Por Jorge Fernandes Isah
HÁ UM SÓ DEUS!
Em Romanos, Paulo nos diz que o homem, "tendo
conhecido a Deus, não o glorificou como Deus... antes em seus discursos se
desvaneceram, e o seu coração insensato se obscureceu" [1.21]. O que
temos aqui, e que foi dito em outras aulas, é que o homem rejeita a ideia do
Deus Vivo e Verdadeiro e, por isso, cria para si outro "Deus" ou
deuses, de forma que o seu estado natural é de desobediência, de rebelião, de
pecado. Sua mente e coração foram obscurecidos pelo pecado, levando-o a cogitar
e afirmar insanamente que não há Deus ou que há muitos deuses, ou ainda que há
outro deus e, assim, o conhecimento inato e inerente ao homem é anulado, com o
objetivo de não glorificá-lo. Por isso, a Bíblia chama o homem que vive à
margem e à parte de Deus de ímpio. A palavra ímpio origina-se do latim "impius", significando que
esse homem é herege, incrédulo, que não respeita nem teme a Deus. Certamente o
termo pode ser usado por qualquer religião, para designar aquele que não a
segue, que não se submete a determinada fé ou a professa. Mas como o nosso
interesse é o bíblico, ela nos remete àquela pessoa que rejeita, despreza, e
peca contra o Deus santo, o Deus bíblico. Todo aquele que tem o seu prazer em
si mesmo, não busca a Deus, nem a sua justiça e o seu reino, é um ímpio; como o
salmista diz: "Pela altivez do seu
rosto o ímpio não busca a Deus; todas as suas cogitações são que não há
Deus" [Sl 10.4]. O ímpio é todo ateu prático, ainda que ele creia na
existência de um ser supremo, e até mesmo o cultue acreditando fazê-lo em nome
de Deus. Para o ímpio, incrédulo, ou ateu prático, não há o Deus bíblico, há
múltiplos e diferentes deuses; porém, cada um, em si mesmo, é o reflexo do
próprio homem, o que, em suma, configura uma autoidolatria, o adorar-se e ser
autoridade de si próprio.
A Escritura nos revela uma galeria de ímpios: os que cobiçam, mentem, roubam, e
matam, aqueles que maquinam o mal, por exemplo [Pv 6.14]. Mas nenhum crime é pior do que o de rejeitar a Deus,
desobedecê-lo, e rejeitar a sua palavra. Na verdade, todos os outros crimes,
pensados e praticados, originam-se destes; os quais são reflexos do afastamento
do homem de Deus, da sua recusa em reconhecer que há somente o Deus bíblico, e
de que ele é o Senhor ao qual todos os homens devem glorificar e honrar. O
pecado é o que aparta o homem de Deus, e o afastar-se dele é mantido pelo mesmo
pecado. Há um círculo vicioso em que um compele ao outro, e o outro mantém
aquele. O homem está afastado de Deus por causa do pecado, da sua transgressão,
e é ele que o conserva no mesmo estado, sem mudança. Por si mesmo é-lhe
impossível achegar-se; é necessário que Deus se apiede, tenha misericórdia, e,
então, somente então, ele aproxima-se do homem, trazendo-o à sua comunhão.
Novamente, com isso, não estou dizendo que não somos responsáveis pelo nosso
afastamento, pelo distanciamento, por nos manter desligados dele. Em nossa
natureza caída, nós queremos, ansiamos, e buscamos manter a distância, e andar
vagueando à procura de um outro deus, um impostor que satisfaça o desejo
veemente de nosso ser, pois, ao contrário de Deus, não é possível ao homem se
satisfazer em si mesmo: ele precisa de Deus. Acontece que esse deus jamais será
suficiente e capaz de fazê-lo.
Há um ditado que diz: nem tudo que reluz é ouro. Existem muitos metais que
reluzem: prata, cobre, aço, etc, mas suas características são distintivas do
ouro, o qual é particular em seus atributos, nos elementos que o constituem.
Guardadas as devidas proporções, pois se trata de uma analogia, e nenhuma
analogia pode descrever fielmente a natureza divina, que é única, perfeita e
incomparável, Deus não pode ser distintivo e múltiplo na variedade de deuses e
cultos, da forma como os seus adoradores pressupõem. Ele não pode, ao mesmo
tempo, ser um e outro, e ainda outro, assim como o ouro não pode ser nem prata
nem cobre [ainda que eles estejam na categoria dos metais]. Por isso, a mente
humana sempre optou em criar vários deuses, a fim de que a inconstância e
incoerência humana sejam satisfeitas em todos os detalhes. Mas pouquíssimos
deles revelam algo verdadeiro de Deus; tornando-o cada vez mais desconhecido do
homem, e este cada vez mais ignorante de Deus. E, no que resta, há muito pouco
dos atributos divinos, ou não há nada; e o que há é o culto, a adoração ao
homem pelo homem [ainda que mascarado, subliminado]. Toda religião que
não professa a adoração ao Deus bíblico, ao único Deus, aquele que se
autorrevela, e através do qual unicamente o homem pode conhecê-lo, não é
religião. Ela não tem qualquer poder de religar o homem ao Ser Supremo. Pelo
contrário, como o pr. Luiz Carlos Tibúrcio disse em uma aula passada, ela é a
antirreligião, é abominação, é afronta a ele.
Aqui temos um importante elemento, o do Ser Supremo. Não "seres
supremos", o que é impossível, mas apenas um. O próprio Senhor nos diz,
repetindo o verso de Dt 6.4: "O
primeiro de todos os mandamentos é: Ouve, Israel, o Senhor nosso Deus é o único
Senhor" [Mc 12.29]; e, complementou em sua oração: "E a vida eterna é esta: que te
conheçam, a ti só, por único Deus verdadeiro, e a Jesus Cristo, a quem
enviaste" [Jo 17.3]. Cristo não abre precedentes para que qualquer
forma de adoração seja possível, nem para a possibilidade de que todas as
crenças sejam abarcadas em um único significado e propósito. Não há como não
rejeitar toda e qualquer adoração e culto que não seja dispensado ao Deus
bíblico. Todo Deus fora da Escritura é falso; e uma imagem distorcida daquilo
que o próprio homem traz em si mesmo. Esse "Deus", nada mais é do que
o reflexo do homem; é ele olhando para si e, ao mesmo tempo, objetando usurpar
o trono celeste, e assumi-lo. Em seu delírio, ele presume que o ser finito,
limitado e temporal possa ocupar o posto do Ser infinito, perfeito, pleno, e
eterno. Se Deus é suficiente em si mesmo, autoexistente em si mesmo, livre e
independente, não havendo a chance de existir dois iguais, pois se um Deus
existe desde a eternidade, não há lugar para outro, logo, o que pensa estar
fazendo o homem? Se não há como existir dois seres perfeitos, eternos e suficientes
no universo, como pode o homem almejar tal condição, sendo ele mesmo o oposto
daquele que pensa combater?
Deus é um, único; ele é real. Dizer que há muitos deuses é dizer que não há
Deus nenhum. Dizer que existe um outro Deus, não revelado sobrenaturalmente, e
que se deu a conhecer sobrenaturalmente, também é não crer nele. Dizer que
todos os caminhos levam a Deus, é dizer que o errado é o certo, e o certo,
errado; de que a verdade não está nele mas naquilo que pensamos dele. Mais uma
vez, o homem quer-se fazer autoridade, inclusive sobre Deus, e a ideia do
ecumenismo e do universalismo nada mais é do que o estratagema maligno de
acomodar todos os homens e seus pecados numa única cumbuca e, assim levar todos
à destruição. Mas mais do que isso é pretender que Deus seja igualmente tolo,
como tolo é aquele que se aventura a uma crença genérica e difusa, em que o
Senhor não passa de um Deus lamuriante, a buscar ser aceito de qualquer maneira
pelo homem. Transferimos a ele a nossa doença, a nossa psicopatia, e não há
mais como distingui-lo de nós; como se fôssemos quem lhe dá a vida,
quem o sustenta e alimenta, e não o contrário; significando que todos os deuses
ou, mesmo o não ter nenhum deus, não passam de projeção humana, revelando o que
o homem é, e suas limitações. Com isso, estou a dizer que todas as crenças e
religiões, todos os deuses e não-deuses, todas as formar humanas de cultuar
partem do conhecimento que o homem tem de si mesmo, ou a expectativa de quem
ele seja para formatar um ídolo. Parte-se sempre do homem para Deus, da
autorrevelação humana para se definir o Ser de Deus, o que é um gravíssimo
erro, visto ele ser conhecido somente pelo que revela, de si mesmo. O que não
se torna em capricho o homem buscar definir Deus, nos aspectos em que nos é possível
fazê-lo à luz da Escritura, com o risco de, ao não fazê-lo, adorar um Deus
desconhecido, no qual não há uma personalidade ou, quando muito, adorar um deus
que se pareça tanto com o homem que acabe se confundindo com ele. Por isso,
resta-nos perguntar: quem é Deus? Sabendo que apenas o espírito regenerado em
união com o Espírito regenerador poderá ter a resposta correta. Ver Dt 4.35,39;
1 Sm 2.2; Is 44.6-8
QUEM É DEUS?
O
Cristianismo declara a fé no Deus eterno, todo-poderoso, ilimitado, imutável, e
infinito, ao contrário do panteão de deuses criados pelo homem fora da
revelação especial; os quais são invariavelmente imperfeitos, limitados, muitas
vezes não passando de réplicas do próprio homem, ou assumindo formas da
criação. O Deus bíblico não se compara nem pode ser comparado com nada. Como já
foi dito, ele é único [Dt 4.35,39; 1Sm
2.2; Is 44.6.8]. Mas também é quem, em sua perfeição e santidade, se
relaciona com os seus filhos, os quais são filhos por adoção, através do Filho
eterno, Jesus Cristo. E isso se dá exatamente por não ser nós a defini-lo, mas
ele é quem se autodefine para nós. Mesmo sendo a linguagem humana limitada, ele
se utiliza dela para levar à nossa mente limitada o entendimento de quem é, um
entendimento parcial, pois não nos é dado conhecê-lo além do que se revelou e
deixou-se revelar, sob pena de se construir um ídolo. Deus é o que é. Ele nos
diz: "Eu sou o que sou" [Ex
3.14]. E o que ele quis dizer? Ora, de que ele era o que sempre foi e
sempre será: Deus. E de que não pode ser nem nunca será o que não é. Deus se
apresenta como autossuficiente em si mesmo. E temos aqui um outro aspecto muito
interessante que é o da singularidade divina, o fato dele ser único,
incomparável, de que não há nada igual a ele, de forma que ele é a origem de
tudo o que foi criado, sendo ele o mantenedor de todas as coisas, o princípio e
o fim delas, mas o Ser eterno, não tendo ele mesmo princípio, nem sendo gerado
por outro. Deus é absoluto, o único absoluto, independente, e sua identidade
está no caráter impar que o distingue de tudo, de todas as coisas. E quais são
essas coisas, as quais definem Deus?
Primeiro, é necessário dizer que, antes de tudo, Deus é um Ser pessoal. Ele tem
uma personalidade, e características que o definem como Deus. A Bíblia nos revela
exatamente aquilo que ele quis nos fazer conhecer, de forma que é possível não
apenas conjeturar mas ter certeza, afirmar quem é Deus. E isso é definido por
sua pessoa, a qual, sendo Espírito, invisível, ainda assim se relaciona com as
suas criaturas e filhos. Com os primeiros, como Criador, com os segundos, como
Pai. Em ambos, age como Senhor; sobre os quais ele está, e sob quem todos
estão. Por isso, ele também é chamado de Soberano, aquele que está revestido da
autoridade suprema, que governa com absoluto poder. Mas a questão é, como
saber quem é Deus?
É impossível saber quem é determinada pessoa sem conhecê-la. Quando alguém me
pergunta: Quem é Pedro? Para que eu responda exatamente é necessário conhecê-lo
para, então, descrevê-lo, e identificá-lo ao meu interlocutor. Caso isso não
aconteça, responderei: Não faço a menor ideia de quem ele seja! Ainda há a
possibilidade de eu inventar um Pedro fictício [e poderei criá-lo por vários
motivos, desde uma pilhéria para com o interlocutor, ou algum outro interesse],
mas ele não será nada além daquilo que é: uma simulação, um personagem
imaginário, irreal. Mas ainda que eu conheça o Pedro, e ele exista, e tenhamos
uma relação pessoal, não quer dizer que eu conheça todos que se chamam Pedro.
Da mesma forma, o meu interlocutor, ainda que ouça atentamente a minha
descrição dele, uma descrição analítico-descritiva, e saiba de detalhes da sua
vida pessoal, não terá uma relação pessoal com ele, pois ela se estabelece pela
reciprocidade, pela correspondente mutualidade.
Concluí-se então que ninguém poderá responder à pergunta, “quem é Deus?”, sem
conhecê-lo. O máximo que ele poderá é especular, no sentido de defini-lo
teoricamente, como objeto de estudo, sem que haja um relacionamento pessoal
mútuo. Por isso a importância da Escritura, a forma em que ele quis se revelar,
fazer-se conhecer ao homem. Qualquer um pode ter esse conhecimento
especulativo, bastando para tanto ler a Bíblia, como qualquer teórico pode
fazer e faz com a matéria do seu estudo; uma vez que ela não o descreve como um
ser abstrato, vago, indefinido, mas como o Deus vivo, sábio e perfeito. Mas
isso não é suficiente para se conhecê-lo. Guardadas as devidas proporções,
seria o mesmo que alguém dizer conhecer o Monte Fuji sem jamais ter ido ao
Japão. Sei da existência do monte; sei o que ele é; onde fica; mas não o
conheço verdadeiramente. Seria necessário eu viajar até ele para ter o
conhecimento completo. Há quem diga que isso não é necessário. Eu não acredito.
Alguém pode descrever uma paella, em seus mínimos detalhes, quanto à forma,
composição, sabor, aroma, mas enquanto eu não cheirá-la, comê-la, terei apenas
o conhecimento teórico, e não-prático. Com isso não quero dizer que a
experiência é suficiente para se conhecer as coisas, mas sem ela o homem poderá
facilmente viver no "mundo da Lua", e ter uma vida irreal. Ao
contrário do que os empiristas afirmam, não concordo que a verdade possa ser
conhecida pelos sentidos, pois eles são enganosos, assim como tudo o que o
homem é, pois, caído, contaminado pelo pecado, teve a sua natureza pervertida,
o que o tornou incapaz de se aproximar da verdade [1]. Porém, contudo, não estou a dizer que o homem não possa conhecê-la.
Contradição?
Sem entrar nos pormenores da regeneração [que veremos mais à frente], o fato é
que a ação do Espírito Santo é a única forma de o homem, impedido em si mesmo e
por si mesmo, conhecê-lo. Quando a mente obliterada pelo pecado é transformada,
esse homem passa a ter a mente de Cristo, tornando-se capaz de admitir como
verdadeiro o Deus bíblico. A experiência pessoal, sempre uma iniciativa divina,
em primeiro lugar, capacitará esse homem ao conhecimento. Sem isso, o que ele
terá é uma "sombra" do conhecimento, um espectro embaciado, sem que a
imagem se forme, e mantenha-se encoberta.
Em tudo isso, o que importa, no fim-das-contas, é que Deus quis se relacionar
com os seus filhos, porque ele é o Deus pessoal; de outra forma, se essa não
fosse a sua vontade, não haveria como os homens conhecê-lo, já que, por si
mesmos, é-lhes impossível. Temos então o seguinte:
1) Deus somente pode ser conhecido pela Bíblia, pois ele se deu a conhecer
através dela, que é a sua palavra. Nela ele descreve-se como quis se
manifestar, e tornou-se patentemente o Deus conhecido. De forma que o homem
natural pode ter algum conhecimento de Deus, um conhecimento teórico, mas
insuficiente para conhecê-lo como o Deus vivo e verdadeiro. Seria o mesmo que
um surdo diante de uma orquestra; ele veria os movimentos, os instrumentos, os
concertistas, o maestro... Veria a platéia, as palmas, e tudo o mais que
envolveria o concerto. Mas estaria impossibilitado de ouvir a peça musical.
Entenderia o que se está passando, o que está acontecendo, mas não apreenderia
a mensagem; a comunicação entre o autor e o ouvinte não se completaria,
mantendo-se obscura.
2) O Espírito Santo, ao regenerar a mente e o espírito do homem natural,
torna-o capaz de conhecer a Deus pela revelação especial; de forma que ela terá
um significado humano, mas também sobrenatural; e, assim, a voz sobrenatural de
Deus é comunicada inteligivelmente, sendo possível ao homem conhecer a verdade,
a qual é o próprio Deus, revelado na Escritura.
E, então, poderemos, finalmente, responder, quem é Deus? Mas,
primeiro, precisamos saber o que ele diz de si mesmo.
NOTA:
[1] Da mesma forma, não acredito que o conhecimento seja possível
exclusivamente pela razão, como os racionalistas afirmam. Penso que a razão
humana está contaminada pelo mesmo "vírus" que contaminou os
sentidos: o pecado. Assim, o homem necessita de Deus para, como um todo, um ser
completo, racional e experiencial, poder conhecer a verdade.
[2] Aula realizada na E.D.B. do Tabernáculo Batista Bíblico
em 11.12.2011, a qual pode ser baixada para o seu computador ou dispositivo móvel em Aula 12.MP3