Por Jorge Fernandes Isah
A partir de agora, ao menos uma vez por mês, estarei postando uma resenha de uma de minhas leituras, as vezes, transpondo comentários do blog "O que estou lendo... ou li" para cá. Assim, espero estimular os irmãos à leitura, tendo-se em vista que a audiência do Kálamos é maior do que aquele blog. Também me utilizarei dos temas correntes nos livros para outras reflexões, analogias ou superposição ao assunto. O que vale dizer que não esperem sempre uma resenha, mas até mesmo uma outra abordagem dentro dela. Poderei, também, escrever sobre livros já lidos em outros meses e anos, e que considerei relevantes do ponto de vista bíblico ou aqueles antibíblicos, os quais é necessário combater.
Terminei a leitura de "John Knox", e inaugurarei a série com ele, exatamente pelo tema ser pertinente aos últimos textos escritos sobre teonomia. Ele será o ponto de partida para futuras reflexões sobre o assunto. Então, vamos à resenha sobre o livro deste mês.
Boa leitura!
O Dr. Waldyr Carvalho Luz, entre outras obras, traduziu as Institutas de Calvino, do latim, e tem também publicados livros de gramáticas do grego e o Manual interlinear do Novo Testamento, ambos pela Cultura Cristã, o que o credencia como um autor erudito.
No início, temos uma apresentação rápida dos motivos que o levaram a escrever o livro, e suas fontes primárias, em que faz um apanhado geral do momento histórico em que John Knox nasceu; trazendo detalhes da Reforma Protestante que insurgia-se na Europa continental contra o poder papal, e que ainda era incipiente na Grã-Bretanha, especificamente na Escócia, país natal de Knox.
O panorama geral é tratado de forma a dar uma idéia do contexto em que o personagem vivia, um período em que as idéias e os movimentos eclodiam: Renascença, Iluminismo, Reforma, etc. Há citações de John Huss, Wycliffe e alguns mártires da Reforma em território britânico.
O estilo do Dr. Waldyr poderá não agradar a alguns. Por seu eruditismo, ele usa palavras e um fraseamento mais, digamos, sofisticado e que poderá soar hermético e rebuscado, sem contudo sê-lo. Com isso, não quero dizer que o livro seja maçante ou entendiante. Pelo contrário, a leitura é apaixonada para os que gostam de livros escritos com esmero e rigor, sem perder a objetividade.
O autor nos descreve os tempos tumultuosos e perigosos do período da Reforma na Europa e, no meio deles estava John Knox. Entre perseguições, ameaças, prisões [Knox chegou a ser escravo de uma galés francesa por dois anos], havia o amor à proclamação do Evangelho da graça, da suficiência apenas em Cristo encarnado, crucificado, morto e ressuscitado, pelo qual haveria salvação a todo o que cresse.
Homens fiéis a Deus e sua palavra sofreram a morte na fogueira, outros foram perseguidos, alijados, muitos tiveram de se exilar no continente, mas mais do que isso, o que estava em evidência era o caráter quase absoluto da injustiça dos homens, que resistiam pela força a manter o Evangelho restrito a uns poucos, de tal forma que a livre interpretação não era permitida, e havia apenas uma maneira de conhecê-la: pelos interesses e a motivação da igreja romana que tinha verdadeiro controle político e intelectual de todos os seus súditos espalhados mundo afora. Pensar biblicamente era assegurar uma sentença de perseguição e morte.
Interessante que, no momento atual, em que a igreja quer se despir de sua participação política, acreditando ser possível iluminar apenas as paredes dos templos, os cristãos do séc. XVI estavam empenhados na reforma eclesiástica, mas também na reforma da sociedade. O que me leva a corroborar a idéia de que Deus usará os meios humanos necessários para levar à cabo a sua obra; e, sendo assim, por que excluir desses meios o campo político? Por que podemos ser sal e luz nas escolas, universidades, no trabalho, nos lares, em atividades profissionais as mais variadas [onde em todas devemos demonstrar ao mundo o padrão moral e ético divinos], ocupando cargos de direção em grandes empresas, em grandes fundações, e mesmo no segundo e terceiro escalão governamental, os chamados cargos técnicos, mas não podemos ser luz e sal na política, propriamente dita? E aqui incluo a política partidária? Como se ela fosse um campo impossível de ser restaurada por Deus? Como se estivéssemos diante de um local nefasto e diabólico, quase tão todo-poderoso como Deus, em que a luz não pode combater as trevas? A seara de satanás seria um local especial em que ele teria um poder superior ao poder regenerador do Evangelho? Não parece que pensando e agindo assim estamos delimitando um campo de atuação em que nos é impossível atuar, e no qual a Bíblia não nos impede de atuar e, desta forma, não asseguramos ao diabo um lugar inviolável para que exerça livremente sua obra maligna sem oposição?
Ao meu ver, falhamos clamorosamente ao descuidar de uma área tão importante, e que em nada é diferente das citadas anteriormente, em que somos chamados a revelar a luz de Cristo e do seu Evangelho. Se é para agirmos moral e éticamente de forma bíblica em todos os diferentes segmentos da sociedade, o que nos permite excluir a política como um campo reservado apenas para a imoralidade, a injustiça e a antiética?
Realmente não entendo esse posicionamento de muitos irmãos, que asseveram uma biblicidade na omissão política, quando não há qualquer proibição ou obstrução ao crente para ser governador, vereador e até mesmo presidente do país. Como está escrito: "assim resplandeça a vossa luz diante dos homens, para que vejam as vossas boas obras e glorifiquem a vosso Pai, que está nos céus" [Mt 5.16]. Cristo não nos ordena a ser luz onde estivermos, para que todos os homens a vejam e, sobretudo, para que Deus seja glorificado? Ora, se escolhemos esse ou aquele lugar apenas para salgar, Deus não será glorificado onde escolhemos não salgar e, portanto, a vitória é do inimigo que estará livre para agir conforme a sua perversidade. A Bíblia nos exorta a influenciar o mundo; não podemos escolher arbitrariamente onde se deve influenciar, mas a própria palavra mundo inclui e engloba todas as esferas humanas, para que Deus seja glorificado em todos os lugares, perante todos os homens.
Foi o que Knox e tantos outros irmãos realizaram em prol do Reino, em amor a milhões de pessoas que estavam acorrentadas à ignorância da ICAR [e muito se deve ao seu aspecto político controlador; à sua aliança com o Estado; a impedir a liberdade de proclamação da Escritura], e que necessitavam conhecer a mensagem libertadora e redentora da Palavra.
Foi preciso que esses irmãos lutassem, muitos até o sangue, como está escrito em Hebreus, para que a verdade fosse proclamada e permanecessem livres para proclamá-la, combatendo contra o pecado [Heb 12.4]. Eram tempos difíceis, de muitas privações, em meio à onda de peste negra que assolava a Europa [estima-se que 1/3 da população da Europa foi consumida pela epidemia], muito sofrimento, muita resignações para, alegremente, cumprirem a missão que o Senhor lhes havia entregue.
Portanto, aconselho sobremaneira a leitura deste livro, que poderá revelar um pouco de história, um pouco da vida desses homens, mas também o dever que temos para com Deus de sermos completa luz em todos os lugares e ambientes. Sem nos tornarmos cínicos a ponto de querer ver o "circo pegar fogo" para que seja destruído mais rapidamente. Não nos cabe torcer para que as profecias aconteçam antes do previsto, nem nos esforçar na omissão para que ela se abrevie, mas, pelo contrário, lutar para que o mundo seja restaurado, o Evangelho de Cristo proclamado, e a sociedade [até mesmo os ímpios] se beneficie da ordem e paz que somente Cristo pode dar.
Isto não tem nada a ver com otimismo ou pessimismo, se acredito ou não no que vai acontecer [alguém aí tem uma bola de cristal à disposição?], nem em que tempo vai acontecer; porém a nossa obediência a Deus tem de ser em qualquer tempo, fazendo valer o chamado e a obra que nos foram dados, e deixar o resto com o Senhor. Acreditar que, porque o mundo vai de mal a pior, tem-se de cruzar os braços, é sinal de soberba, de se ter uma sabedoria superior à ordem que nos foi dada, e de se fazer superior à palavra que nos foi ordenada: Ide e pregai o Evangelho a toda criatura, em todas as nações, "ensinando-as a guardar todas as coisas que eu vos tenho mandado" [Mt 28.19-20].
De certa forma, é se colocar acima da palavra; de certa forma é desprezar o mundo, as pessoas, deixando que o mal exista livremente, sem contenção; de certa forma, é medo de sair do lugar confortável; de certa forma, é sinal de arrogância ao se colocar em posição privilegiada, como filho de Deus, privando as pessoas da totalidade do Evangelho, e com isso, impedindo-as de serem alcançadas. Parafraseando Mateus, ainda se cumpre a vontade de Deus, de que os não eleitos não sejam alcançados, mas aí daquele homem por quem os não-eleitos não são alcançados pela palavra, "bom seria para esse homem se não houvera nascido" [Mt 26.24].
John Knox nos mostrou que o Cristianismo é mais do que palavras ao vento, revelando o papel transformador do Evangelho em todas as esferas humanas, e de que a igreja exerce o papel fundamental não somente na sua proclamação, mas também na sua aplicação, sendo ambas a forma objetiva de propagação do Reino. Ao que parece, não somente devemos esquecer a luta dos reformadores, mas desprezá-la quase como uma loucura; afinal, o papel da igreja é lutar apenas contra as potestades espirituais; esquecendo-nos de que elas são materializadas nos homens, nos pensamentos e em seus feitos. Enquanto se pensar apenas numa luta sobrenatural, seremos invariavelmente derrotados no campo material, o que revelará uma derrota espiritual também [não estou apelando para o pragmatismo, os resultados não nos cabe obtê-los, mas devemos buscá-los. Se acontecerão ou não, não é da nossa conta. O nosso papel de proclamadores e membros do Reino de Cristo é que não pode ser minimizado ou relativizado]. E esse parece ser o intento do nosso inimigo, em espiritualizar até mesmo o que não é espiritual, para que o mal se materialize efetiva e objetivamente. Ao ponto em que nos acomodamos nas promessas ao invés de lutar por elas.
Título da obra: John Knox
Autor: Waldyr Carvalho Luz
Editora: Cultura Cristã
Avaliação: Bom
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