sábado, 5 de novembro de 2011

Estudo sobre a Confissão de Fé Batista de 1689 - Aula 6


HÁ TRADUÇÕES FIÉIS?









Por Jorge Fernandes Isah


PEQUENO RESUMO DAS AULAS ANTERIORES
Vimos nas aulas anteriores que Deus inspirou homens a escreverem a sua palavra, e de que esta palavra foi preservada por Deus através dos mesmos homens que a copiaram fielmente, e de que as cópias fiéis são as provenientes do Texto Majoritário.
Porém, durante anos, Satanás e seus servos buscaram desacreditar a Escritura, de forma que muitos tentaram "reescrever" a palavra, adulterando-a, corrompendo-a, com o objetivo de levar incautos ao erro e confusão, afastando-os do conhecimento de Deus e da sua vontade. Para que isso acontecesse, foram produzidas cópias espúrias [texto eclético] que, lançadas na igreja, não obtiveram crédito nem reconhecimento, pelo contrário, foram rejeitadas exatamente por sua infidelidade ao texto original. 
Aprendemos também que essas cópias corrompidas ficaram, por muitos e muitos séculos, soterradas no ostracismo e no esquecimento, proscritas às latas de lixo e gavetas empoeiradas até se desfazerem ou serem queimadas. Até que, no séc. XIX, ganharam o status de "melhores textos" ou os textos mais próximos do original, mesmo que existissem tantas discordâncias e divergências entre as poucas cópias disponíveis que tornassem ininteligível a mensagem escriturística. E quando comparadas ao texto padrão [Majoritário], utilizado pela Igreja no decorrer dos séculos, e onde encontramos maciçamente a maioria das cópias existentes, as diferenças ainda são maiores. O que o torna em um "Frankestein", um monstrengo que somente o orgulho e prepotência intelectual do homem pode reconhecer como válido e superior.
As cópias fiéis aos autógrafos foram transcritas em hebraíco, aramaíco e grego, as línguas em que originalmente foram escritas por homens inspirados por Deus. 
Contudo, Deus quis que sua palavra fosse conhecida em todas as nações e por todos os povos [e foi o que o Senhor ordenou: "Portanto ide, fazei discípulos de todas as nações, batizando-os em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo; Ensinando-os a guardar todas as coisas que eu vos tenho mandado (Mt 28.19-20)]; então, como fazer com aqueles que não conhecem as línguas originais?
É aqui que entram as traduções, através das quais todos os homens podem ter acesso à mensagem evangelística da mesma forma que os leitores das línguas originais. 
Houve traduções antigas do AT, como os Targuns, que eram paráfrases, uma tradução livre e explicativa da Escritura em aramaico, dialeto utilizado pelo povo judeu depois do exílio babilônico.
Já citamos também a Septuaginta, que foi a tradução do AT para o grego, língua dominante no mundo conhecido da época, por volta do III ou II séc antes de Cristo; e a Vulgata, tradução para o latim dos textos em hebraico, aramaico e grego, por volta do séc IV d.c.
Mas alguém pode dizer: é possível que termos pensados e escritos originalmente em hebraico possam ter um similar para todos os casos, por exemplo, em português?
A resposta é: o método de tradução implicará na fidelidade ou infidelidade da tradução, de forma que não é a linguagem o entrave para se receber a mensagem divina, mas a forma como o tradutor se aproximará dele, e a apresentará no texto traduzido.

MÉTODO TRADICIONAL [LITERAL] X MÉTODO MODERNO [EQUIVALÊNCIA DINÂMICA]
Sem entrar nas questões técnicas, que não são o objetivo desta aula, podemos dizer que o método determinará se uma tradução é fiel ou não ao original. 
Lembremo-nos do que já foi dito: os copistas do Texto Majoritário preocupavam-se na transcrição literal das palavras, de forma que pudessem reproduzir fielmente a mensagem que Deus havia entregue aos autores humanos. Por séculos e séculos, esta foi a maneira utilizado na transcrição dos originais para as cópias; o temor e a reverência com a palavra estavam refletidos no rigor em que se compunha o trabalho dos copistas, de forma que havia o mínimo de intervenção humana no ofício; apenas o necessário para se ter uma cópia com a mesma qualidade e fidelidade do original.
As traduções, até o séc. XIX [a palavra tradução vem do latim traductione, e quer dizer carregar através;  tem o significado de translação ou transporte de um objeto de um lugar (uma língua) para o outro sem mudar suas características quer adicionando ou tirando. É o ato de transladar palavras, frases ou obras escritas de uma língua para outra], seguiram também esse mesmo princípio metodológico, de maneira que o tradutor intervinha no texto apenas o necessário para que a mesma mensagem do original fosse transportada para a tradução. Sempre se buscava uma tradução literal, e quando isso não era possível [o fato de haver palavras em uma língua que não tenha similar em outra] tinha-se o cuidado de anotar na margem da página o que fora modificado. Como em nossa tradução Almeida Corrigida e Fiel em que as palavras acrescentadas encontram-se em itálico, as quais foram necessárias para se dar o sentido ao texto. Na verdade, as palavras em itálico estão implícitas, subentendidas no texto original, de forma que não incluí-las tornaria o texto gramaticalmente sem sentido ou, no mínimo, estranho. 
Vejam bem, João Ferreira de Almeida teve o cuidado de, na sua tradução, deixar claro que aquelas palavras não estavam no texto original, por isso, elas apareciam em itálico, a fim de que o leitor soubesse que elas foram colocadas ali para que a estrutura gramatical em português tivesse o mesmo sentido do texto original. E isso foi comprovado e confirmado por inúmeros tradutores do grego, que confirmam o rigor de Almeida na tradução, e a necessidade da inclusão das palavras para a compreensão do leitor português, sem que seja transgredida e desafiada a advertência divina: "Porque eu testifico a todo aquele que ouvir as palavras da profecia deste livro que, se alguém lhes acrescentar alguma coisa, Deus fará vir sobre ele as pragas que estão escritas neste livro" [Ap. 22.18].
Já, as versões modernas caminham em trilhas diametralmente opostas. Não há a preocupação com a precisão, com a fidelidade do texto, com a tradução gramatical, mas elas se baseiam na necessidade de atenderem o leitor moderno. Ou seja, as traduções são subjetivas, interpretativas, e, para piorar, têm o objetivo de satisfazer os leitores dando-lhes o texto mais digerível possível. Não há a preocupação de se preservar o que nos foi entregue por Deus, mas de transformar e adaptar o texto aos anseios estéticos, culturais e preferenciais dos leitores. Por isso há uma verdadeira gama de Bíblias para todos os gostos: para jovens, velhos, mulheres, gays, líderes, etc, e assim, o texto é moldado segundo os interesses mercadológicos, segundo as pesquisas de opinião, segundo as teorias sociais e culturais. 
Temos então mais um produto de mercado, onde o consumidor é quem determinará como e de que maneira o texto será produzido, assegurando que as peculiaridades linguísticas, o estilo do autor original, a estrutura do texto bíblico, não sejam entraves para que as pessoas comprem e gostem daquilo que foi produzido com o objetivo de seduzi-la à compra e satisfazê-la por adquiri-la. 
Vejam bem, para essa turma, a Bíblia é somente mais um livro; um livro complexo e intricado linguística e gramaticalmente, portanto, inacessível ao homem moderno; de forma que todo o trabalho deve ser no sentido de que as pessoas gostem do que está sendo proposto, o que torna a mensagem evangelística secundária, e a ação do Espírito Santo desnecessária, pois o homem se encarregou de resolver os problemas de ininteligibilidade com a recriação do texto. 
E o que temos? A N.T.L.H, a Bíblia Viva, e outras congêneres esmeram-se na simplificação do texto e no empobrecimento da tradução, desfocando-a, e, muitas vezes, dando-lhe um sentido muito mais obscuro do que supunham ter no texto original. Basta uma leitura em qualquer dessas versões modernas para se perceber que o texto tornou-se palatável, aguado, diluído. Além de não haver o cuidado de se indicar onde e em que o texto foi alterado. Como há uma interpretação do texto original, se eles seguissem o padrão honesto de Almeida, por exemplo, teriam completamente desacreditada a sua obra: haveria espaços quase praticamente exclusivos aos itálicos. 
Dias atrás, o pr. Luiz Carlos usou a seguinte imagem, após a EBD: a atual geração está habituada ao alimento do tipo fast-food, Mcdonald e Burguer King, e para eles é algo normal e saboroso, mas tente manter uma pessoa que viveu uma geração antes, acostumada com o sabor dos alimentos de verdade, carne, cereais, legumes e frutas... torna-se impossível comer mais do que um sanduíche daqueles por mês. Eu mesmo detesto os Mcdonalds, para mim, aquilo não tem gosto de nada, é como comer isopor e papel ao mesmo tempo. 
Da mesma forma, as pessoas estão sendo educadas a se habituarem ao falso alimento, ao alimento que levará à inanição espiritual, moral, ética, pois estão sendo tratadas com isopor e papel. Não há substância, nem concisão, não há unidade, exatamente porque não há interesse na mensagem, pois a relevância está naquele que lê, não no que se lê. O que temos, então, é um texto desfigurado, vilipendiado, onde o conhecimento teológico e o rigor linguístico não são qualificações primordiais, mas irrelevantes na tradução.

PRINCÍPIOS SAUDÁVEIS PARA A TRADUÇÃO DAS ESCRITURAS
Na opinião do Pr. Paulo Anglada[1], há princípios saudáveis e que merecem ser enfatizados e praticados na tarefa de se traduzir a Escritura. São eles:
1) Auspícios e Supervisão
A tradução da Escritura é tarefa a ser supervisionada e sob os cuidados da igreja; por pessoas que se encontram sob autoridade eclesiástica, e não como iniciativa de grupos e entidades para-eclesiásticas e muitas delas seculares e com nítidos interesses mercadológicos. O que, infelizmente, não acontece hoje, como foi à época da tradução da Bíblia para o Inglês, a Versão King James, de 1611, realizada por mais de 50 teólogos anglicanos; a tradução de João Ferreira de Almeida, pela Missão Portuguesa da Igreja Reformada da Holanda, em 1693; e a tradução católica do padre Antônio Pereira de Figueiredo, 1819. 
2) Qualificação dos Tradutores
"No mínimo, deve ser exigido deles o que os apóstolos exigiram na escolha de diáconos em Atos 6.3, e nesta ordem de importância: 
Homens de boa reputação [moral],
Cheios do Espírito Santo [espiritualidade e ortodoxia doutrinária],
e de Sabedoria [capacidade teológica e linguística] específica para a tarefa".
Além disso, seria prudente exigir-se deles as qualificações presentes aos candidatos à ordenação prescritos em 1 Tm 3.1-7: ser irrepreensível, esposo de uma só mulher, temperante, sóbrio, modesto, não dado ao vinho, não violento, governe bem sua própria casa, e crie os filhos sob disciplina, com todo o respeito, não seja neófito, e tenha bom testemunho dos de fora.
3) Precisão
a) Fidelidade ao texto original
O texto deve-se basear na grande maioria dos manuscritos, os quais foram utilizados pela Igreja por mais de dezoito séculos, e não se entregar ao subjetivismo das teorias seculares, que transferiram a autoridade para poucos textos conflitantes e sem representatividade na Igreja. Com isso, a fidelidade aos originais nada mais é do que a fidelidade ao Texto Majoritário, massorético e receptus.
b) Fidelidade à forma do texto e estilo do autor
Jamais se deve sacrificar o conteúdo, a mensagem, em função de uma pretensa inteligibilidade, que na maioria das vezes torna-se imprecisa, sem coerência, coesão e unidade, trazendo, em sua maior parte a confusão e incompreensão. 
Também não se deve alterar o texto, reestruturando-o, mudando a sua forma original, estrutura ou mesmo o estilo do autor, de forma que a tradução deve ser tão literal quanto possível. "A intervenção do tradutor deve ser a necessária, nem mais nem menos".
E aqui, cabe uma pergunta: se a Bíblia é imutável, inclusive em sua mensagem, por que se busca um sentido e compreensão [clareza] maiores para os leitores modernos do que a que foi exigida dos leitores originais? É chamar para si uma autoridade que não se tem, a de redefinir o sentido do texto, tornando-o em outro texto.
c) Clareza
Os termos devem ser os mais claros possíveis, evitando-se o arcadismo, e buscando-se palavras que expressem melhor o sentido original. Isso não tem nada a ver com a "clareza" que os tradutores modernos querem, pois o que eles desejam é uma modelação do texto aos anseios do leitor atual, de forma que não se busca empregar as melhores palavras para se ter o mesmo sentido original, mas se buscam as palavras para adequá-las ao pensamento moderno e aos anseios dos leitores aos quais a obra é potencialmente direcionada. 
É o caso das expressões idiomáticas, que não podem ser traduzidas literalmente, mas que encontram correlatos na língua em que será traduzida.
De forma que não se pode abrir mão da precisão para se dar ênfase à clareza, assim como se deve rejeitar o hermetismo e o arcadismo em favor da mesma clareza. 
d) Inteireza
Como entendemos que a Escritura é autointerpretativa, e de que ela explica-se a si mesma, não é aconselhável que se traduza e publique apenas trechos, mas ela toda, em sua inteireza; ou seja, devem ser traduzidas e publicadas em seu todo; pois a Bíblia é um livro, único em sua unidade e mensagem.
e) Historicidade ou continuidade
"Uma tradução das Escrituras não pode desconsiderar as traduções anteriores. Rejeitar todas as demais traduções e arogar-se a tarefa de produzir uma nova independente das anteriores, revela soberba inaceitável... Uma tradução que demonstre apreço pelas antigas traduções reformadas certamente será bem mais fiel do que uma tradução independente".

CONCLUSÃO
A inspiração dos originais, a preservação das cópias [o Texto Majoritário], são provas da ação direta de Deus tanto na produção como manutenção da sua palavra a todos os homens. No caso das traduções, especialmente pela limitação linguística e a impossibilidade de se conseguir as mesmas palavras em todas as línguas, elas não são a expressão literal do que Deus nos deu, mas creio que o Espírito Santo assegura, para a edificação da Igreja, que a mensagem seja mantida intocável. 
Ressaltamos a importância de que as traduções voltem a ser realizadas pela Igreja, e não por grupos paraeclesiásticos, que não estão dispostos a manter a fidelidade do texto original, nem dispostos ao trabalho honesto de revelar em que o seu trabalho foi alterado em relação aos originais. 
Existe o cuidado de não se afirmar que as traduções são inerrantes e infalíveis, pois há, especialmente hoje, uma verdadeira enxurrada de textos que não têm nenhum compromisso com a verdade nem com a manutenção da mensagem original. Por isso as Confissões Históricas não declaram a perfeição das traduções. Mas podemos dizer, sem dúvidas, que há traduções que são fiéis e herdeiras diretas dos textos originais, e de que essa também é obra do Espírito Santo, de resguardar a palavra entregue a todos os povos em todas as línguas. Em português, isso se deu pelo trabalho de João Ferreira de Almeida, e a sua tradução baseada no Texto Majoritário [2] pode ser definida como fiel ao original.

Nota: [1] Sola Scrpitura - A Doutrina Reformada das Escrituras, Paulo Anglada, Ed. Os Puritanos, pg. 117-121
[2] Há traduções que se dizem de Almeida mas que têm como base o texto eclético ou crítico, numa clara intenção de iludir e enganar o leitor, haja visto que à época de Almeida nem sequer haviam sido descobertos os famigerados textos Sinaiticus e Vaticanus, a base do texto crítico. João Ferreira de Almeida utilizou-se do Texto Massorético e Receptus que eram os utilizados larga e majoritariamente pela igreja, enquanto os outros viviam no limbo, de onde não deveriam ter saído.
[3] Aula realizada na E.B.D. do Tabernáculo Batista Bíblico em 30.10.2011

Nenhum comentário: