Por Jorge Fernandes Isah
Este texto é parte de um bate-papo com um irmão que me consultou, por email, sobre algumas questões que achei pertinentes reproduzi-las aqui, com a devida autorização dele; cujo nome será preservador, e o chamarei de Ivan. O questionamento dele virá primeiro, entre “aspas” e em laranja, e o meu comentário logo em seguida, em preto.
“Estou escrevendo esse e-mail para tirar algumas dúvidas sobre Escatologia. Encontrei seu blog, Kálamos, a pouco tempo e gostei muito de muitos artigos. Pude ver que você segue a linha de interpretação pós-milenista referente a Escatologia. É isso mesmo? Ou entendi mal?”
Sou um falso pós-milenista [rsrs]. Na verdade, não me defini escatologicamente, por falta de tempo para estudar o assunto. Como fui convertido há exatos 6 anos, tenho preferido estudar assuntos mais urgentes sobre os quais me tenho debruçado e, infelizmente, a questão escatológica vai-se arrastando até quando Deus quiser que se arraste.
O que causa a confusão, e não somente a você mas a outros irmãos, é que sou teonomista [até onde estudei], e a teonomia é sempre confundida com dominionismo, reconstrucionismo e pós-milenismo. Sou o que gosto de dizer, um teonomista pessimista. Defendo a aplicação da Lei do AT nos dias de hoje para todos os homens, mas não acredito que isso vá acontecer, exatamente por acreditar que o mundo caminha mesmo para a rejeição e negação de Deus e sua vontade. Mas isso não me impede de lutar, defender, e tentar a todo custo que os crentes entendam a unidade da Escritura e a urgência de se voltar a essa unidade, inclusive na aplicação da Lei, para que o mundo seja mais justo. O fato de eu não crer que a Lei divina será aplicada no mundo, não me impede de lutar para que seja. Por isso, acho que me confundem com pós-milenista, exatamente porque não defendo a apatia, omissão e a "espera" do crente na volta de Cristo, enquanto os ímpios ganham espaço em todas as esferas, a imoralidade e a antiética campeiem, e o cinismo de muitos se eleve à potência máxima, com aquele discurso de querer ver o mundo explodir para que Cristo volte mais rapidamente a reinar.
Acontece que Cristo reina e nunca deixou de reinar. A Escritura diz que pelo poder de sua palavra sustenta todas as coisas, até mesmo esse mundo caído. E sustentar vai muito além de apenas dar as condições mínimas para que o mundo sobreviva, mas quer dizer controlar todas as coisas, em seus mínimos detalhes. Ajo sem me preocupar com os resultados, da mesma forma que evangelizo sem me preocupar se vão crer ou não, sem me preocupar em quantos crerão na palavra ou não, pois cabe-me apenas proclamar o Evangelho de Cristo crucificado, e o resto, deixo para o Senhor. Não tenho de ser eloquente, articulado, convincente [nada me impede também de sê-lo], mas o meu dever, como servo inútil, é falar de Cristo, nada mais. A obra é do Espírito Santo que dará convencimento, regeneração, fé, e convicção ao novo-nascido.
“Eu já conheço o site monergismo em português, mas parece que há poucos defensores dessa linha no meio evangélico brasileiro”.
Conheço muitos irmãos pós-milenistas, mas se há alguém que estuda e defende com unhas e dentes essa visão escatológica é o meu amigo Natan de Oliveira. No blog dele há muitas postagens sobre o assunto, inclusive um estudo sobre Mateus 24. Uma pena ele ter excluído todos os comentários de suas postagens, que poderiam ajudar no entendimento do assunto, mas paciência! Dê uma chegada lá, e se quiser, contate-o por email, o qual está disponível na página principal do "Reflexões Reformadas", para dialogar com ele.
“Confesso que ainda sou pré-milenista, mas abandonei a linha dispensacionalista, pré-tribulacionista. Eu não consigo ler o Apocalipse ou Tessalonicenses e ver um arrebatamento secreto sete anos antes da vinda de Cristo e acho que essa linha é até anti-semita, pois coloca Israel pra sofrer na tribulação, enquanto os gentios convertidos são tirados. Engraçado é que os dispensacionalistas pregam um grande amor por Israel, mas os separam do corpo de Cristo que é a Igreja. Acho contraditório”.
Também iniciei no dispensacionalismo, mas sem estudar muito, lendo apenas alguns livros; mas o que me tornou incrédulo nessa doutrina é o fato dela se contrapor a princípios claramente bíblicos, revelando-se antibíblicos em muitos aspectos, e um verdadeiro delírio teológico. Também me simpatizo muito com o pré-milenismo histórico, mas, como disse, ainda não me defini escatalogicamente. Pode parecer estranho um Calvinista, teonomista e pré-milenista, mas é mais ou menos o que sou... Por falar nisso, Gordon Clark também o era.
“Bom, sou batista, e na minha igreja sou minoria, pois a linha ensinada e crida por aqui é a do pré-milenismo dispensacionalista”.
Os batistas já há algum tempo se perderam em sua história. Mas graças a Deus há igrejas que estão voltando à fé dos nossos pais, crendo na verdade bíblica chamada Calvinismo. E muitas abandonando o dispensacionalismo, e firmando-se no pré-milenismo histórico ou no amilenismo que fazem parte da nossa tradição.
“Você deve saber também que circula uma infinidade de informações na web sobre conspirações de grupos como maçonaria, clube billderberg, illuminatis, etc. Há artigos e documentários aos montes sobre tudo isso, como no youtube por exemplo. E algumas coisas que se passam no mundo parecem indicar algo estranho. A gente ouve falar de aquecimento global, de chip, haarp, de aumento de terremotos e catástrofes climáticas e todo esse movimento na economia e na política mundial. Reunião de países emergentes, de G-8, de G-20, tensão entre Israel e Irã, EUA e China, socialização da América do Sul, etc”. Olha, sinceramente, evito esse tipo de assunto. Acho muito alarmista e pouco producente. Não vejo o evangelismo, a caridade e o amor aumentarem por causa dessas preocupações. Então, evito-as o máximo que posso. Ao ponto de não ler revistas, jornais e ver noticiários de tv. Sou quase um ermitão numa metrópole [rsrs]. Uso muito a internet e sou seletivo no que leio. Gosto mais de livros que de periódicos. Há uma linha de pensamento de que a escatologia definirá a nossa visão cristã, e de certa forma, creio ser verdade, não para todos, mas para a maioria. Mas o que acontece mesmo é que se pode ter duas visões, por exemplo, dentro do mesmo sistema:
1) No dispensacionalismo, o crente pode ter a urgência de pregar o Evangelho, pois, segundo ele, Cristo não voltará antes que a palavra seja ouvida em todos os cantos da terra. Então, a motivação de se evangelizar não é para salvar almas, nem para glorificar o Senhor na obra expiatória e justificadora na cruz, mas para que Cristo volte, de tal forma que a vitória seja assegurada e o alívio esteja garantido. E a ordem para o crente é de proclamar o Evangelho e fazer discípulos em todas as nações, sem se preocupar que isso seja um indicativo de que ele está às portas ou não. De outro lado, pode haver irmãos que abandonarão o evangelismo porque os "sinais" da vinda do Senhor são tão evidentes que se torna desnecessária a proclamação e o fazer discípulos, por uma questão de tempo, e porque outros irmãos já se adiantaram na questão e o processo todo está perto de se concluir.
2) No pós-milenismo, pode acontecer de irmãos proclamarem o Evangelho para o crescimento do Reino, querendo que ele cresça e se multiplique como o grão de mostarda ou as areias da praia, e assim ele se instale. Mas também pode levar muitos a permanecerem estéreis e inertes quanto ao evangelismo, porque tudo se cumprirá de um jeito ou de outro, trabalhando-se individualmente ou não. Deus realizará a sua obra de qualquer maneira, quer me use ou use outro em meu lugar.
O que eu acho é que a motivação está errada, pois o evangelismo [e aqui evangelismo não é somente para a salvação, aquela pregação que faz com que as pessoas aceitem Jesus, mas também o discipulado de recém-convertidos e mesmo de irmãos mais "velhos" na fé] deve ser, sobretudo, por amor a Cristo, por amor ao Evangelho, por amor à Verdade, e por amor aos que estão perdidos. Se eu tiver isso imbuído em meu coração, estarei fazendo a coisa certa, da forma certa, quer seja dispensacionalista, “a” ou pós-milenista.
“Diante de tanta notícia e convulsão social parece fazer sentido o que dizem os pré-milenistas. A última eleição, por exemplo, foi decepcionante pra mim, eu vi a esquerda se agigantar e adquirir mais força. Além disso, constatei que no meio cristão temas que antes nos uniam, hoje nos separam. Me assustei com o aparecimento de crentes que defendem o aborto, a prática homossexual e até acharam que a igreja deveria ser alvo de maior controle do governo mesmo, pois estaria falando demais”.
Essa é a distorção do Evangelho em muitos redutos ditos cristãos. Como sempre digo, há aqueles que fatiam o Evangelho e pegam o que lhes interessam, como se a Bíblia fosse "self-service", onde se escolhe o que quer e descarta-se o que não se quer. Infelizmente, parece cada vez mais um método a se usar, numa falsa interpretação, que, no final, faz com que a pessoa não tenha nada, pois ter uma parte da palavra e rejeitar o todo é o mesmo que se iludir achando possível escolher aquilo em que se vai crer. A Bíblia é para ser crida, entendida e aceita em sua inteireza, de nada adianta se apropriar de pedaços, frações, pois o entendimento somente é possível pelo todo.
O que esses irmãos que defendem a imoralidade estão a fazer é desprezar a palavra e o próprio Deus, de uma maneira acintosa, vergonhosa, dissoluta. São anticristãos que se dizem cristãos com o intuito de confundir e enganar os cristãos [se fosse possível].
As ideologias e os esquemas humanistas aos quais eles são convertidos, e pelos quais têm fé, é que ditam a sua doutrina em um falso deus, em um falso evangelho, em uma falsa igreja, em um falso padrão moral, crendo-se vivos quando estão mortos.
“Será que sou muito pessimista, estou enxergando problema onde não há? Eu tenho visto o pecado se multiplicar, o afeto das pessoas diminuírem, a irreverência aumentar. Eu acho que essa geração atual é uma das mais irreverentes, basta olhar o que se tornou o culto”.
Você está certo, meu irmão! Tenho a mesma impressão. Acontece que se olharmos para o passado, veremos que o ciclo atual em que vivemos também aconteceu em outras épocas da história. A Escritura mesmo relata uma série de fases em que Israel estava entre à apostasia, dominados pelo pecado, pela imoralidade, pela idolatria e desfarçatez. Porém, sempre houve, em todos os tempos, aqueles que foram separados pelo Senhor para proclamarem a sua palavra, exortando o povo a voltar ao caminho da verdade, vivendo por e para Deus. O mesmo aconteceu em outras fases do Cristianismo, e está acontecendo agora, contudo, não acho que deva haver pessimismo, pois Deus está no controle de todas as coisas, e o mundo e a história caminharão segundo a sua vontade. Sem cruzar os braços e esperar, mas agindo para que o Evangelho se multiplique, as vidas sejam transformadas, a luz resplandeça em meio às trevas, e para não sermos cínicos a ponto de nos rir com a miséria e a desgraça humana.
“Uma visão superficial das linhas escatológicas me dá a impressão que o pré-milenismo empolga o estudo do assunto, mas nos deixa apreensivos com os acontecimentos e às vezes nos leva a um estado de preocupação excessiva.
O amilenismo trás um pouco de paz, mas deixa muitas lacunas, não é profundo. Parece que, com exceção de alguns ortodoxos, os liberais se agradam mais dessa linha.
Já o pós-milenismo é o menos popular, parece que carrega o esteriótipo do puritanismo que fundou os EUA e que jamais vai ter sucesso novamente, numa sociedade secularista como a nossa. Enche o coração de esperança, mas às vezes esbarra na dura realidade do abandono da fé em países outrora cristãos, como na Europa e na luta contra o pluralismo de idéias que deixa esse mundo muito confuso.
Essa questão toda tem me incomodado muito”
Há um ditado que diz que o futuro a Deus pertence. E ele até poderia ser um versículo bíblico, pois reflete a verdade. Acontece que o tempo e a história como toda a Criação pertencem a Deus, de tal forma que uma folha não cai sem que ele não queira. Então, ficar preocupado com o futuro me parece uma perda de tempo, literalmente, pois, nos impedirá de viver o presente e de ser significativo agora. Acredito que foi mais ou menos isso que o Senhor disse: "Buscai primeiro o reino de Deus, e a sua justiça, e todas estas coisas vos serão acrescentadas. Não vos inquieteis, pois, pelo dia de amanhã, porque o dia de amanhã cuidará de si mesmo. Basta a cada dia o seu mal" [Mt 6.33-34].
O importante é saber que Cristo voltará a seu tempo, segundo o que foi determinado eternamente por Deus, nem um segundo a mais, nem um segundo a menos, e resta-nos esperar esse dia glorioso em que nos uniremos para sempre com o nosso Senhor; mas, aqui neste mundo, é-nos ordenado fazer a obra que nos foi dada realizar, como testemunhas vivas de Cristo. As inquietações apenas nos tirarão o foco, do objetivo principal de vivermos como sal e luz no mundo caído, perdido e sem esperança.
“Como você enxerga as coisas? o que você acha de tudo isso? Muita gente diz que não faz diferença. Creio que relativamente a salvação não faz, porque ela é pela fé em Cristo somente, mas em meu interior faz diferença, produz sensações diferentes. Por exemplo, se levo muito a sério o que diz o pré-milenismo e as teorias de conspiração, então vejo uma preparação para o anticristo muito próxima e a volta de Jesus também, e aí eu não sinto muita motivação para fazer planos de progresso profissional, casar, ter filhos, pois a expectativa é de tudo ir piorando até Jesus voltar e sua volta é a única alegria”.
Não se preocupe com o que está à sua volta mais do que é necessário. Viva a sua vida, viva-a na plenitude do Evangelho, na plenitude do Espírito Santo, e garanto que você encontrará paz, esperança e fará planos para a sua vida. E qual o maior de todos os planos? Servir a Deus seja em qual condição, situação, estado em que se encontre. Paulo diz que: "justificados pela fé, temos paz com Deus por nosso Senhor Jesus Cristo" [Rm 5.1]. Veja bem, temos paz com Deus e por Cristo, ele é a nossa paz. Isso não quer dizer que teremos paz com o mundo, pelo contrário, o Senhor alerta-nos: "Tenho-vos dito isto, para que em mim tenhais paz; no mundo tereis aflições, mas tende bom ânimo, eu venci o mundo" [Jo 16.33]. Isso deveria ser mais do que suficiente para tocarmos a obra de Deus, mesmo entre as aflições, porém, crendo que ele é quem nos sustenta e sustentará em tudo. Voltando a Paulo, ele diz: "temos entrada pela fé a esta graça, na qual estamos firmes e nos gloriamos na esperança da glória de Deus. E não somente isto, mas também nos gloriamos nas tribulações sabendo que a tribulação produz a paciência, e a paciência a experiência, e a experiência a esperança. E a esperança não traz confusão, porquanto o amor de Deus está derramado em nossos corações pelo Espírito Santo que nos foi dado" [Rm 5.2-5]. Como ele ainda diz: "Se esperamos em Cristo só nesta vida, somos os mais miseráveis de todos os homens" [1Co 15.19].
“Se abraço o amilenismo, temo cair numa linha mais espiritualizante da Bíblia que abra porta pra que eu me torne relativista na interpretação de outras doutrinas fundamentais.
Já o pós-milenismo, me proporciona uma esperança de ver o mundo mudar pra melhor, pelo poder do Evangelho, mas isso num prazo longo e de árduo trabalho, num mundo que dá sinais preocupantes no momento. Também abre o horizonte para sonhar mais com família, trabalho, etc. Tendo por ruim apenas a necessidade de passar pela experiência da morte, o que não me agrada, não tenho medo da morte, me incomoda é o que se sente no momento.
O que devo fazer? O que seria saudável?”.
Acho que já dei algumas diretrizes acima, sem que eu seja provavelmente a melhor pessoa para ajudá-lo. Mas tento aplicar na minha vida aquilo que Deus nos orienta a viver. Não penso muito no futuro, pois nem mesmo sei se estarei nele. Não me impressiono pelo que acontece ao meu redor, ainda que muitas coisas me entristeçam, algumas me aflijam, outras me irritem, e ainda outras me magoem. Sabendo que todas as coisas concorrem para o bem daqueles que amam a Deus, daqueles que são chamados segundo o seu propósito, lanço todas essas coisas sobre o meu Senhor, que é poderoso para me acalmar, me dar alívio e paz. Vejo os exemplos dos santos, Paulo, João, Pedro e tantos outros irmãos que diante das perseguições, tribulações, dúvidas, injustiças e maldades, esperaram naquele que é o único capaz de nos dar a vitória sobre o sofrimento, a morte e a incerteza: Cristo! E, também, saber que temos uma missão aqui, uma obra que Deus realizará através de nós, sem me preocupar com sinais, com a descrença, com a imoralidade e com a aparente derrota que se faz inevitável [o arrebatamento pré-tribulacionista me parece um "jeitinho" de garantir uma derrota menos vergonhosa para a igreja, como se ela não fosse capaz de lutar, nem mesmo sobreviver em meio à luta]; realmente, isso tudo pouco importa para definir aquilo que tenho de fazer, e aquilo que ainda não fiz. Somos mais do que vencedores na morte à qual somos entregues todo o dia, e como ovelhas que vão para o matadouro, por aquele que nos amou [Rm 8.36-37].
O que posso lhe dizer ao final? Deixo Paulo falar: "Portanto, meus amados irmãos, sede firmes e constantes, sempre abundantes na obra do Senhor, sabendo que o vosso trabalho não é vão no Senhor" [1Co 15.58]... e, assim, possamos sempre ter gozo nele, em qualquer situação, como nos foi ordenado: "Regozijai-vos sempre no Senhor; outra vez digo, regozijai-vos" [Fp 4.4].
"Desculpe se estiver incomodando. Mas, gostaria muito que, se você pudesse, estivesse me esclarecendo essas coisas. A grande maioria não se preocupa mais com a verdade, estou falando infelizmente da igreja. Eu quero entender corretamente, acho importante.
Aguardo sua resposta, se você puder e quiser.
Um abraço.
Ivan".
Meu irmão, escreva sempre que quiser. Será um prazer conversar consigo.
Grande abraço!
Cristo o abençoe!