a tarefa de produzir uma nova independente das anteriores, revela soberba inaceitável... Uma tradução que demonstre apreço pelas antigas traduções reformadas certamente será bem mais fiel do que uma tradução independente".

CONCLUSÃO
A inspiração dos originais, a preservação das cópias [o Texto Majoritário], são provas da ação direta de Deus tanto na produção como manutenção da sua palavra a todos os homens. No caso das traduções, especialmente pela limitação linguística e a impossibilidade de se conseguir as mesmas palavras em todas as línguas, elas não são a expressão literal do que Deus nos deu, mas creio que o Espírito Santo assegura, para a edificação da Igreja, que a mensagem seja mantida intocável. 
Ressaltamos a importância de que as traduções voltem a ser realizadas pela Igreja, e não por grupos paraeclesiásticos, que não estão dispostos a manter a fidelidade do texto original, nem dispostos ao trabalho honesto de revelar em que o seu trabalho foi alterado em relação aos originais. 
Existe o cuidado de não se afirmar que as traduções são inerrantes e infalíveis, pois há, especialmente hoje, uma verdadeira enxurrada de textos que não têm nenhum compromisso com a verdade nem com a manutenção da mensagem original. Por isso as Confissões Históricas não declaram a perfeição das traduções. Mas podemos dizer, sem dúvidas, que há traduções que são fiéis e herdeiras diretas dos textos originais, e de que essa também é obra do Espírito Santo, de resguardar a palavra entregue a todos os povos em todas as línguas. Em português, isso se deu pelo trabalho de João Ferreira de Almeida, e a sua tradução baseada no Texto Majoritário [2] pode ser definida como fiel ao original.

Nota: [1] Sola Scrpitura - A Doutrina Reformada das Escrituras, Paulo Anglada, Ed. Os Puritanos, pg. 117-121
[2] Há traduções que se dizem de Almeida mas que têm como base o texto eclético ou crítico, numa clara intenção de iludir e enganar o leitor, haja visto que à época de Almeida nem sequer haviam sido descobertos os famigerados textos Sinaiticus e Vaticanus, a base do texto crítico. João Ferreira de Almeida utilizou-se do Texto Massorético e Receptus que eram os utilizados larga e majoritariamente pela igreja, enquanto os outros viviam no limbo, de onde não deveriam ter saído.
[3] Aula realizada na E.B.D. do Tabernáculo Batista Bíblico em 30.10.2011