Por Jorge Fernandes Isah
Se há algo que tem me deixado irritado é o fato de algumas pessoas [e parece que o número está em uma crescente] apelarem para a isenção, para a neutralidade, como se fosse possível erguer um muro, subir nele, e lá do alto observar placidamente os dois lados no esforço "despropositado" de defender seus territórios. É algo que beira as raias do absurdo! O pior é saber que, os que assim pensam, estão imbuídos de propagar essa idéia como se fosse a mais nova revelação do século, como se a última verdade inalienável e irrefutável. São tantos os “furos” que nem mesmo contar os buracos em uma montanha de queijos suíços far-lhe-ia jus.
Tudo começou quando me chegou às mãos um texto de um heterodoxo[1] que se diz não-heterodoxo, mas que combate veementemente a ortodoxia[2]. A tática é a mais vil possível, sub-reptícia, dissimulada, de parecer algo sem querer ser visto com o que se parece. É mais ou menos como se fingir de morto para continuar vivo. Como o texto é muito grande, e a profusão de bobagens nele contidas daria um livro de refutações, pegarei apenas alguns exemplos que demonstrarão como essa forma de pensar é perigosa, especialmente para quem a lê e vislumbra ali algum sinal de sabedoria e verdade.
Ele diz [o texto do autor estará entre aspas e o meu comentário logo abaixo]:
“Inteiramente irrelevante para o resto do mundo, desenrola-se nos nossos dias um acirrado embate teológico...”.
Se o debate é medieval e irrelevante para o "resto do mundo" [e aqui é necessário dizer: qual autoridade ele se arvora e tem para decidir pelo resto do mundo que o debate é irrelevante?], por que ele está a discuti-lo? E o faz por mais de cinco laudas? Tudo bem que ele parece relevante para o mundo cristão, senão não estaria a debatê-lo; porém, fica a pergunta: o que é relevante para o mundo dos crentes não é relevante para o "resto do mundo"? Por que?... Bastaria esse primeiro parágrafo para eu desistir de lê-lo, visto que irá falar de algo que considera desnecessário; mas é que entre os modernos cristãos o escrevinhador é um tipo de “guru”, um guia de cegos, e como o texto me veio por um amigo, achei que lendo e apontando seus eventuais erros, estaria auxiliando-o [o amigo] a discernir melhor esse comportamento... digamos... incoerente, para ficar no mínimo e usar um termo suave.
“Entendem eles (os heterodoxos) que o Deus da Bíblia é poderoso não por dirigir a história com punho de ferro, mas por garantir um resultado final positivo sem dobrar-se à solução fácil que seria controlar todas as variáveis”.
É tudo um arremedo de pensamento bíblico, porém sem Biblia. Essa última frase define bem a "loucura" em que esse pensamento pode levar. Quer dizer que Deus não dirige a história com mão de ferro, nem controla todas as variáveis, mas ainda assim garante um resultado final positivo? Mas como isso se daria? Através de quais meios, de quais elementos? É realista a idéia de se ter um final sem o meio? Seria o mesmo que alguém fabricar um produto sem linha de produção. Como num passe de mágica. E a mágica é exatamente isso: a ilusão de que algo pode existir a partir do absurdo. Por um poder que não se tem. Podem alegar que Deus tem esse poder, até mesmo de fazer o absurdo. Contudo, desde a Criação estamos num processo, num desenrolar da história, num encadeamento de eventos, os quais se não forem controlados podem não resultar no final pretendido. Da mesma forma que uma montadora, para produzir um carro, não pode se utilizar de meios e materiais que resultarão na produção de lingüiça, por exemplo, e vice-versa. Se quero lingüiça, terei de usar carne, conservantes e tripa. Se quero um carro, terei de usar aço, alumínio, plástico, etc. Se Deus quer um final certo, terá de controlar todo o processo e se utilizar dos meios corretos, senão a massa pode azedar... Seria impossível até mesmo aos eventos surgirem; ou seriam eles autorealizáveis? Ou realizáveis por outro deus ou fonte?
“Se Deus predestinou, Jesus morreu para beneficiar uma elite arbitrária de eleitos, o que é moralmente inaceitável e incompatível com o caráter amoroso e inclusivo de Deus revelado no tom geral da Escritura”.
Qual a prova que ele dá para o caráter amoroso e inclusivo de Deus na Escritura? Pelo contrário, a Escritura é exclusivista, pois advoga para si o direito de única revelação de Deus. E o Deus bíblico como o único Deus, não havendo outro [Is 45.5]. Não há inclusão, não há acomodação, mas recusa em aceitar qualquer um que não se enquadre nos seus princípios. E quais são eles? São os que Deus determinou para o seu povo, e não o que ele deixou “ao deus dará”, como algo que qualquer um poderia se apropriar ou não. Alegar um "tom geral" é disfarçar a própria ignorância quanto ao que se diz, demonstrando claramente não saber o que dizer... E quem define o que é moralmente aceitável ou inaceitável? Deus ou o homem? Quem criou as regras? E quem as deve obedecer? Como está escrito: "sempre seja Deus verdadeiro, e todo o homem mentiroso" [Rm 3.4]. O que o heterodoxo defende abertamente é o direito de ser livre de Deus, e de não estar sob o seu controle, mas de viver um autonomismo que o levará invariavelmente à manutenção da rebeldia, pois também está escrito: "Não há um justo, nem um sequer. Não há ninguém que entenda; não há ninguém que busque a Deus. Todos se extraviaram, e juntamente se fizeram inúteis" [Rm 3.10-11]. Então a qual liberdade ele se apega? À de pecar livremente?
Falando de dois amigos: “Acusados com freqüência de flertar com o teísmo aberto são os líderes evangélicos que ousaram lamentar as conseqüências morais do calvinismo e opinar que a realidade talvez não seja tão simples”.
Primeiro, quais as conseqüências morais do Calvinismo a se lamentar? Segundo, quem disse que a realidade era simples? Terceiro, e o que a tornou menos simples ainda? Quarto, mais ousado que eles foi o próprio diabo, que ousou opor-se a Deus e querer se fazer como ele. Assim como Adão e Eva que também quiseram ser como Deus. É a essa ousadia que ele está se referindo?
Ainda sobre eles: “Sua fé diz mais a respeito às suas dúvidas do que às suas certezas; isso cria um precedente que é essencialmente destrutivo à supremacia da ortodoxolatria e precisa ser por essa razão eliminado pelos que se preocupam com esse tipo de coisa”.
A definição de fé do nosso amigo é bastante interessante, para não dizer heterodoxa, pois a Bíblia claramente delineia a fé como sendo "o firme fundamento das coisas que se esperam, e a prova das coisas que se não vêem" [Hb 11.1]. Ora, ele alega uma fé mais a respeito de dúvidas que de certezas, então isso é a anti-fé, a não-fé bíblica, uma fé às avessas. E não é de hoje que esse tipo de “fé” existe, e não houve um projeto de erradicá-la, a não ser pela proclamação da verdade. Então apelar para uma “ortodoxolatria” é atirar a esmo, no vazio, primeiro, porque adorar a Deus e sua palavra não está no âmbito da idolatria, previsto na própria lei divina. Segundo, pela defesa do autor, facilmente pode-se rotulá-lo de heterodólatra, especialmente por defender uma fé não-bíblica, posta num outro deus, um deus igualmente não-biblico. O que mais salta aos olhos é que os argumentos são flagrantemente contrários ao enunciado da Escritura, que diz: “pela qual também temos entrada pela fé a esta graça, na qual estamos firmes e nos gloriamos na esperança da glória de Deus... e a esperança não traz confusão” [Rm 5.2,5]. Quer dizer que a dúvida está em vantagem sobre a certeza? E, se há tantas dúvidas assim na heterodoxia, porque eles têm tanta certeza de que a ortodoxia está errada? Ou, na verdade, é uma defesa da dúvida contra a certeza, mesmo que seja certo duvidar da certeza sem ter a certeza de que a dúvida é certa? É o samba-do-crioulo-doido entremeado pelo funk tresloucado, cantado por um mudo e dançado por um manco.
“Prefiro a confortável posição de denunciar o calvinismo sem endossar a doutrina do teísmo aberto - doutrina que é no fim das contas tão limitante e extrema quanto a que pretende invalidar”.
Quer dizer que abóboras são mexericas? Pelos frutos conhecereis a árvore, diz o Senhor. Mas o autor quer criar um mundo de ilusão, onde o que crê pode ser algo tão etéreo que paire sobre as cabeças como um gás venenoso, bastando não respirá-lo para não se morrer. Contudo, sem dispor de qualquer equipamento de proteção que o impeça de se intoxicar. A sua intenção é visível: usar a tática de denunciar o Calvinismo sem endossar o T.A, para assim parecer imparcial, neutro, isento, e poder defender “abertamente” o T.A. Acontece que a mãe da ilogicidade é exatamente essa, achar que se pode combater algo sem que com isso esteja a se defender o oposto. Se combate-se o Calvinismo, certamente, em algum aspecto, se defende o T.A, o Arminianismo e congêneres. Se combate-se a ortodoxia, defende-se a heterodoxia. É simples. Não há saída. O ataque pressupõe a defesa, e vice-versa. Qualquer menino em fase pré-escolar sabe disso. Mas a idéia aqui é ludibriar, farsear, como disse no início, fingir-se de morto para sobreviver. É a mais deslavada dissimulação, com o intuito de destruir o Cristianismo bíblico, e em seu lugar disseminar o anti-cristianismo. Apelar para uma zona neutra, onde se possa bater à vontade sem tomar partido, é falácia. Como o Senhor disse: aquele que comigo não ajunta, espalha [Lc 11.23]. Não há meio-termo, nem isenção. Qualquer tentativa de se defender essa idéia chama-se embuste, desonestidade, ou autoengano.
“Isso porque a falta essencial que os calvinistas encontram no teísmo aberto e na teologia racional é de lógica. Seus defensores prestam culto à lógica formal, seguindo implacavelmente de suas próprias premissas a conclusões estanques”.
Bem, diante disso, não é preciso dizer muito. Apenas: há afirmação mais ilógica do que essa? Que se pretende soar como lógica?
“Porém o que alguém está realmente dizendo quando recorre a abstrações como "Deus é eterno por natureza"? O que é ser eterno por natureza? O raciocínio pode ser considerado um guia claro para a natureza da eternidade? O que é ser onipresente? Pode Deus estar presente em lugares que não existem?”.
Questionamentos dignos de uma criança no maternal; e até mesmo muitas delas poderiam responder acertadamente sem exitar. Mas o mais bizarro é que essas inquirições em nada corroboram sua tentativa de defesa... mas afinal, o quê mesmo está a se defender? Ou lhe basta atacar a ortodoxia?... Conheço o jogo, é mais do que isso. Chama-se astúcia, algo próximo do golpe-baixo, atacar o visível para defender o invisível, e deixar que os tolos acreditem que o visível é invisível, e o invisível é visível. Como está escrito: "Ai dos que ao mal chamam bem, e ao bem mal; que fazem das trevas luz, e da luz trevas; e fazem do amargo doce, e do doce amargo!" [Is 5.20].
“A mensagem consistente da voz ou das vozes bíblicas parece ser que a verdade de Deus só pode ser experimentada adequadamente pelo relacionamento - jamais pela razão, pela doutrina ou pela lei, que são símbolos ou intermediários”.
Balela! Falsa conclusão repousada em falsas premissas, que sequer indicou, mas que são evidenciadas pelo pensamento heterodoxo de destruir o ortodoxo, como se séculos de história, de debates e de conclusões, em que inúmeros homens usados por Deus organizaram a cosmovisão cristã, pudessem ser jogados na latrina em favor de um pensamento revolucionário que em nada é novo, pelo contrário, está apenas sendo repaginado e adequado em detalhes ao mundo pós-moderno, descrente e insano em que vivemos; em que a palavra desconstrução não constrói mas apenas destrói. Ao apelar-se para a não-logicidade da Bíblia equivale-se a dizer que todo o seu texto sem sentido é realmente sem sentido [no que estou a aceitar], então, por que o autor deveria ser lido como se fosse relevante?
“Como qualquer pessoa em qualquer relacionamento, a verdade cristã pode ser inquestionavelmente abraçada, jamais explicada ou entendida” [negrito do próprio autor].
A Bíblia nos foi dada para ser entendida, não sentida. Se fosse assim, qualquer animal poderia se converter... mesmo os vegetais. Mas a revelação foi dada aos homens, seres racionais, não irracionais. Até mesmo a revelação natural pode ser percebida por uma mente racional, ainda que não convertida, mas jamais por um animal. Não se vê cães adorando um deus-cão ou ao homem. A relação entre eles e nós é apenas de dominação: ou vão nos dominar, ou iremos dominá-los. Ou estaremos sujeitos à sua autoridade [e é engraçado como uma criatura racional pode ser controlada por outra irracional. pela sua força ou poder], ou eles se sujeitarão à nossa autoridade. Portanto a Bíblia foi escrita com razão e pela razão, para que Deus e a sua vontade fossem conhecidos pelo homem. E a partir do conhecimento, sentíssemos o doce perfume de Cristo. Sem entendimento, como sentir? É possível sentir o desconhecido? O inexistente?... Evidencia-se o que o autor deseja: desqualificar a revelação e valorizar a emoção, o subjetivismo, como sendo algo mais valoroso que o entendimento e a objetividade. E nunca será. Como Paulo disse: "Como, pois, invocarão aquele em quem não creram? e como crerão naquele de quem não ouviram? e como ouvirão, se não há quem pregue?... De sorte que a fé é pelo ouvir, e o ouvir pela palavra de Deus." [Rm 10.14]. Sem que haja a exposição da palavra, como haverá conversão? A proclamação do Evangelho de Cristo, ou seja, o ensino, é que será usado pelo Espírito Santo para operar o arrependimento e o novo-nascimento no pecador. O autor pretende simplesmente relativizar a Escritura, quando alega que a "verdade cristã pode ser inquestinonavelmente abraçada, jamais explicada ou entendida". Mas através de qual princípio bíblico ele apreendeu isso? E como se pode conhecer a verdade sem entendê-la? E o que difere a verdade da não-verdade sem o discernimento de ambas? Sem o entendimento é-se possível defini-la? Sem explicá-la [ao contrario do que ele mesmo tenta em seu texto] pode-se entendê-la? A partir do quê? Qual é a sua proposta afinal? Devemos comer as suas páginas? Ou esfregá-las na pele?... A verdade é que o coração do homem é enganoso [Jr 17.9]. Está lá na Escritura. Mas parece que é mais fácil crer a mentira ou travesti-la de inquestionabilidade. O que me leva a novamente perguntar: como podem ser inquestionáveis e indubitáveis as dúvidas desse escrevinhador? Ou, em outras palavras, ele tem certezas demais para quem duvida tanto. Ou seriam as suas dúvidas nada mais do que as certezas que não quer aceitar? E teima em rejeitar?
“O efeito dessa nossa obsessão em precisar o conteúdo intelectual da verdadeira fé está em que enquanto fazemos isso conseguimos manter Jesus irrelevante para o restante e vasta maioria do mundo”
Novamente uma conclusão generalizada, que demonstra uma certa onisciência que nem mesmo em Deus ele acredita existir. Uma verdade que nem mesmo na Bíblia ele reconhece. Uma certeza que a sua própria doutrina descarta. É um lengalenga sem fim ao acusar-nos de repetir o que a igreja definiu em 2.000 anos de história, mas que também não os impediu de repetir o proposto pelo “outro lado” nos últimos 2.000 anos, com uma diferença: não querem o rótulo, nem a associação com ele, para assim transmitirem mais fácil e dolosamente o conteúdo que o rótulo, de alguma maneira, pode inibir a propagação. E, pior, nem mesmo querem definir ou construir algo, apenas destruir o que está posto, com a alegação de irrelevância. Mas se irrelevante, por que insistir no debate? E por que se deve aceitar como relevante a opinião de que o debate é irrelevante? Apenas por que o autor o quer irrelevante?
É para fechar a feira, na hora!
E está fechada!
Nota: [1] Heterodoxo-(cs) adj (gr heteródoxos) 1 Diz-se de doutrinas, livros etc., contrários a algum padrão ou dogma estabelecido, ou diferentes dele; herético. 2 Diz-se daquele que sustenta doutrina contrária a algum princípio fundamental de uma religião ou sistema. Antôn: ortodoxo.
[2] Ortodoxia-(cs) sf (ortodoxo+ia1) 1 Qualidade de ortodoxo. 2 Doutrina religiosa considerada como verdadeira. 3 Conformidade de uma opinião com uma doutrina declarada verdadeira. 4Conformidade com o dogma cristão.
Nota: [1] Heterodoxo-(cs) adj (gr heteródoxos) 1 Diz-se de doutrinas, livros etc., contrários a algum padrão ou dogma estabelecido, ou diferentes dele; herético. 2 Diz-se daquele que sustenta doutrina contrária a algum princípio fundamental de uma religião ou sistema. Antôn: ortodoxo.
[2] Ortodoxia-(cs) sf (ortodoxo+ia1) 1 Qualidade de ortodoxo. 2 Doutrina religiosa considerada como verdadeira. 3 Conformidade de uma opinião com uma doutrina declarada verdadeira. 4Conformidade com o dogma cristão.
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