terça-feira, 28 de setembro de 2010

Materialismo: um salto de fé















Por Jorge Fernandes Isah

Sempre entendi que um darwinista baseia todas as suas convicções e conceitos não na ciência, muito menos na comprovação científica ou empirismo, mas na falsa premissa da não existência de Deus. 

O que os move não é o conhecimento científico, nem as descobertas que "poderiam" apontar para a não existência de Deus, mas o contrário, eles direcionam e acomodam a ciência para dentro do seu escopo filosófico, o qual se evidencia metodologicamente corrompido pela forma como se manipulam, burlam, gerenciam as informações a fim de se ratificar o pressuposto filosófico da não existência de Deus.

A ciência torna-se apenas o veículo para a corroboração da crença na descrença; o meio pelo qual eles dão vazão aos seus pressupostos através da falsa idéia de que estão à procura da razão e da verdade; quando a ciência transforma-se no meio de propagação doutrinária, a despeito do seu apelo pseudo-racional querer excluir a fé, quando, na verdade, ela está arraigada na fé. É o discurso panfletário idealizando-se anti-panfletário, como se fosse possível condenar o proselitismo religioso usando-se do proselitismo para difundir o materialismo, uma nova religião tão ou mais radical como nenhuma outra já foi.

No fundo, o cético faz da ciência e de si mesmo os seus "deuses"; esses são os elementos forjadores da cosmovisão materialista, e ao rejeitarem o Criador simplesmente o substituem por Suas criaturas [sim, a ciência não é criação humana, mas parte da criação divina, assim como o homem]. É o que Paulo alerta: "Dizendo-se sábios, tornaram-se loucos... Pois mudaram a verdade de Deus em mentira, e honraram e serviram mais a criatura do que o Criador, que é bendito eternamente. Amém" [Rm 1.22, 25]. Na verdade, esse trecho da Escritura explica muito bem o que acontece atualmente: o homem se entregando à pregação, ao discurso, em favor do autonomismo, e assim excluí-se o teocentrismo para, em seu lugar, erguer altares antropocêntricos.

Em suas argumentações e sofismas, os crédulos ateus utilizam-se do fato da ciência não ser neutra para contaminá-la com sua filosofia naturalista, e assim dizer que agem em neutralidade. Parecendo racionais são levianos, e forçam até a exaustão o rótulo de inconsistentes, místicos e preconceituosos aos outros crédulos [em especial, os cristãos] quando suas concepções estão viciadas exatamente pela inconsistência, pelo misticismo, preconceitos e uma metodologia completamente corrompida. Verdadeiramente os naturalistas não estão a serviço da ciência, mas servem-se dela para atingir seus objetivos; usam-na como "ambiente" para disseminar e estabelecer seus dogmas. Em sua maioria são tão fundamentalistas como os fundamentalistas que atacam e execram, pois não estão dispostos ao diálogo, mas à doutrinação mais agressiva que se possa estabelecer e exercitar, e ela começa pelo pressuposto de desqualificar e rejeitar qualquer premissa que não seja igual a "Deus não existe" [não que haja algum benefício em dialogar com eles, pois se encontram de tal maneira presos em seu círculo vicioso que a menor hipótese de liberdade intelectual parecem-lhes pior do que o ferrolho a prender-lhes pés e mãos].

Afinal, quem é mais crédulo? O crente ou o ateu?

É interessante que o "novo ateísmo"[1] proclama a liberdade do homem de todas as formas de opressão religiosa, e o faça direcionando-o explicitamente ao materialismo filosófico, como única e última opção. Ou seja, prega-se uma "libertação", mas essa libertação somente existirá se o liberto tornar-se ateu. Não é interessante? Quer dizer que para se ser livre o homem somente o será se a liberdade o levar ao âmago do sistema ateísta? E até onde será possível ir em defesa dessa liberdade? Como reagirão diante daqueles que se recusarem  a aceitá-la? Os neo-ateístas não estarão revivendo tudo aquilo que dizem combater, mas que é bem possível repetir em nome da sua fé? Ao final, o que teremos serão homens enjaulados, sem sequer uma réstia de luz.

Esse método se assemelha, ou melhor, é idêntico ao discurso marxista. Ao livrar o homem do capitalismo, fatalmente a única opção passa a ser o comunismo. O homem é livre para escolher o comunismo, e tão somente ele; e, chegando lá, estará invariavelmente aprisionado ao sistema, sem nenhuma chance de volta ou outra opção de escolha. A menos que se auto-imploda por ineficiência ou fragilidade, por sua própria inexiquilidade. Em nada é diferente da liberdade que bois e porcos têm no "corredor da morte" em direção ao matadouro. Não há escolha nem salvação. Essa é a liberdade do ateísmo e do marxismo... Mais uma mentira vergonhosa, em que o homem está preso pela suposta liberdade de querer se manter preso.

Por exemplo, Richard Dawkins[2] propõe a mesma libertação comunista: a de aprisionar o homem no ateísmo, no materialismo. E somente estando-se ali ele será, no seu conceito esdrúxulo, livre. Mas livre de quê? De algum tipo de fé? De algum tipo de sistema autoritário e despótico? De algum tipo de jogo onde as cartas estejam marcadas? E depois nos chamam de burros, de cegos. Ou querem enganar a quem além de si mesmos? Como esses homens podem conviver com tanta incoerência e ilogicidade? Somente a desonestidade intelectual como resposta. Ou seria uma fé equivocada? Ao ponto em que o "neo-ateísmo" esforça-se em excluir a história da própria História?

O modelo que desejam para a sociedade é, basicamente, o modelo marxista implementado na extinta URSS por Lenin e Stalin, na China por Mao, em Cuba por Fidel, no Camboja por Pol Pot, e em tantos outros lugares; é o mesmo projetado pelo ateísmo moderno: para aniquilar a idéia de Deus é preciso exterminar o homem, ao não permitir que ele pense, racionalize, mas tenha seus pensamentos reduzidos a um padrão de indiferença, onde todos estarão confinados a um modelo unificado de comportamento e expressão: a submissão cega. Milhões de pessoas sentiram na pele a ideologia marxista, o controle do Estado sobre a sociedade e o indivíduo; a impossibilidade de se "escapar" com vida desse sistema a não ser rendendo-se incondicionalmente; ser controlado completamente pelas forças de "libertação", ou seja, fazer do homem uma simples máquina a serviço da vontade burocrática. Isso é fruto de um irracionalismo voluntário, da falta de discernimento analítico, o aniquilamento do senso crítico, da razão, tornando homens em manadas de idiotas.

O Estado não serve, precisa ser servido em sua voracidade perversa; o Estado não admite Deus, mas quer se fazer um; o Estado não pretende ter cidadãos, mas escravos; não aceita nada menos do que o seu ideal maníaco de onipotência e onipresença. Da mesma forma, o gene egoísta é a nova desculpa para que o Estado controle, domine e subjugue o homem. E a desculpa é sempre a mesma escandalosa mentira: assim é melhor!... Mas para quem?

A loucura doentia do neo-ateísmo, que simplesmente revive conceitos experimentados e fracassados à exaustão, como se fossem novidade, é ser essencialmente aquilo que diz combater. Será que os novos ateus pretendem reescrever a História, ou ficarão apenas na idade média, em especial no período negro da inquisição? Se o falso cristianismo existe e é injusto, há contudo o verdadeiro cristianismo, o qual é justo. Mas o que dizer do marxismo? Que nada mais é do que o materialismo levado às últimas consequências? O naturalismo em sua expressão mais virulenta e odiosa? Em qual lugar houve justiça? Ele apenas promoveu e ainda promove a injustiça em sua sanha destrutiva, em sua descrença em Deus e nos valores cristãos. Ateísmo e marxismo são irmãos siameses a serviço do mesmo senhor: o diabo!

E como tal, não prescinde a fé, mas vive por ela... equivocadamente, diga-se de passagem, posta num ídolo de barro.


Nota: [1] Novo ateísmo ou antiteísmo é a oposição ativa ao teísmo, ao ponto em que não basta rejeitar a Deus, mas lutar para o extermínio de qualquer crença divina, pois, assim o mundo seria muito melhor. Ou seja, eles crêem que não crendo tudo caminhará para a perfeição, mas, além da crença em si mesmo e em suas idéias, o que têm de concreto?
[2] Clinton Richard Dawkins é o maior expoente do neo-ateísmo na atualidade. Ele conclama os ateus a "sairem do armário" e ir à luta contra as religiões e seus deuses, e militarem por um mundo melhor, onde não há espaço para as religiões. 
[3] Este texto tem como ponto de partida o "Bate-Papo com André Venâncio" e os vários comentários à postagem, e a leitura do ótimo livro "Cartas para Dawkins", da Editora Monergismo.
[4] Para o título, utilizei-me de uma expressão do filósofo e teólogo dinamarquês, considerado o pai do existencialismo, Soren Kierkegaard, "o salto da fé", o qual para ele a fé é uma aposta, uma aventura arrojada, um mergulho no desconhecido, um salto arriscado, em que a fé se opõe à razão, de tal forma que são mutuamente exclusivas. Acredito que o darwinismo é mais ou menos isso: uma fé-cega a lançar o homem na treva mais densa que a mente humana pode conceber. 

segunda-feira, 20 de setembro de 2010

Bate-Papo com André Venâncio










Por Jorge Fernandes Isah

Todos sabem que o Kálamos é um blog pessoal. Tanto que apenas a primeira postagem foi de um terceiro, no caso o Dr. Lloyd-Jones, que não poderia ser classificado como “terceiro”, mas um entre os primeiros. O fato é que, de lá para cá, sempre postei textos pessoais; por isso criei o “Guerra pela Verdade” para publicar reflexões e impressões de outros escrevinhadores.

Porém, desta vez, estou reproduzindo abaixo uma conversa que tive com o André Venâncio no Gtalk [meio papo, meio entrevista], e considerei apropriado reproduzi-la aqui, com a devida autorização do André. Quando lhe comuniquei a idéia, ele me perguntou: “Por quê?”. Eu disse: “Porque sim, ora!” [rsrs]. Na verdade, foi um bate-papo em que muitos assuntos foram introduzidos, o suficiente para aguçar a minha curiosidade; e certamente aguçará a de outros. Não pensei em “leitores” especiais, porque os assuntos abordados podem instigar a todos que ainda não se aperceberam deles.

De qualquer forma, seja qual for o motivo, o importante é que o André, com sua inteligência privilegiada e seus conhecimentos, é um ótimo ponto de partida para a reflexão e o aprimoramento de assuntos ligados à Teologia, Filosofia e Ciência.

Aproveito para indicar o blog do André, o 
  “Retratos por Escrito”; altamente recomendado.

Mãos à obra!

Boa leitura.

O BATE-PAPO:
Eu: Como vai, André? Tudo bem?
André: Tudo bem, graças a Deus! E com o irmão?
Eu: Tudo na santa paz de Cristo... Preparando alguma novidade para o blog?
André: Logo vou publicar algo que poderá lhe interessar.
Eu: Tudo o que publica me interessa... O problema é que a maioria delas não compreendo direito, por isso não comento... Para não parecer mais idiota do que sou...
André: hehehe... Entao você podia perguntar uma coisinha ou outra de vez em quando, talvez eu não esteja sendo muito claro...
Eu: Não. Tenho certeza que sou quem não alcança a sua clareza [rsrs]
André: Então, talvez uma explicação mais obscura ajude... hehehe...
Eu: Pode ser [rsrs]. Mas acho que você não conseguirá ser obscuro...
André: Não é difícil. É só escrever sobre um assunto que eu também não entendo nada.
Eu: É, mas para quê? Só para não ser claro? [rsrs]. Você não me parece um cara teimoso, tipo cabeça-dura.
André: Só pra provar que você está errado... hehehe
Eu: Mas no fundo, eu sei que estou certo [rsrs].
André: hehehe... Brincadeiras à parte, isso que eu falei é verdade: percebi que quanto menos eu entendo uma coisa, mais obscuro e impreciso fica o que digo a respeito. É assim que sei quando preciso estudar melhor alguma coisa.
Eu: Tem gente que prefere ser assim o tempo todo... Para parecer superior. Quero dizer, ser obscuro para ninguém entender e parecer um fora de série.
André: Ah, sim! Mas é raro achar alguém bom nisso. A maioria se desmascara logo
Eu: A maioria não sabe ler... Vai na onda.
André: Pois é!
Eu: Na verdade, a maioria nem lê, mas diz que leu.
André: É, a gente nunca sabe se não leu mesmo ou se leu e não entendeu nada
Eu: Tem livros que são fechados, não que o autor queira fechar, mas é que a mente do leitor está fechada, ou ainda não aberta para o que ele escreveu. Por exemplo, assuntos que você escreve, eu não faço nem idéia... Até tento ler, mas vejo que está além do meu conhecimento.
André: Em que tipo de assunto isso costuma acontecer?
Eu: Principalmente quando é algo que se relaciona com o lado científico... Matemática, Física, coisas do gênero que você gosta de postar vez ou outra. É que me parece, posso estar enganado, que você busca um "significado" filosófico mesmo nas áreas científicas.
André: É algo mais ou menos por ai. Eu me interesso muito pelas áreas onde a ciência se relaciona com a filosofia e a teologia. Isso começou ainda na adolescência, por causa de meu interesse pela questão da evolução. Daria um capitulo interessante do meu progresso intelectual... Ainda tenho que contar essa historia no blog.
Eu: Pois deve. Para o bem dos que crêem na evolução, e estão sendo enganados.
André: Mas isso foi só o começo. Há vários outros pontos de contato. Por exemplo, na neurociência, com a questão da consciência humana, ou na mecânica quântica, com relação ao alcance das leis naturais. E tem também a própria questão de como encarar a natureza. Existem alternativas que não se enquadram na moderna concepção de ciência. Aristóteles e os medievais (católicos ou muçulmanos) são exemplos disso.
Eu: Puxa, daria um braço para entender de mecânica quântica [rsrs].
André: hehe... Um dia eu posso tentar te explicar, mas não vou querer seu braço, fique tranqüilo.
Eu: Graças a Deus! Pensando bem, se tiver que perdê-lo, prefiro não entender nada de M.Q...
André: O ponto onde eu quero chegar é que algumas descobertas cientificas têm implicações filosóficas e teológicas,  e vice-versa. Algumas verdades filosóficas e teológicas têm implicações cientificas.   
Eu: Tem algum livro para indicar sobre o assunto? Não sobre mecânica quântica, mas sobre essa relação de filosofia e ciência?
André: Eu tenho interesse em investigar certas questões cientificas de uma perspectiva que não comprometa as verdades bíblicas... O livro que vou escrever um dia... hehe...
Eu: Escreve logo!
André: Veja, meu irmão! Os livros que li sobre a relação entre filosofia e ciência falam de uma perspectiva secularista e, quase sempre, cientificista. É justamente contra isso que me levantei desde a adolescência.
 Eu: Já vi que não vou entender nada...
 André: Mas os livros cristãos (criacionistas) quase sempre falam mais da evidência propriamente cientifica que da relação disso com outros campos.
Eu: Não gosto muito do evidencialismo
André: Eu sei... hehe... Eu também tenho meus problemas com ele, mas o problema nem é esse.
Eu: É qual?
André: Eu gostaria de fazer um trabalho abrangente sobre as limitações do método cientifico em geral. A idolatria da ciência moderna é um grande problema que acomete até muitos cristãos. Eu expus algumas idéias sobre isso numa aula sobre evolução que dei na minha igreja uns meses atrás. Mas preciso expandir isso. O fato é que não acredito muito numa distinção absoluta entre ciência e outros campos de conhecimento
Eu: A ciência tornou-se em uma deusa quase onipresente, ainda que os cientistas não assumam publicamente [ao menos, a maioria].
André: Os filósofos da ciência brigam há mais de um século para estabelecer o que chamam de "critério de demarcação", ou seja, um critério que permita separar a ciência de todas as outras atividades. Eu me interessei muito por esses debates nos primeiros anos da faculdade. hoje eu acho isso tudo uma bobagem; não só não existe esse critério, mas também ele não teria a menor importância se existisse.
Eu: É possível essa tentativa de separar a ciência das outras áreas de conhecimento?
André: Eu não acho que seja. Sabe aquele interminável debate acadêmico entre racionalistas e irracionalistas (pós-modernos)?
Eu: sim.
André: O negócio do critério de demarcação faz parte disso. Para os racionalistas, é importante encontrar esse critério, porque eles pensam com isso distinguir o conhecimento verdadeiro (ciência) da mera opinião subjetiva (o resto). Os pós-modernos tentam negar esse critério, porque assim crêem destruir a aspiração a todo conhecimento objetivo. Ou seja, mostrando que a ciência não se distingue do resto. Do nosso ponto de vista, naturalmente, temos apenas dois bandos de malucos lutando entre si, cada um tentando fazer triunfar sua maluquice predileta. Eu me convenci da inexistência de critérios de demarcação lendo um pós-moderno, Paul Feyerabend.
Eu: Não somos racionalistas nem pós-modernos, o que somos, então?
André: Somos cristãos, ué!
Eu: Eu sei. Mas pendemos para um lado ou outro?
André: Eu prefiro não pender pra nenhum. Cada um dos lados possui um dogma inadmissível pra nós.
Eu: Sei, mas, por exemplo, apelamos para a razão, os reformados, enquanto os pentecostais são mais, digamos, subjetivos.
André: O dos racionalistas é que a verdade só é acessível pela ciência (ou a razão em geral). O dos pós-modernos é que a verdade não é acessível de forma alguma. Nós concordamos com os primeiros em que a verdade é acessível, inclusive através da ciência, em alguns assuntos. E concordamos com os últimos em que a ciência não tem nada de especial e que a nossa razão não é tão poderosa assim, no fim das contas. O pós-modernismo é uma reação excessiva aos excessos do racionalismo
Eu: Ficamos em cima do muro [rsrs].
André: Bom, quem construiu o muro foram eles, e só eles ficam de um lado ou de outro. Nós pulamos o muro sempre que dá vontade... hehe...
Eu: Sei... Foi só brincadeira, para não parecer que somos bons demais, apesar de sermos [rsrs].
André: hehehe... Mas isso torna nossa situação confortável. A gente fica assistindo de camarote a briga entre os dois, e rindo dos dois. Mas o meu interesse é em procurar na própria evidência cientifica indícios de suas limitações. Por exemplo, eu creio que o método cientifico não é capaz de fornecer informações confiáveis sobre a origem das coisas. E desconfio que talvez nem de quando elas surgiram. E essa hipótese conflitaria com o que crêem quase todos os cientistas criacionistas, e todos os evolucionistas, naturalmente. Mas é o tipo de coisa que eu gostaria de investigar.
Eu: Os cientistas criacionistas erram ao apelar para o evidencialismo da ciência?
André: Não de todo. Mas em alguns aspectos, sim. Porque apontar contradições entre a evidencia cientifica e a visão evolucionista é um procedimento legitimo. Mas os criacionistas frequentemente caem no erro de idolatrar a ciência tanto quanto seus adversários.
Eu: Como sair desse beco sem saída? Voltar à Escritura? Você é pressuposicionalista e escrituralista?
André: Eu comentei um exemplo, nítido dessa idolatria num livro criacionista aqui: "Um mundo com significado". Sugiro que dê uma olhadinha depois.
 Eu: Vou ler. E prometo que vou entender [rsrs]
André: Se não entender, pergunte desta vez...hehehe... Eu não me considero pressuposicionalista por não ter ainda entendido bem as implicações disso. E tenho algumas dúvidas sobre algumas posturas de alguns pressuposicionalistas eminentes. Mas eu simpatizo com vários pontos importantes. Um outro post que pode lhe interessar, relacionado ao nosso assunto, é este aqui: "História da mentalidade científica".
Eu: Gosto da idéia, sem entender muito bem. Não achei uma definição clara de pressuposicionalismo; ao menos, que me satisfizesse.
André: De qualquer forma, acho que a solução vai nessa direção sim, no sentido de se identificar os pressupostos mais arraigados na moderna concepção de ciência e verificar se são bíblicos ou não. E se sua má aplicação leva a absurdos identificáveis.
Eu: É uma boa definição. E entendi, acho...
André: hehehe... Mas não quero ficar só no negativo. Construir algo também será bom. Existem muitas outras maneiras possíveis de encarar a natureza além da ciência moderna. Aristóteles tinha uma interessante. Os muçulmanos medievais e outros povos tradicionais tinham outra. Sem dúvida a ciência moderna é melhor que tudo isso em alguns aspectos. Mas creio que não em todos.
Uma visão integralmente cristã da natureza deveria conter o que há de verdadeiro em cada uma delas, e talvez outras coisas que não estão expressas em nenhuma.
Eu: Entendi a primeira parte, não a segunda.
André: "e talvez outras coisas que não estão expressas em nenhuma."?
Eu: sim
André: Eu quis dizer apenas que talvez alguns aspectos de uma visão correta da natureza tenham escapado a todas essas visões não-cristãs.
Eu: Certamente.
André: Os perenialiastas, por exemplo, têm criticas muito boas à ciência moderna, mas também não dá pra aceitar integralmente o que eles propõem como alternativa; que é basicamente uma maluquice mística.
Eu: Existe o perenialismo cristão? Li, não sei onde, que Agostinho e Aquino seriam perenialistas
André: Cristão entre aspas, existe sim. Conheço vários perenialistas católicos e ortodoxos. Quanto a Agostinho e Aquino, eu acho pouco provável. Mas já ouvi esses papos.
Eu: Eu li sobre isso, mas não me lembro mais o que é. Lembro que tinha umas boas perguntas para lhe fazer, mas esqueci... O que é perenialismo?
André: Perenialismo é uma teoria ou escola de pensamento religioso que diz que todas as grandes religiões são de origem divina e são meios validos de "realização espiritual" (eles adoram essa expressão).
Eu: Ah... lembrei-me, é algo como o ecumenismo... Ao menos, fiz associação com o ecumenismo... No sentido de tudo levar a Deus e vir de Deus.
André: É uma espécie de ecumenismo sim, mas de um tipo muito particular. É um ecumenismo intelectualmente refinado e de tipo tradicional. E é ecumênico com restrições. Nao é QUALQUER religião que serve. Apenas as grandes religiões, as que fundaram civilizações, e tal. E o perenialismo tem toda uma teoria sobre como as tradições místicas de todas essas tradições convergem.
Eu: É pragmático.
André: Como assim?
Eu: Só servem as religiões que deram certo. Ou mais certo... Vamos conversar sobre o perenialismo; fiquei intrincado com o negócio, e vou ver se me lembro das questões que tinha para lhe perguntar.
André: ok
Eu: Boa noite! Manda um abração para a Norma.
André: Boa noite! Mando, sim. Abraços


Nota: 1- A foto acima é do André com sua esposa, Norma Braga.
2- Além do "Retratos por Escrito", o André escreve, juntamente com a Norma, o blog de livros  "Tamos Lendo" 

sexta-feira, 17 de setembro de 2010

Fé & Sinais



















Por Jorge Fernandes Isah

Algo evidente, e por demais evidente no evangelicalismo atual, são os sinais, ou melhor, a necessidade deles para se crer, para se ter fé. O pragmatismo tem-se difundido tanto em nosso meio que tudo o que não se pode ver, tocar, apropriar-se e exibir não funciona, logo deve ser descartado. Vivemos a época em que o material dita o espiritual, de tal forma que a vida neste mundo tem de ser uma prévia do sucesso a ser alcançado na eternidade. O imediato vira infinito; o temporal, eterno; o carnal, espiritual; assim como a dúvida se torna certeza; a tolice, sabedoria; o não-bíblico ganha contornos bíblicos, nem que seja na marra! Porém, fica a pergunta: isso é o Evangelho ou não passa de uma distorção do Evangelho, o contra-evangelho? A mensagem cristã travestida, corrompida, distorcida e rotulada pela mente humanista e seus valores decaídos?

Um rápido "passeio" pelas igrejas e ficará evidenciado o culto utilitarista; cuja motivação está fincada, estabelecida, nas ações, ou melhor, na eficácia delas, no sentido prático em que a fé resultará em benefícios objetivos, em ações visíveis pelas quais se conhecerá a verdade. Em outras palavras, a verdade é conhecida somente se for útil naquele momento ao indivíduo; a verdade somente pode ser conhecida pela experiência, sem a qual, não há o menor sentido [empirismo]. A coisa funciona mais ou menos assim: o indivíduo vai à igreja para buscar duas coisas: a primeira, que Deus satisfaça os seus desejos; a segunda, que seja rápido em satisfazê-los. O seu valor supremo resume-se na capacidade de Deus suprir e proporcionar prazer ao homem, e de evitar que ele sofra. Sempre tendo como ponto de partida a fé do homem, aquela em que o vitorioso a exibirá como um troféu, uma medalha pendurada no pescoço, a refletir os seus feitos. Nada a ver com a fé que nos foi entregue por Deus [Ef 2.8], e que foi uma vez dada aos santos [Jd 3].

Mas, o que vem a ser fé?

Segundo o Priberam: (latim fides, -eis. f. 1. Adesão absoluta do espírito àquilo que se considera verdadeiro. 2. Fidelidade 3. Prova4. Crença.

Segundo o Michaelis: sf (lat fide) Crença, crédito; convicção da existência de algum fato ou da veracidade de alguma asserção. 2 Crença nas doutrinas da religião cristã. 3 A primeira das três virtudes teologais. 4 Fidelidade a compromissos e promessas; confiança.

E, segundo a Bíblia"Ora, a fé é o firme fundamento das coisas que se esperam, e a prova das coisas que se não vêem" [Hb 11.1].

As três definições não parecem harmônicas entre si? Paulo não está, de certa forma, corroborando a definição semântica que os lingüistas atribuem à palavra fé? E de que ela tem um valor pragmático-utilitarista? Implicando na legitimidade dos cultos e da vida cristã praticados atualmente pelos evangélicos? Será? O mesmo Paulo diz: "Não atentando nós nas coisas que se vêem, mas nas que se não vêem; porque as que se vêem são temporais, e as que se não vêem são eternas" [2Co 4.18]. E agora, o que lhe parece? Ele continua: "(Porque andamos por fé, e não por vista)" [2Co 5.7].

A questão é que muitos usam "e a prova das coisas que se não vêem" como a necessidade da fé produzir resultados, de tal forma que se eles não aparecem, não há fé. Mas, o que Paulo está a dizer é: a fé é a prova das coisas que não se vêem, porque andamos pela fé, não por vista. A fé é a prova, o testemunho da vida cristã, e a vida cristã é a prova da nossa fé; porque "todos estes morreram na fé, sem terem recebido as promessas; mas vendo-as de longe, e crendo-as, abraçando-as, confessaram que eram estrangeiros e peregrinos na terra... em esperança fomos salvos. Ora a esperança que se vê não é esperança; porque o que alguém vê como o esperará? Mas, se esperamos o que não vemos, com paciência o esperamos" [Hb 11.13; Rm 8.24-25].

Pois bem, o ponto é: tenho fé para ver, ou tenho fé para não ver? Se não ver, não tenho fé, ou mesmo não vendo, mantenho intacta a minha fé? Há uma velha onda que diz: posso tudo naquele que me fortalece, distorcendo a mensagem bíblica a fim de atender aos interesses escusos do coração. Com isso, querem dizer que, se tenho fé suficiente, posso tudo [e há de se definir o que venha a ser fé suficiente; e muitos dirão que ela será suficiente dependendo daquilo que se quer e se alcança, ou seja, o tamanho do objeto e consegui-lo é que definirá o tamanho da fé]. Mas vejamos o verso em que se baseiam: "Posso todas as coisas em Cristo que me fortalece" [Fp 4.13]. Parece uma carta-branca dada por Deus para se ter o que quiser. Bastando escrever o que mais for aprazível, agradável. Porém, o que nos fala Paulo um pouco antes? "Sei estar abatido, e sei também ter abundância; em toda a maneira, e em todas as coisas estou instruído, tanto a ter fartura, como a ter fome; tanto a ter abundância, como a padecer necessidade... todavia fizestes bem, em tomar parte na minha aflição" [Fp 4.12, 14]. Alguém se candidata a subir no púlpito e defender que posso todas as coisas em Cristo, mesmo que seja na fome e a padecer necessidade? Ou a estar abatido? Ou a participar da aflição alheia? Se pode-se todas as coisas, elas não estarão restritas apenas ao que se considera benéfico dentro do padrão humano. Riqueza, posses, poder... a solução de todos os problemas imediáticos [1] não são os únicos itens abarcados por "todas as coisas", mas também o sofrimento, a tristeza, a dor, a injustiça, a pobreza e tantos outros males. Paulo afirma claramente que Deus o sustentará em todas as situações, e de que ele viverá a fé cristã mesmo nas vissicitudes e reveses da vida.

Mais do que isso, ele chega a se gloriar em suas fraquezas, porque o poder de Deus se aperfeiçoa nela, a fim de que habite nele o poder de Cristo [2Co 12.9]. O que para muitos é sinal de fracasso, para Paulo é êxito, e assim deve ser para nós também. Devemos banir de nossas mentes o falso ensino de que a fé está atrelada ao sucesso, à riqueza, à cura, à prosperidade. Com isso, não quero dizer que pessoas de sucesso, ricas, saudáveis e prósperas não têm fé; mas de que o padrão bíblico de fé está muito além daquilo que temos, tocamos ou somos. Ele está no próprio Deus, o qual nos capacita a ter a fé verdadeira; não uma crença tola; não uma certeza no que é tangível apenas; não em reverter materialmente, numa contrapartida, o que cremos. Isso faz de Deus um negociante, e da fé uma mercadoria. Ao contrário, a fé sempre será uma relação de confiança em Deus por intermédio de Cristo, mas, sobretudo, uma relação de dependência, de submissão, de reverência, de temor a Deus; de reconhecimento da nossa frágil condição, de nossa miserabilidade e pecaminosidade diante dEle, o Deus santo e perfeito; da necessidade da sua graça e misericórdia, sem a qual sequer viveríamos, mas seríamos consumidos [Lm 3.22].

Portanto, não estou falando da fé como um conjunto de crenças; nem no assentimento intelectual puramente, como uma idéia ou conceito decorrente do estudo ou cultura; nem como a possibilidade do conhecimento divino a partir de evidências ou experiências emocionais e místicas; muito menos como a causa de resultados, ainda que proveitosos. A fé bíblica é a única capaz de fazer com que o homem reconheça o testemunho de Deus através das Escrituras, como o auto-testamento divino; nas certezas que somente podem ser vistas e entendidas por aqueles a quem Deus abrir os olhos para verem, e os ouvidos para ouvirem, e a dar-lhes entendimento para que creiam, se convertam e sejam salvos [Jo 12.40]. A fé é autenticada pelo próprio Deus, reveladas pelo seu Espírito, que no-la-deu para que pudéssemos conhecer o que nos é entregue gratuitamente por Ele [1Co 2.10-13]. Logo Cristo é o autor e consumador da nossa fé [Hb 12.2].

Alguém pode dizer: Precisamos dos sinais para crer, assim como Cristo deu sinais para que o povo cresse. Sim. Isso é verdade, o Senhor fez muitos sinais para que acreditassem ser ele o Cristo; "porém, foram escritos para que creiais que Jesus é o Cristo, o Filho de Deus, e para que, crendo, tenhais vida em seu nome" [Jo 20.31]. Sem que houvesse sinais, o Evangelho não seria escrito. Sem o Evangelho, como crer? Sem a palavra, seria possível conhecer a Deus e ter vida? Há de se entender que a nossa dispensação é outra. Não mais Deus fala diretamente com o povo através dos profetas. Nem os milagres são necessários para que creiamos. O Espírito é que nos ensina, instrui e convence a partir do que está escrito: a Bíblia; porque "nós temos a mente de Cristo" [1Co 2.16]. Nada mais é preciso, ainda que Deus esteja agindo, curando, santificando, salvando, segundo a sua providência, como sempre agiu na história, governando o universo. Precisamos da Palavra, do Espírito e da mente de Cristo. Mais nada, para que a nossa fé seja autêntica.

Após a ressurreição, Cristo apareceu aos apóstolos, menos um, Tomé. Diante do relato dos demais, que viram o Senhor, ele proferiu: "Se eu não vir o sinal dos cravos em suas mãos, e não puser o meu dedo no lugar dos cravos, e não puser a minha mão no seu lado, de maneira nenhuma o crerei" [Jo 20.25]. Novamente, o Senhor encontrou os seus, e Tomé estava entre eles. Cristo lhe disse: "Põe aqui o teu dedo, e vê as minhas mãos; e chega a tua mão, e põe-na no meu lado; e não sejas incrédulo, mas crente. E Tomé, respondeu, e disse-lhe: Senhor meu, e Deus meu! Disse-lhe Jesus: Porque me viste, Tomé, creste; bem-aventurados os que não viram e creram" [Jo 20.27-29]. Esse relato não está na Bíblia atoa, mas para que creiamos, mesmo sem os sinais, mesmo sem os milagres estrepitosos; por que a nossa própria vida já é um milagre, ainda mais se significar a eternidade ao lado do nosso Senhor. Mas nada disso acontecerá se não formos resgatados das trevas pelo seu poder.

Cristo fez inúmeros milagres, tais como ninguém mais fez e viu, mesmo assim eles foram insuficientes para salvar uma multidão de incrédulos. Mesmo vendo-os, seus corações permaneceram duros, inflexíveis, diante de tão gloriosa salvação. Por que? Primeiro, os milagres não salvam. Segundo, os milagres não nos faz crer em Cristo. Terceiro, os milagres tornam-nos inescusáveis diante de Deus. Quarto, em muitos casos, o homem busca neles a sua glória, não a de Deus. Como Paulo escreveu: "Porque os judeus pedem sinal, e os gregos buscam sabedoria; mas nós pregamos a Cristo crucificado, que é escândalo para os judeus, e loucura para os gregos" [1Co 1.22-23].

De nada adiantam os milagres e o conhecimento, sem fé. Da mesma forma, de nada adianta pregar a Cristo crucificado, sem fé. Pois ele continuará indignando os que pedem milagres e os vêem mas não foram regenerados; e continuará insensato e extravagante para os que buscam conhecimento sem serem regenerados. Porém, aos que foram, bastará a pregação do Evangelho para, crendo, mesmo não vendo, amar o Senhor, "alcançando o fim da vossa fé, a salvação das vossas almas" [1Pe 1.9]

Nota: [1] imediático: aquele que é partidário do imediatismo; que cuida absorventemente do que dá vantagem imediata.