terça-feira, 6 de dezembro de 2011

Confissão de Fé Batista de 1689 - Aula 10: O Deus Revelado














Por Jorge Fernandes Isah


DEUS E A SANTÍSSIMA TRINDADE

1. O Senhor nosso Deus é somente um, o Deus vivo e verdadeiro, [1] cuja subsistência está em si mesmo e provém de si mesmo; [2] infinito em seu ser e perfeição, cuja essência por ninguém pode ser compreendida, senão por Ele mesmo. [3] Ele é um espírito puríssimo, [4] invisível, sem corpo, membros ou paixões; o único que possui imortalidade, habitando em luz inacessível, a qual nenhum homem é capaz de ver; [5] imutável, [6] imenso, [7] eterno, [8] incompreensível, todo-poderoso; [9] em tudo infinito, santíssimo, [10] sapientíssimo; completamente livre e absoluto, operando todas as coisas segundo o conselho da sua própria vontade, [11] que é justíssima e imutável, e para a sua própria glória; [12] amantíssimo, gracioso, misericordioso, longânimo; abundante em verdade e benignidade, perdoando a iniquidade, a transgressão e o pecado; o recompensador daqueles que o buscam diligentemente; [13] contudo justíssimo e terrível em seus julgamentos, [14] odiando todo pecado, [15] e que de modo nenhum inocentará o culpado. [16]

1 I Coríntios 8:4,6; Deuteronômio 6:4. 2 Jeremias 10:10; Isaías 48:12. 3 Êxodo 3:14. 4 João 4:24. 5 I Timóteo 1:17; Deuteronômio 4:15-16. 6 Malaquias 3:6. 7 I Reis 8:27; Jeremias 23:23. 8 Salmo 90:2. 9 Gênesis 17:1. 10 Isaías 6:3. 11 Salmo 115:3; Isaías 46:10. 12 Provérbios 16:4; Romanos 11:36. 13 Êxodo 34:6-7; Hebreus 11:6. 14 Neemias 9:32-33. 15 Salmo 5:5-6. 16 Êxodo 34:7; Naum 1:2-3.


INTRODUÇÃO

É possível vislumbrar em toda a história a necessidade de Deus. Em todas as culturas e sociedades, desde as mais remotas, até os nossos dias, sempre houve a ideia de Deus, de que há um Criador e um ser Todo-Poderoso. Acontece que com a Queda do homem, no Éden, o conhecimento de Deus foi-se perdendo, e muitos acabaram por corrompê-lo, criando para si e para outros um deus à sua própria imagem e semelhança. 

O exemplo de Adão e Eva dá-nos essa ideia de que, a despeito do convívio com Deus, pouco dele os nossos pais naturais conheciam [pela própria incapacidade humana], de forma que o desobedeceram, numa tentativa tola de enganarem-no e a si mesmos; levando-os ao pecado e à separação, à morte física, mas também espiritual. Adão e Eva haviam formado, em suas mentes e corações, um "deus" que não era o Deus vivo e verdadeiro, mas um "deus" à sua semelhança, um deus facilmente manipulável e que atenderia aos seus interesses pessoais. Temos ali não apenas o primeiro pecado, a Queda, a separação entre Deus e os homens, mas também a primeira tentativa de se erigir um "outro" deus. 

Deus, ao terminar a Criação, viu "tudo quanto tinha feito, e eis que era muito bom" [Gn 1.31]. Não temos a afirmação de que a criação era perfeita, pois apenas Deus é perfeito. Se Deus criasse algo perfeito, se autocriaria ou criaria algo idêntico a si mesmo. Portanto, dizer que a Criação era perfeita resulta em dizer que a perfeição pode decair para a imperfeição, que o perfeito pode se tornar imperfeito, e isso quer dizer, em última instância, que o próprio Deus poderia decair da sua condição. E ela teria de acontecer no tempo, visto ser impossível na eternidade onde tudo é imutável. O que o levaria a uma série de mudanças, mas sabemos que Deus não muda; de que ele é eterno, santo e reto. Perder a perfeição significaria perder todos os seus atributos, inclusive a infinitude, a sabedoria e a eternidade.

Se a criação fosse perfeita, se Adão e Eva eram perfeitos, não poderiam cair, nem mesmo por sua vontade, pois iriam contra a sua natureza perfeita. É por isso que Deus jamais deixará de ser Deus, pois ele é o "Eu Sou", e não pode deixar de ser o que é. 

Mas a criação será discutida no Cap. 4 da CFB. Deixemos o assunto para mais tarde, e voltemos ao tema central deste capítulo.

A palavra Deus vem do latim "Deus", que quer dizer divindade, ser supremo, deidade, e é interessante que apenas o português, como uma língua neolatina, manteve a grafia original do latim com a terminação "us". No espanhol temos a forma "dios", no francês "dieu" e no italiano "dio". É apenas uma curiosidade.

O CONHECIMENTO INATO DE DEUS!

Muitos dizem crer em Deus, mesmo que não o glorifiquem e honrem-no. Porque o Senhor pode ser conhecido ou melhor, percebido de várias formas, seja através da Revelação Natural, a Criação; seja pela Imago Dei, a imagem de Deus que o homem caído ainda traz em si; e o Sensus Divinitatis, presente em cada homem, que é o conhecimento inato ou a disposição ao conhecimento de Deus inerente à mente humana, dada pelo próprio Deus. É o que Paulo nos diz: "Porquanto o que de Deus se pode conhecer neles se manifesta, porque Deus lho manifestou. Porque as suas coisas invisíveis, desde a criação do mundo, tanto o seu eterno poder, como a sua divindade, se entendem, e claramente se vêem pelas coisas que estão criadas, para que eles fiquem inescusáveis; Porquanto, tendo conhecido a Deus, não o glorificaram como Deus, nem lhe deram graças, antes em seus discursos se desvaneceram, e o seu coração insensato se obscureceu" [Rm 1.19-21]O que temos aqui? Paulo está a dizer que todos os homens têm o senso divino em seus corações, que Deus se revelou a eles, e está posto neles que há o Deus Vivo e Verdadeiro, mas os homens se rebelaram e construíram para si outros deuses, transformando a verdade em mentira, honrando e servindo mais à criatura do que ao criador, "que é bendito eternamente" [Rm 1.25]. Ou ainda, em seu coração insensato, diz o néscio: "Não há Deus" [Sl 14.1]. A Bíblia usa o termo néscio para designar o ignorante, o estúpido, o tolo, não no sentido de que ele não conhece a Deus, mas no sentido de que ele não quer conhecer, não aceita conhecê-lo, despreza o seu próprio conhecimento. 

Se analisarmos, todos, crentes ou não, inclusive os ateus, estão a discutir sobre Deus, de tal forma que se pode argumentar que nem mesmo esses últimos prescindem de Deus, a fim de se autoafirmarem deuses. Há o negar-se Deus para reafirmar o homem. Há o negar-se o conhecimento para se desconhecer. Há o negar-se a culpa para se viver impiamente. Há a não glorificação de Deus para se autogloriar na escuridão do coração insensato. Há o desprezo à sabedoria para o louvor da loucura. O salmista diz: "Pela altivez do seu rosto o ímpio não busca a Deus; todas as suas cogitações são que não há Deus" [Sl 10.4]

Entramos então na seguinte questão: qualquer sentença ou parecer sobre Deus pode levar o homem verdadeiramente ao seu conhecimento? 


REVELAÇÃO NATURAL X REVELAÇÃO ESPECIAL

A Revelação Natural nos dá o conhecimento de Deus, relacionado ao seu poder e glória, de forma que a criação reflete toda a sua magnitude, domínio e soberania. O homem tem o conhecimento de que há o Criador, o Ser supremo pelo qual todas as coisas foram feitas, e que por ele são sustentadas. Qualquer pessoa, em qualquer lugar do mundo, pode se aperceber da verdade de que Deus é o Senhor do universo, porque "no princípio criou Deus os céus e a terra" [Gn 1.1]. Por onde andamos, para onde olhamos, no que tocamos, está evidenciado que o mundo é o lugar onde Deus diz muito de si, a gritar a sua sabedoria e poder; a ordenar aos homens que o adorem; porque “os céus declaram a glória de Deus e o firmamento anuncia a obra das suas mãos... não há linguagem nem fala onde não se ouça a sua voz. A sua linha se estende por toda a terra, e as suas palavras até o fim do mundo. Neles pôs uma tenda para o sol” [Sl 19.1,3-4]

De forma que os céus, a terra, e o homem, testificam que há um poder sobrenatural e absoluto, tanto no ato da criação como no da preservação de todo o universo, e que impressionam o mais cético dos homens, ainda que ele rejeite Deus e suponha, em sua mente caída, que a natureza se fez a si mesma, e de que o homem nada mais é do que o produto dessa ação aleatória, imprecisa e irracional. 

Porém, a Revelação Natural não pode salvar, nem trazer ao homem um relacionamento com Deus. Ela é suficiente para condenar o homem, para revelar que Deus existe, e de que é o Criador e legislador do universo. Ao se rebelar, o homem rejeita todas as evidências que ela lhe apresenta: a origem divina do Cosmos e das leis que o ordenam; a origem divina da lei moral, cuja consciência é-lhe inerente e na qual não quer se submeter. Por isso, Paulo diz que o homem é inescusável diante de Deus, por não querer entendê-las nem vê-las [Rm 1.20]


Deus se revela na Criação, mas essa revelação não é capaz de levar o homem a vê-lo além do seu poder; pois outros atributos como o amor, bondade, misericórdia e graça somente podem ser conhecidos através da Revelação Especial. Assim, posso concluir esta parte com a seguinte afirmação: Deus revela através da natureza o seu poderio, mas o seu amor somente pode ser conhecido pela Palavra. E essa palavra é Cristo!


Logo, a C.F.B. é sábia em seu primeiro capítulo delinear e explicitar a doutrina das Sagradas Escrituras, pois são elas que revelarão Deus como ele é e quis ser conhecido dos homens, assim como sua obra e os atributos com os quais se comunica com o homem: graça, misericórdia, amor, zelo, fidelidade. 

Temos então que a Escritura não procura "provar" Deus, mas a premissa da sua existência está presente em todo o seu escopo. A fé em Deus tem de ser bíblica, pois é ela que o revela verbalmente. Ou seja, ouvimos a própria voz divina dizer de si mesmo aquilo que quis que conhecêssemos. Como já disse anteriormente, não se é possível conhecer a Deus à parte da sua palavra, pois todo o conhecimento que ele quis que reconhecêssemos de si está delineado e foi-nos apresentado pela Revelação Especial, a qual é a Escritura Sagrada, e assim qualquer cosmovisão, mesmo a que se diz cristã, que prescinde ou abdica da Revelação Especial não é cristã, mas pseudocristã. Pois o conhecimento de Deus os levará também ao conhecimento da sua obra, da sua vontade, dos seus preceitos, e assim como tudo, a espiritualidade e a moralidade humanas somente podem ser verdadeiras e reais se baseadas na palavra do próprio Deus.

A diferença consiste em que a Revelação Natural nos revela o Ser de Deus e alguns dos seus atributos, sua onipotência, onipresença e onisciência, infinitude, eternidade, perfeição, sabedoria, e independência. A Criação nos revela todos esses atributos, que são chamados de "Atributos Incomunicáveis" de Deus, os quais não compartilha conosco. É o que foi dito pelo salmista: "Pois quem no céu se pode igualar ao Senhor? Quem entre os filhos dos poderosos pode ser semelhante ao Senhor?... Ó Senhor Deus dos Exércitos, quem é poderoso como tu, Senhor, com a tua fidelidade ao redor de ti?" [Sl 89.6,8]. Deus se revela incomparável, único, supremo, transcendente [tocamos no assunto da transcendência na aula passada, mas provavelmente voltaremos a ele na próxima aula].

Já na Revelação Especial temos o Deus que se comunica com suas criaturas, que se relaciona com elas, e cujos atributos são chamados, por isso, de "comunicáveis". Como também já foi citado, eles são, dentre outros, manifestados aos homens através da sua graça, misericórdia, fidelidade, amor, santidade, justiça, bondade... Esse "lado" divino somente pode ser conhecido através da Escritura e somente por ela, não sendo possível por qualquer outra forma de revelação. E ela é verdadeira e real exatamente porque o próprio Deus no-la revelou. Agora, devemos ter sempre em mente que mesmo a Revelação Especial é limitada ao homem, tendo-se em vista que Deus é infinito, e, como seres finitos, é-nos impossível conhecer plenamente o Ser infinito. Mas o importante é que, naquilo em que ele quis se revelar, ele o fez através da sua palavra. E somente por ele é-nos possível conhecê-lo em tudo o que se nos deu dar. 

Ressalto ainda que todo o conhecimento de Deus é possível a partir do novo-nascimento, da regeneração da alma e do espírito humano, de forma que os pressupostos antes "anti-Deus" passem a ser dirigidos ao estudo e compreensão da sua natureza, obra e vontade. 

Por hora, é isso.

Nota: 1- O áudio da aula pode demorar alguns dias para ser postado, após a publicação do resumo da aula.
2- Resumo da aula realizada no dia 27.11.2011, na E.B.D. do Tabernáculo Batista Bíblico

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