segunda-feira, 30 de maio de 2011

Cristo e a sexualidade - Parte 3: A mentira liberal












Por Jorge Fernandes Isah

Para quem esperava uma revelação bombástica na parte final do estudo sobre Cristo e a sexualidade, será uma decepção. Mas antes de entrar propriamente neste assunto, gostaria de relembrar o que já foi escrito:
1) Nos dois textos anteriores desta série, disponível aqui e aqui, afirmei que o sexo, dentro do padrão bíblico instituído por Deus, não é pecado. A falsa idéia gnóstica de que sexo é pecado, assim como tudo o que se refere à carne o é, não passa de um conceito antibíblico e pagão.
2) Disse também que qualquer aceitação ou defesa de práticas antibíblicas, inclusive sexuais, é idolatria; portanto, pecado. E o pecado nada mais é do que o desejo íntimo de se rebelar contra a Lei de Deus; é a sublevação da criatura contra o Criador, onde aquela quer tomar o lugar deste por usurpação, crendo em uma suposta autonomia que o "livre" de DeuS.
As correntes teológicas liberais [modernas e pós-modernas] não reconhecem Cristo como Deus. Tentam deformar a sua imagem fazendo-no um simples guru, mestre ou profeta. Quando se lê os liberais têm-se a nítida ideia de que, a despeito da linguagem empolada [quero dizer, confusa e ininteligível, a maioria das vezes] e aparentando piedade, o objetivo de todo o discurso cristológico é diminuir Cristo, de forma que ele não seja nada além de um homem iluminado. Cristo para eles é um espectro, quase uma ilusão. E, se ele era apenas um homem iluminado, por que não agiria como qualquer outro homem? Por que não se entregaria aos desejos como nós? E prescindiria do ato sexual? Bastaria mostrar-lhes a Bíblia e revelar o quanto ela fala do Senhor Jesus, afirmando em sua extensão a divindade, a humanidade sem pecados, e a Pessoa única de Cristo. Mas, reside exatamente na Escritura o problema dos liberais. Ou melhor, o ceticismo deles em relação ao Redentor.
A questão é que, para se chegar a esse ponto, de incredulidade quase absoluta, primeiro tem-se de desqualificar o Evangelho. O que faz com que o ataque primeiro dos liberais seja claramente voltado para a desmitificação da Palavra; uma busca obstinada em humanizar e desdivinizar o Cânon, tornando-o em um livro moral como qualquer outro, de qualquer religião. Cristo é equiparado nesse quesito a Confúcio, Buda, Maomé e outros "profetas" menos votados.
O fato é que os liberais se acham muito espertos e originais em suas loucas pretensões, mas há mais ou menos dois mil anos isso vem sendo intentado pelas forças do mal, por homens muito mais capacitados do que eles. Com isso, não estou dizendo que a capacidade intelectual daqueles os tornam melhores, mas a alusão de como o pensamento humano pode-se deteriorar e se tornar em uma réplica mal acabada de um destroço. O que é ruim, essencialmente, não pode se tornar melhor, antes aprimora-se em estragar-se em progressão. Se o homem não nascer de novo, não for regenerado, tornando-se em nova criatura, a sua ruína é certa, e irá sempre de mal a pior. 
Para um grupo de gnósticos, se Cristo veio em carne, não pode ser Deus, visto a carne ser má. Por não terem a fé que vem do alto, era-lhes impossível conceber que Deus, mesmo encarnando-se, não poderia ser afetado pelo mal; não poderia ter nada acrescentado à sua natureza; não poderia descer do seu estado santo e perfeito para assumir um estado corrompido e imperfeito. Ao formularem esse conceito, demonstraram claramente não ter a mente de Cristo, perfeita, a lhes revelar a verdade. Por isso diziam que Cristo era uma imagem, de que não tinha um corpo, mas parecia ter um corpo. Cristo para eles nada mais era que um ilusionista, um dissimulador primoroso, mas ainda assim um enganador. Por isso o apóstolo nos diz: "E o Verbo se fez carne, e habitou entre nós, e vimos a sua glória, como a glória do unigênito do Pai, cheio de graça e de verdade" [Jo 1.14]. E, ainda: "Nisto conhecereis o Espírito de Deus: Todo o espírito que confessa que Jesus Cristo veio em carne é de Deus" [1Jo 4.2]. Cristo fez-se carne, chorou, emocionou-se, teve fome e sede, padeceu, e, "como nós, em tudo foi tentado, mas sem pecado" [Hb 4.15]
Outro grupo de gnósticos empreendeu a tentativa de retirar a divindade de Cristo, tornando-o em um homem comum, porém iluminado por Deus. É o que se convencionou chamar de a busca pelo Jesus histórico. Para esses, ele veio cumprir uma missão, mas não tinha nada de especial em si mesmo. Pois comia, bebia, se emocionava, chorava, e até morreu. A ressurreição, para eles, era outra história, uma lenda como tantas outras criadas pelo imaginação do homem. Assim como a obra de remissão e expiação que Cristo veio realizar por amor do seu povo não passava de invenção dos autores da Bíblia. Logo, já que não passava de um simples homem, nada mais natural do que ele se entregar aos prazeres da carne, e até mesmo ter uma amante furtiva [como livros e filmes insinuam e tentam provar a partir de narrativas gnósticas. Interessante que o relato bíblico não tem, para eles, o mesmo valor histórico que os apócrifos].
Como atacar a natureza humana do Senhor Jesus faria poucos estragos, e as evidências históricas apontavam para a sua existência, não somente pelos testemunhos bíblicos mas também por muitos relatos extra-bíblicos da sua época, aprouve aos liberais atacar a divindade do Senhor, tirando dele qualquer aspecto sobrenatural. Mas, como disse, isso não foi exclusividade dos teólogos liberais do sec. XVIII e XIX, nem dos atuais, mas por séculos e séculos tentou-se criar uma história factível de um Cristo tão humano e sujeito a todas as fraquezas humanas quanto impossível reconhecê-lo Deus. 
Este preâmbulo teve como objetivo mostrar algumas coisas:
1) A incompreensão da Pessoa de Cristo por parte daqueles que se dizem dele mas não são, pois não o conhecem: "Mas vós não credes porque não sois das minhas ovelhas, como já vo-lo tenho dito. As minhas ovelhas ouvem a minha voz, e eu conheço-as e elas me seguem" [Jo 10.26-27]
2) Quando se abandona a Escritura, e navega-se por águas turbulentas, o homem, seja erudito ou não, precisa desconstruir a verdade, ao ponto de criar uma rede de mentiras em que a verdade seja enterrada em uma cova profunda. Mas, onde há a verdade, nenhuma mentira se constrói; e os esforços de erguê-la é o mesmo de se querer levantar uma parede em meio a um terremoto de 9.0 na escala Richter
3) Quando se quer um Cristo apenas divino, ou apenas carnal, não estamos falando do Cristo  biblico, e as bases para essas afirmações terão de ser a conjectura e a improbabilidade, pois o Senhor é revelado apenas na Bíblia. Qualquer outra fonte pode indicar a sua existência, mas jamais como ele é. Em outras palavras, o homem pode ter a convicção do personagem histórico que o Senhor Jesus foi, mas não será capaz de conhecê-lo, nem o seu ministério, se não lhe for revelado pelo Espírito Santo[1].
4) Por causa da carne, o sexo era visto como mau. Muitas deturpações originaram-se através da corrupção do seu sentido inicial, estabelecido por Deus: a prostituição, o incesto, o homossexualismo, a zoofilia, e tantos outros pecados que nada têm a ver com o princípio bíblico do sexo.
O que nos levará à pergunta inevitável: Por que Cristo não se casou?  
Muitos afirmam que, caso Cristo tivesse se casado [e praticado atos sexuais], não seria Deus, nem seria o Cristo, Senhor e Salvador. Mas, pergunto, qual a base bíblica para tal afirmação? Ela simplesmente inexiste. Não há na Escritura nada que pudesse afirmá-la. Como já vimos, o sexo, dentro do padrão bíblico, é santo. Se Cristo tivesse se casado, praticado atos sexuais, tido filhos, constituído família, em nada a sua divindade e obra estaria comprometida. Cristo não comeu? Cristo não bebeu? Dormiu? Chorou? Afligiu-se? Por que o sexo seria o componente que afetaria a sua divindade? Não afetaria. E sua humanidade perfeita e santa? Também não seria afetada. Logo, não foi por isso que Cristo não se casou. Então, foi por quê?
   Continua na próxima semana... 
   Nota: [1] Leia o texto "Revelação: O Deus Irredutível - Parte 1"

quarta-feira, 25 de maio de 2011

Deus limpará toda a lágrima [Pregação sobre Salmo 30:1-5]


















Por Jorge Fernandes Isah

Primeiramente, queria dizer que este Salmo é um clamor e um agradecimento que, ao mesmo tempo, o Rei Davi faz a Deus.

Davi louva o Senhor pois, mais uma vez, ele o havia livrado dos seus inimigos.  Davi era o rei de Israel; mas antes, foi alvo do ódio de Saul que o perseguiu e intentou a sua morte. Tenho para comigo que durante o reinado de Saul, ele não se preocupou nem mesmo com o seu povo, nem em servir a Deus, mas exclusivamente ele tinha o objetivo maligno de destruir Davi; como um ferroz inimigo daquele que o próprio Deus chamou de um homem segundo o seu coração [1Sm 13.14].

Deus se alegrava em Davi, o qual executou toda a sua vontade. E quem ouviu isso da boca do profeta Samuel? Saul. Naquele momento, ele soube que havia sido rejeitado por Deus, porque não guardou o que o Senhor havia lhe ordenado. Saul soube que Davi era amado do Senhor, e de que ele e o seu reino não subsistiriam. Daí em diante, Saul não mais seguia o Senhor, e não cumpriu as suas palavras, ao ponto em que Deus diz se arrepender de tê-lo posto como rei [1Sm 15.11]. Perseguir Davi não foi o pior pecado de Saul. O pior pecado de Saul foi a desobediência, o desprezar constantemente os mandamentos de Deus, entregando-se ao estado de permanente rebeldia a ele. Por isso ele perseguiu Davi enquanto teve vida; e não soube reinar conforme os mandamentos divinos. 

Davi, portanto, era um homem acostumado ao perigo. Mesmo entre os do seu povo, e mesmo entre os da sua própria carne. Davi foi perseguido, traído e desejaram e maquinaram a sua morte. Era um homem de dores. Não como o Senhor Jesus, mas um tipo do Senhor Jesus nesse aspecto. Interessante que, como àquela época, ele hoje é desprezado por muitos irmãos! Temos uma tolerância absurda e desproporcional para com os ímpios, para conosco mesmo, com os nossos pecados, mas em se tratando de Davi e, também, de Pedro, por exemplo somos intolerantes... O que vem à nossa mente é sempre o adultério do rei com Bate-seba, e a traição do apóstolo para com o Senhor, momentos antes da Crucificação. 

Esperamos que eles fossem super-homens, quando nos assemelhamos a sub-homens em relação a eles. Nem Davi, nem Pedro, ou qualquer outro homem foi alguma coisa por seus próprios méritos. Como um instrumento inútil, eles foram feitos úteis pelo poder de Deus. Assim como nós, não fizeram nada além do que lhes era devido fazer, contudo, muito, mas muito mais do que fazemos. Esquecemo-nos de que ambos foram poderosos nas mãos de Deus; de como Deus os escolheu para obras grandiosas, para feitos que resultassem no louvor e glória do seu nome. Deus os usou como nenhum de nós jamais será usado. E por isso, Deus os exaltou em Cristo. 

Por outro lado, eles também sofreram na carne o que jamais sofreremos; e souberam, mesmo nas tribulações, nas lutas, na injustiça, permanecerem firmes e confiantes no Senhor, em uma fé inabalável de que Deus não somente os sustentaria mas os ergueria caso caíssem; uma fé que muitos de nós, nos menores reveses da vida, colocamos em dúvida, perdemos a esperança, e nos entregamos à murmuração e ao desalento. Nos tornamos no pior tipo de ingrato, aquele que é incapaz de reconhecer todos os favores que lhe foi dado por Deus. Sem merecimento algum. Sem mover um dedo para alcançá-lo. Exclusivamente pela bondade e graça do nosso Senhor, quando a nossa recompensa, por aquilo que não fizemos e deixamos de fazer, seria a condenação e o inferno. 

Cada um de nós deveria se espelhar no exemplo desse herói da fé, que a todo momento sabia que Deus era aquele que o livraria dos seus inimigos, e lhe daria a vitória sobre eles [v 1]. Quando Davi diz: "Exaltar-te-ei, ó Senhor, porque tu me exaltaste", podemos ter a ideia errada de que o louvor a Deus deve ser dado somente se recebemos algo de que queremos ou precisamos em troca. O fato é que Deus não é um negociador. Tudo o que recebemos é por sua graça, de tal forma que não há mérito algum no homem que obrigue a Deus dar uma resposta que atenda os desejos e anseios humanos. O que Davi está fazendo aqui é reconhecendo o favor de Deus, colocando-se na posição de favorecido, de alguém que recebeu uma graça, e que, por isso, como um agradecimento, uma forma de reconhecimento ao que Deus fez, ele o exalta. 

Pedro nos alertou de que sem humilhação não seremos exaltados: "Humilhai-vos, pois, debaixo da potente mão de Deus, para que ao seu tempo vos exalte" [1Pe 5.6]. Davi se humilhava diariamente diante do Senhor, reconhecendo a sua dependência, e por isso, Deus o exaltou diante dos seus inimigos, os quais eram também inimigos de Deus. 

Por isso ele disse "clamei a ti, e tu me saraste" [v.2]; porque a cura da dor, da aflição, do temor, da angústia e de todos os males, somente pode vir do bom Deus. Hoje, esperamos por um alívio que venha de vários lugares. Esperamos na ciência, em terapias, nos prazeres, no poder, na diversão... de que sejamos capazes de curar a nós mesmos; mas esquecemos que apenas Deus pode curar nossas feridas. Novamente, Pedro nos diz: "Lançando sobre ele [Jesus] toda a vossa ansiedade, porque ele tem cuidado de vós" [1Pe 5.7]; e o profeta nos garantiu: "Verdadeiramente ele tomou sobre si [Jesus Cristo] as nossas enfermidades, e as nossas dores levou sobre si" [Is 53.4]. Como o próprio Davi pode confirmar, ao dizer: "Entrega o teu caminho ao Senhor; confia nele, e ele o fará" [Sl 37.5]. Ele sabia, claramente, que no momento da angústia e da aflição, de uma enfermidade, de uma injustiça, apenas Deus poderia curá-lo; por isso, ele clamava pela misericórdia que somente podia vir do alto.

No verso seguinte, Davi nos revela o estado em que se encontrava, como que o de um morto. E não há como não nos lembrar do Senhor, que sofreu toda a sorte de injustiças e crueldades por amor de nós, sendo crucificado, morrendo, mas ressurgindo dos mortos, como o próprio Davi revelou, profeticamente, séculos antes, em outro Salmo: "Pois não deixarás a minha alma no inferno, nem permitirás que o teu Santo veja corrupção" [Sl 16.10].

O corpo de Davi, diferentemente do corpo do Senhor Jesus, viu a corrupção, mas a sua alma foi preservada para a vida por Deus, e assim como ele, também nós não veremos a morte, pois Cristo garantiu: "Na verdade, na verdade vos digo que quem ouve a minha palavra, e crê naquele que me enviou, tem a vida eterna, e não entrará em condenação, mas passou da morte para a vida" [Jo 5.24]

Ainda que Davi esteja falando aqui sobre as aflições da vida, nas quais ele se via como um morto, dado o grau de opressão sobre a sua alma, o fato é que somente Deus pode nos livrar delas.

Então, ele conclama todos os santos, todos os irmãos, a cantar e louvar o Senhor, não por ter lhe dado um escape momentâneo, por ter solucionado um problema circunstancial, mas como forma de gratidão pela maneira como Deus cuida e concede ao seu povo o seu favor gracioso em toda a vida. Como está escrito: "E sabemos que todas as coisas contribuem juntamente para o bem daqueles que amam a Deus, daqueles que são chamados segundo o seu propósito" [Rm 8.28]. Ou seja, a vida que o Senhor nos dá é suprida em todos os mínimos e mais imperceptíveis detalhes pela sua providência e graça.

Então, somos presenteados com versos da mais rara beleza: "Porque a sua ira dura só um momento; no seu favor está a vida" [v. 5]. Que realidade fantástica o salmista nos revela aqui. Primeiro, de que somos merecedores da ira divina. Pela desobediência e transgressões, estávamos debaixo da ira de Deus. Estávamos mortos em ofensas e pecados, segundo o curso deste mundo, e éramos por natureza filhos da ira [Ef 2.1-3]. Mas graças a Deus que nos vivificou em Cristo, por sua misericórdia e o seu muito amor com que nos amou [Ef 2.4-5]

E o salmista continua: "O choro pode durar uma noite, mas a alegria vem pela manhã". O que pode ser o choro? Pode ser momentâneo, uma dor passageira, algo mesmo que não traga cicatrizes, nem marcas em nossas vidas. Mas pode durar uma vida inteira, anos e anos e mais anos em dores. O choro pode durar até a nossa morte; pode percorrer toda a vida do crente. Pode ser tão duro de suportar que somente Deus para nos manter com vida, quando o desejo é a morte iminente e o alívio da dor. O choro pode nos fazer sofrer, mesmo que seja através de uma lembrança. Mas ainda que o alívio não venha nesta vida, temos a promessa de que ele virá, enfim, na eternidade. É o que João ouviu: "E ouvi uma grande voz do céu, que dizia: Eis aqui o tabernáculo de Deus com os homens, pois com eles habitará, e eles serão o seu povo, e o mesmo Deus estará com eles, e será o seu Deus. E Deus limpará de seus olhos toda a lágrima; e não haverá mais morte, nem pranto, nem clamor, nem dor; porque já as primeiras coisas são passadas" [Ap 21.3-4]. Estejamos certos, meus irmãos, de que Cristo faz novas todas as coisas, porque, como ele mesmo nos diz: "Tenho-vos dito isto, para que em mim tenhais paz; no mundo tereis aflições, mas tende bom ânimo, eu venci o mundo" [Jo 16.33].

O fato é que, todo este Salmo é um louvor a Deus; Davi nos revela como devemos ser gratos, como devemos nos entregar à adoração, bendizendo o nome do bom Deus, porque ele é bom, e sua misericórdia não tem fim. Como filhos, devemos honrar o nosso Pai. como filhos, devemos obedecê-lo. Como filhos, devemos reverenciá-lo. Andando em temor e tremor, porque também a sua justiça é certa. Graças a Deus por ter-nos tirado do lamaçal do pecado, e ter feito de Cristo, seu Filho Amado, a nossa justiça. Por isso, cada um de nós, irmãos, louvemos e glorifiquemos a Deus, levantando mãos santas, corações contristados, e lábios puros em agradecimento por tudo quanto o Senhor tem feito, e tem nos dado.

Nota: 1) Pregado no Tabernáculo Batista Bíblico em 25.05.2011
2) Esta é a minha primeira pregação; e agradeço a Deus pelo privilégio de poder meditar, juntamente com os irmãos da minha igreja, em sua santa e bendita palavra. 

quinta-feira, 19 de maio de 2011

Decreto, o mal e hipercalvinismo













Por Jorge Fernandes Isah

Recebi a seguinte mensagem do irmão Fábio, em relação aos comentários ao livro “A Soberania Banida”:

Agora, a razão mesmo de escrever é, obviamente, sobre o fato de Deus ser o autor do mal. Eu concordo contigo que tudo aponta para essa conclusão, mas o que eu gostaria de saber é porque outros gigantes da fé não ousaram dar esse passo? Veja, o próprio autor do livro que você tratou, na hora “H”, resolve frear e não afirma o fato de Deus ser o autor do mal. Várias vezes eu ouvi que seria humildade intelectual não afirmar isso. É como se Deus tivesse criado um limbo, um vácuo teológico que na nossa pequenez deveríamos assumir. Você tem algum post ou estudo mais aprofundado no qual poderíamos ver ambas as idéias e seus argumentos e refutações? 
Outra: é isso que chamam de hiper-calvinismo, não é? 
Querido, Jorge, muito obrigado pela sua atenção.
Aguardo resposta”

Caro Fábio, 
acredito que as suas indagações são as de muitos que lêem o Kálamos e outros blog “heréticos”, net afora. Achei melhor, por ser um assunto sobre o qual vira e mexe estão me inquirindo, expor o que penso novamente, e, assim, responder a todos, mesmo os que ainda não se dispuseram a perguntar. Então vamos à resposta.
O fato é que todo calvinista acredita no decreto eterno [e não conheço ninguém que não o reconheça]; de que Deus preordenou e predestinou todas as coisas no universo, de tal forma que nada, absolutamente nada, pode frustrar a sua decisão. Esse me parece um ponto pacífico entre os calvinistas: reconhecer a soberania divina em tudo.
Há, porém, alguns elementos que são distinguíveis em algumas correntes. Por exemplo, os compatibilistas acreditam que o homem tem o poder de decisão a partir da sua natureza. Defendem que o homem, para ser responsável moralmente, tem de ser livre em sua decisão e ação. Para eles, responsabilidade está diretamente relacionada à liberdade da vontade, que é causada internamente no homem, ainda que ele não possa evitá-la. Por isso, concluem que a Bíblia afirma um paradoxo, o qual é: o Deus completamente soberano, sem que nada aconteça alheio à sua vontade, convivendo com a responsabilidade humana a partir da liberdade de decisão. Outro nome que dão ao paradoxo é o de “mistério” ou “antinomia”.
Os deterministas bíblicos, ao contrário, não reconhecem esses princípios [há de se reconhecer que mesmo o compatibilista é determinista em algum aspecto, por isso ele é chamado de determinista suave]. Escrevi alguns textos sobre o assunto: “Todos esses anos... e nunca fica mais fácil”“Mysterium Compatibilista”"Dupla predestinação, o barro decaído e a arbitrariedade de Deus"  e “Preso na própria armadilha”, dentre outros.
Para facilitar o entendimento, definirei alguns termos:
1)Compatibilismo: É a idéia de que não há conflito entre o determinismo e o livre-arbítrio, de tal forma que eles são compatíveis. Ou seja, é a visão de que as ações humanas são causadas por condições antecedentes, controladas por Deus, mas o homem permanece um “livre-agente moral”, pois agirá conforme a sua escolha, sem nenhuma compulsão ou restrição externa.
2)Determinismo teológico: o Deus pessoal, racional e soberano predeterminou e preordenou todos os eventos no universo, inclusive os pensamentos, decisões e ações humanas, desde o seu início, meios e  fins segundo a sua sábia vontade.
3)Fatalismo: Os eventos são predeterminados por forças impessoais, cegas e irracionais [o acaso, p. ex].
4)Paradoxo: Declaração aparentemente verdadeira que leva a uma contradição lógica. É a afirmação simultânea de duas proposições contraditórias.
Agora, leiamos um trecho da CFW, Seção III.1: Desde toda a eternidade, Deus, pelo muito sábio e santo conselho da sua própria vontade, ordenou livre e inalteravelmente tudo quanto acontece, porém de modo que nem Deus é o autor do pecado, nem violentada é a vontade da criatura, nem é tirada a liberdade ou contingência das causas secundárias, antes estabelecidas”.
Entendo que esta definição é contraditória, ainda que alguns digam que não. Nela temos a completa e total soberania de Deus em decretar tudo desde sempre, segundo a sua vontade, imutavelmente. Isso inclui todas as criaturas, eventos e “forças” existentes no universo, físicas e espirituais. Como o próprio Deus diz de si mesmo: “Para que se saiba desde o nascente do sol, e desde o poente, que fora de mim não há outro; eu sou o Senhor, e não há outro. Eu formo a luz, e crio as trevas; eu faço a paz, e crio o mal; eu, o Senhor, faço todas estas coisas” [Is 45.6-7]. E, em seguida, afirma-se que Deus não é o autor do pecado e que nem é violentada a vontade da criatura, de tal forma que os eventos secundários acontecem “livremente” pela vontade do homem. Ao se afirmar a liberdade dos eventos secundários, fico-me a perguntar: como Deus pode predestinar o final e prevê-lo infalivelmente se os homens são livres nas causas secundárias? É necessário um malabarismo danado para harmonizar os dois conceitos, o que resultará na corda esticada e vazia, e corpos estatelados no chão.
Há pessoas que relacionam a criação do “mal” com catástrofes, epidemias, e outros fenômenos físicos, por conta da Queda, de tal forma que eles ocorrem mais como uma resposta ao pecado; e assim, Deus jamais seria o criador do “mal” metafísico. Acontece que mal é mal, sejam os pensamentos ou as ações. Não vejo como distinguir um do outro, essencialmente. Mas, suponhamos que Deus criou ou ordenou o mal físico; quem criou o mal metafísico? Se ele não foi criado, resta-nos reconhecer que o mal é autocriado, uma força eterna e que se opõe a Deus desde sempre. Contudo, sabemos que todas as coisas foram criadas por Deus, e por ele são sustentadas pela palavra do seu poder [Jo 1.3, Hb 1.3].
Acontece que as pessoas reconhecem que Deus é o criador de tudo o que é bom [numa perspectiva humana do que seja bom] e de que o mal é obra das suas criaturas. De tal forma que o homem caiu no Éden por influência maligna; mas, e Satanás? Estando no céu, diante da glória de Deus, sem nenhum contato com o mal [visto não haver o mal ainda], como pode querê-lo? É-se possível querer algo que não se conhece? E com isso, ele e 1/3 dos anjos caírem? O mal, como uma força contrária a Deus e da qual ele não tem controle, ao ser criado pelo diabo, torna-o quase tão poderoso como Deus. Mas sabemos que ele não passa de uma criatura. De um lacaio de Deus, como Lutero disse. Então, a questão é: como Deus pode ser o criador do mal? Deus é o criador do mal metafisicamente falando, pois nada pode vir a existir sem que ele o faça vir a existência. Porém, quem o realiza do ponto de vista físico são suas criaturas, seja por pensamentos, ações, etc. Deus é o criador do mal, mas Deus não pratica o mal. Sabendo que, mesmo o mal, está incluído no perfeito, santo e justo plano divino. O calvinista que crê no decreto eterno e imutável não pode crer que o mal, o pecado, a queda, etc, não fazem parte da Criação. E se fazem parte da Criação, Deus é o autor deles.  
Quanto à pergunta: “Por que outros gigantes da fé não ousaram dar esse passo?”Bem, seria bom se pudéssemos perguntar a eles. Muitos, provavelmente, repetiriam o que escreveram ou pregaram. Acontece que todos, sem exceção, chegariam à mesma conclusão, mas, no meio do caminho, optaram por recuar e dar uma explicação convencional, que agradasse a todos, gregos e troianos. Darei duas hipóteses para isso:
1)    A subscrição da CFW. Por pertencerem a igrejas que subscrevem a CFW ou outras confissões derivadas dela, em que a questão do decreto é colocada de forma compatibilista [Deus soberano e o homem livre em sua vontade], eles não querem se tornar “rebeldes” e preferem sustentar uma contradição a enfrentarem o Concílio.
2)    O “temor” de se acusar Deus de criador do mal ou do pecado [e não vejo humildade nisso, mas desprezo à verdade] e se verem numa situação desconfortável diante dos homens.  Em última instância, se Deus decretou o pecado, a Queda, e todos os eventos no universo, inclusive, tragédias, guerras, mortes, epidemias, etc, ainda que suas criaturas sejam os agentes morais, não há como não reconhecê-lo como o autor do mal por seu decreto eterno.
Ao excluir-se o mal, o pecado e as tragédias do decreto, significa dizer que Deus não é soberano, e de que essas coisas aconteceram e acontecem alheios à sua vontade. Seria, mais ou menos, o que os teólogos do processo e da teologia relacional sustentam, e que se confronta flagrantemente com o que o texto bíblico nos revela. Para se defender Deus, ataca-se o próprio Deus. Para defendê-lo, suprime-se a revelação especial, e assim, os textos em que o Senhor ordena, por exemplo, a morte dos cananeus, é visto metaforicamente, ou o povo de Israel agiu por conta própria e pôs a culpa em Deus, quebrando um dos mandamentos da Lei, mentindo. Isso levará à incredulidade, e de que a Bíblia não é a fiel e inerrante palavra de Deus. E ao descrer-se do texto bíblico, o descrédito é transmitido a Deus, o qual o revelou; de forma que não se pode conhecê-lo, pois o que foi revelado não é verdadeiro. O ciclo é de ceticismo, em que a verdade é relativizada para que a mentira prevaleça.
A sua última pergunta é sobre o hipercalvinismo. Há muita bobagem sendo dita sobre o assunto. Por exemplo, eu não creio na graça comum. Creio apenas na graça eletiva. E, por isso, sou chamado de hipercalvinista. Creio na dupla-predestinação, logo, sou hipercalvinista. Mas a questão que difere mesmo o Calvinismo do Hipercalvinismo resume-se à chamada do Evangelho. Para o hiper, a proclamação do Evangelho para se crer e arrepender deve ser pregado apenas aos eleitos. Como eles saberão quem é ou não eleito, é o grande problema; um problema insolúvel. Como disse na última postagem, por mais hipercalvinista que alguém se diga, não conheço quem seja um “caçador-de-eleitos”. Isso é tolice, especialmente porque o chamado ao crente é para proclamar o Evangelho a toda criatura, em todos os lugares e tempo. Ser hipercalvinista é estar em rebeldia e desobediência ao Senhor.
Logo, crer na dupla-predestinação, que Deus elegeu uns para a salvação e outros para a perdição, ou não crer na graça-comum, não faz da pessoa um hipercalvinista. Ela poderá ser chamada de calvinista de seis ou sete pontos, um ou dois pontos além dos cinco estabelecidos nos Cânones do Sínodo de Dort [TULIP], mas jamais será um hiper.
Resumidamente, é esta a minha resposta, Fábio. Se puder ajudar em mais alguma coisa, estou à disposição.
Abraços.

sábado, 7 de maio de 2011

Reprovação, Vontade e Hipercalvinismo















Por Jorge Fernandes Isah

Postarei outra conversa por aqui. Aconteceu com o Tiago Vieira, do Internautas Cristãos, na qual abordamos vários assuntos. Especificamente, pincei este trecho que trata, como o título diz, de pontos complexos e polêmicos da doutrina cristã. Tudo começou com o questionamento do Fernando Frezza, do Barrabás Livre, sobre versículos  em Ezequiel: "Jorge eu estava lendo Ez 18:23-24 e queria saber sua opinião sobre 'Deus não querer morte do ímpio' e como assimilar isso à dupla predestinação...". Depois de pensar um pouco, conversando com o Tiago, transferi-lhe a pergunta. Daí em diante, outros conceitos foram se formando enquanto o diálogo progredia.
Sei que muitos acharão que estamos caçando "pêlo em ovo"; e, especialmente, a minha posição contrária à doutrina da "dupla vontade de Deus" exporá o meu telhado de vidro às pedras. Ainda assim, acredito que valerá a pena, como proposta de reflexão, mesmo que eu saia em pedaços.
Agradeço ao Tiago com o qual tenho sempre bons papos. Nem sempre concordamos, mas a paz reina entre nós, por Cristo que nos une e fortalece. A ele, meu agradecimento por permitir a reprodução da nossa conversa. 
Vamos a ela!

BATE-PAPO COM TIAGO VIEIRA

Eu: Deixa eu fazer uma pergunta teológica: como você vê a questão da dupla reprovação com o verso de Ez 18.23?

Tiago Vieira: Dupla reprovação? Nunca ouvi esse termo rsrs... É jorgianismo?... Ez 18.23: "Desejaria eu, de qualquer maneira, a morte do ímpio? Diz o Senhor JEOVÁ; não desejo, antes, que se converta dos seus caminhos e viva?"... Aí está falando da vontade preceptiva [1].

Eu: Humm... Foi mal... Eu quis dizer dupla predestinação...

Tiago Vieira: E mesmo na vontade decretiva [2], não penso que Deus tenha prazer na condenação dos ímpios. Os eleitos também são ímpios, pode estar se referindo a eles.

Eu: É uma das coisas que pensei...

Tiago Vieira: Mas acho meio forçado interpretar esses textos como se referindo só aos eleitos.

Eu: Ímpio necessariamente não é o réprobo... O reprovado eternamente, quero dizer. Mas ele está a falar com a nação de Israel.

Tiago Vieira: É o mesmo caso em 1 Timoteo 2:4; que deseja que todos os homens sejam salvos e cheguem ao pleno conhecimento da verdade.

Eu: Se não for nesse sentido a eleição e predestinação ficam desconectadas de Deus. Como se ele quisesse algo e não quisesse ao mesmo tempo.

Tiago Vieira: Há muita oposição entre as vontades decretiva e preceptiva de Deus.

Eu: Aí acho mais fácil, porque a carta é dirigida à igreja, ainda que seja na pessoa de Timóteo... Deus não é esquizofrênico. Ele é imutável em sua vontade.

Tiago Vieira: Por exemplo, Deus proíbe o casamento misto, mas Ele fez Sansão casar com uma filistéia... A vontade preceptiva proibe, mas a decretiva desejou... Juízes 14:4: "Mas seu pai e sua mãe não sabiam que isto vinha do SENHOR, pois este procurava ocasião contra os filisteus; porquanto, naquele tempo, os filistes dominavam sobre Israel".

Eu: Humm... Tenho dificuldade com essa visão. Ainda que ela explique, não me parece lógica. Sei que Pink e outros reformados gostavam muito de usar esse argumento de duas vontades, mas sei não... Acontece que a vontade preceptiva é proclamada para o homem, aquela que podemos conhecer, enquanto a decretiva, tirando as profecias, somente saberemos com o fato se desenrolando no tempo... Parece-me que a preceptiva está na dependência da decretiva; portanto Deus não tem duas vontades, mas uma vontade, e a vontade preceptiva faz parte dela, da decretiva.

Tiago Vieira: Mas como tu explicas quando Deus decreta algo que fere Sua Lei?

Eu: Bem, seria a mesma pergunta quanto ao mal ou ao pecado. Eles ferem a Lei de Deus mas foram decretados. Fazem parte da sua vontade.

Tiago Vieira: Então... É como se, por um lado, Deus desejasse que o pecado não ocorresse, e por outro, Ele deseja que ocorra... Ele deseja que todos pecadores se arrependam e creiam.... Mas também deseja que os réprobos não se arrependam, e também não lhes concede fé; isso faria de Deus um esquizofrênico?... Um arminiano diria que sim.

Eu: Entendo assim: a vontade de Deus é que o seu povo seja reunido em torno do seu Filho Amado, e o restante são meios pelos quais isso acontecerá no decorrer da história... Inclusive o mal, o pecado, as transgressões, etc.

Tiago Vieira: A gente falando em Bíblia... Acabei de lembrar que hoje é meu dia de postar no Leitores da Bíblia...

Eu: Deus estabelece um princípio para o seu povo; que o seu povo terá na eternidade através do sacrifício de Cristo; os demais eventos revelarão que todos os outros estão fora desse plano. Assim Deus revelará o seu amor para com o seu povo, separando-o e usando todo o restante para que o seu amor fique evidente, não pelo mundo, mas pelos eleitos... Vai lá, e posta!

Tiago Vieira: Já estou postando... Isso aí é do ponto de vista do decreto eterno e secreto de Deus, mas o Evangelho é anunciado a todos os homens e Deus quer e ordena que todos se arrependam.

Eu: Não. Está revelado na Bíblia que esse é o seu objetivo. Mas apenas os capacitados por Deus se arrependerão.

Tiago Vieira: Sim, revelado o plano, mas não a forma como isso se processa.

Eu: Logo, Deus não quer que os demais se arrependam... Sim, o decreto se desenrola no tempo e na história. Somente tomamos conhecimento dele quando está em execução.

Tiago Vieira: Veja: Atos 17:30: "Ora, não levou Deus em conta os tempos da ignorância; agora, porém, notifica aos homens que todos, em toda parte, se arrependam"... Textos como esse podem ser lidos como se tratassem somente dos eleitos?

Eu: É a instrumentalidade humana. Não há como ser de outro jeito. Não há chance do não-eleito se arrepender.

Tiago Vieira: Isso sabemos.

Eu: Pedro prega assim porque não sabe quem é ou não eleito.

Tiago Vieira: Mas o ponto é: somente aos eleitos é ordenado o arrependimento?

Eu: Precisa incluir todos no chamado ao arrependimento... Não. O chamado é para todos, mas apenas os eleitos ouvirão e responderão positivamente. Pedro não poderia dizer: "os eleitos que estão aqui, se arrependam; e os demais, podem ir embora...".

Tiago Vieira: Se ele fosse hipercalvinista, ele diria... rsrs...

Eu: Muitos que ouviram aquela mensagem se converteram no momento, e muitos outros ouviram-na e se arrependeram depois; e ainda hoje Deus usa a mesma pregação de Pedro para converter a muitos... É, se ele fosse... [rsrs].

Tiago Vieira: Responde: Deus queria ou não queria que Sansão casasse com uma filistéia?

Eu: Já imaginou se a coisa é colocada da forma de eleito e não eleito? Haveria uma exclusividade no próprio chamado, que já é exclusivo de certa forma, pois apenas os que se arrependerem estarão entre o povo de Deus. Mas quando se diz todos, mesmo quem não for eleito está sendo convidado, e recusará, ficando inescusável diante de Deus... Já imaginou o evangelista na caça por eleitos? Seria algo neurótico demais... Um caçador de eleitos [rsrs]... Quanto à sua pergunta, sim. Deus queria que Sansão se casasse com a filistéia, senão ele não se casaria com ela. A ordem de Deus para Sansão ou para Adão foi a mesma: não faça! Mas eles fizeram, cumprindo o decreto divino. E Deus quis que assim fosse. Que eles desobedecessem.

Tiago Vieira: Mas a Lei de Deus proibindo o casamento misto não é Sua vontade, também?

Eu: A lei e ordem vêm para revelar a desobediência e a desordem. Humm... Acho que faz parte da vontade... Como uma sub-vontade... Uma vontade inferior, sujeita à vontade superior. O mesmo caso seria Deus ordenar que o homem não matasse, pois se matar, pagaria com a própria vida; mas, contudo, ele ordenou a morte de milhares, como no caso dos Cananeus.

Tiago Vieira: Mas quando Deus ordena, Sua vontade preceptiva está mudando também.

Eu: O homem deve fazer isso como norma, e a norma é dada como critério de obediência, mas também de desobediência. Para, no final, todos, sem exceção, serem achados desobedientes... Apenas Cristo cumpriu a lei e obedeceu. Para que ficasse revelada a sua natureza perfeita, em contraste com a nossa natureza imperfeita... Não. A ordem ou preceito faz parte do decreto. É apenas mais um elemento dentro dele.

Tiago Vieira: A vontade preceptiva de Deus se altera em situações e com pessoas diversas... Por padrão, matar é pecado, mas em alguns casos ele ordena matar.

Eu: Ela é parte do decreto. Está sujeita a ele. Deus ordena que os homens se arrependam, mas nem todos se arrependerão, porque Deus não os capacitou para tal; assim a vontade final de Deus é que eles não se arrependessem, e desobedecessem sua ordem. Tanto a ordem como a desobediência à ordem fazem parte do decreto, da sua vontade soberana.

Tiago Vieira: Sim... Mas a ordem para que se arrependam não pode ser chamada de vontade de Deus?

Eu: O único problema nesse esquema é que algumas vezes Deus estará sujeito ao seu próprio decreto. No que não concordo. Discordando de mim mesmo [rsrs].

Tiago Vieira: Qual esquema? O seu?

Eu: É.

Tiago Vieira: Humm... É errado dizer que Deus DESEJA que todos os homens sejam salvos?

Eu: Não, do ponto de vista da proclamação do Evangelho. Mas é errado ACHAR que ele quer que todos se arrependam. Pois ele não quer, tanto não quer, que endurece muitos a não querer o arrependimento e a manterem-se rebeldes.

Tiago Vieira: Eu acho que o seu erro é não diferenciar a vontade preceptiva [revelada] da vontade decretiva [oculta].

Eu: Não sei. Estou pensando tudo isso enquanto converso com você... Nunca havia pensado nessa coisa desse jeito, ou mesmo de outro jeito.

Tiago Vieira: A morte de Cristo...

Eu: E é muita coisa para se pensar...

Tiago Vieira: ... Cada ofensa que Ele sofreu era da vontade de Deus ou não?... A minha resposta é sim e não.

Eu: Sim. Pedro diz isso em Atos 4.27-28: "Porque verdadeiramente contra o teu Santo Filho Jesus, que tu ungiste, se ajuntaram, não só Herodes, mas Pôncio Pilatos, com os gentios e os povos de Israel; para fazerem tudo o que a tua mão [a mão de Deus] e o teu conselho [o conselho de Deus] tinham anteriormente determinado que se havia de fazer". E o profeta diz o mesmo  em Isaías 53.10: "Todavia, ao Senhor agradou moê-lo [Jesus Cristo], fazendo-o enfermar; quando a sua alma se puser por expiação do pecado, verá a sua posteridade, prolongará os seus dias; e o bom prazer do Senhor prosperará na sua mão".

Tiago Vieira: Mas isso do ponto de vista do decreto, dentro do plano da salvação.

Eu: Não há outra vontade soberana a não ser a decretiva.

Tiago Vieira: Porém, não podemos achar que Deus tenha prazer na injustiça.

Eu: Olha, ele não tem prazer na injustiça... E o fato dele querer, decretá-la, não quer dizer que tem prazer. No seu plano perfeito era o que se devia fazer perfeitamente. Não havia outra opção mais perfeita, nem mesmo opções menos perfeitas; para que a perfeição do Filho fosse proclamada, ficasse evidente, e o Pai fosse glorificado.

Tiago Vieira: Sim; dentro do decreto, Deus desejou a injustiça; mas a injustiça é contra a Sua lei, portanto, Ele não quer a injustiça... Parece uma contradição, mas de fato não é.

Eu: "Desejou" é forte. Não digo que seja isso. Ele apenas decretou. O decreto tem coisas boas e más, mas ele, em si mesmo, é santo e perfeito, pois glorifica ao Deus santo e perfeito.

Tiago Vieira: Podemos dizer que, muitas vezes, dentro do decreto, Ele deseja que façam o contrário do que Ele deseja... Compreende?... São duas vontades. Ele decreta que violem a Sua lei.

Eu: Compreendo. Acho apenas que o termo "desejo" não deve ser empregado. Ainda que Deus queira. É como o Pai que não deseja punir o filho, mas tem de puni-lo para o próprio bem do filho. Ele o ama e não quer que ele se perca, por isso o castiga, mesmo não querendo castigá-lo; ele o faz pela necessidade insuperável... No caso dos eventos maus, Deus os decreta, mas não os deseja, porém eles cumprem o propósito maior de revelá-lo e a sua vontade primeira: separar um povo para si por meio de Cristo... Por desejo quero dizer ter prazer, se deleitar, etc. Mas se desejo é querer, isso ele quer.

Tiago Vieira: Não entendo assim. Entendo que, no caso das más atitudes das criaturas Ele está desejando [decretando] que elas façam o contrário do que Ele deseja [ordena em Sua lei]. No caso do anúncio do Evangelho aos réprobos a lógica é a mesma, mas ao contrário, Deus deseja [ordena em Sua Lei] que eles obedeçam, mas eles rejeitam, porque Ele deseja [decreta] a rejeição deles... Muito confuso?! 
Eu: É, um pouco [rsrs]... Assim Deus tem duas vontades?

Tiago Vieira: Sim.

Eu: Mas isso não faria de Deus alguém inconstante, logo, mutável? Pois qual vontade veio primeiro? E se veio, por que veio a outra?

Tiago Vieira: O decreto veio primeiro, e o decreto é imutável.

Eu: Só consigo entender como a vontade preceptiva submissa em tudo à decretiva, de tal forma que a decretiva é a vontade de Deus, a preceptiva é "componente' daquela... Uma ordem para que as coisas sejam separadas... Então, o decreto é a vontade divina.

Tiago Vieira: Mas a Lei também é.

Eu: A Lei é parte do decreto, também.

Tiago Vieira: Mas a Lei é uma vontade ou não?

Eu: É claro que é, mas é também um componente na relação do Criador com a criação. Porém, Deus não quer que todos sigam a Lei, pois do contrário ninguém a desobedeceria; logo Deus quer que nem todos a sigam; uns sim, outros não. Mas a ordem é geral, para todos os homens.

Tiago Vieira: Novamente não está diferenciando a Lei do Decreto? Se Ele ordena que todos obedeçam, Ele deseja que todos obedeçam.

Eu: A Lei está no Decreto... É componente dele.

Tiago Vieira: O fato dEle desejar [ordenar] que todos obedeçam não resulta em todos obedecerem, pois o que determinará quem vai ou não obedecer é o Decreto.

Eu: Desejar é querer. É diferente de ordenar. Eu ordeno que você não toque no meu sanduíche, mas enquanto dou as costas, você vai lá e come. Eu poderia tê-lo trazido comigo, ou prendido você no banheiro enquanto estivesse longe do sanduíche. Poderia haver meios de eu evitar que você desobedecesse, mas eu o deixei lá, sozinho; o sanduíche olhando para você e vice-versa, e você não resistiu, e comeu. Eu não quis que comesse, mas você comeu... É claro que estou falando de uma relação homem x homem, muito diferente de Deus x homem.

Tiago Vieira: se você ordena que eu não toque no sanduiche, significa que você não quer que eu toque, né!

Eu: No caso de Deus, ele quis que houvesse desobediência. Ao decretá-la. Ele não pode querer que eu obedeça e desobedeça ao mesmo tempo.

Tiago Vieira: Pode sim.. rsrs... Pois não é no mesmo sentido.

Eu: Então você há de convir que os arminianos estão corretos, Deus pode ser resistido pelo homem contra a vontade dele.

Tiago Vieira: Sim, contra a Sua vontade preceptiva sim, mas não contra a Sua vontade decretiva.

Eu: Sabe, o meu problema é fazer essa diferenciação, pois se Deus tem duas vontades, qual delas prevalece como vontade? Se eu quero algo e não quero, o que quero? Ou o que não quero?

Tiago Vieira: Vamos simplificar... Lei: o que pode e o que não pode. Decreto: vai obedecer ou não vai... Deus ordenou que Adão não comesse do fruto da árvore do bem e do mal; mas Deus decretou que Adão comesse. Suas duas vontades em oposição uma a outra.

Eu: A ordem não pode ser vontade. Pois Deus quis que Adão desobedecesse. A ordem é um componente do decreto sem o qual Adão não poderia desobedecer...

Tiago Vieira: Bom, pra mim a ordem é vontade.

Eu: ... E assim não curmprir a vontade de Deus.

Tiago Vieira: É da vontade de Deus que os homens não mintam, mas Ele decreta que eles mintam.

Eu: Penso o seguinte: Deus decretou como Lei que o homem não minta. Mas Deus decretou que alguns homens não mintam e outros mintam. E decretou que apenas um homem jamais mentiria, Cristo. No fundo, tudo é para a glória de Deus em Cristo, o homem perfeito, aquele pelo qual Deus seria conhecido, louvado, bendito, exaltado... A vontade de Deus é que homens mintam e outros não mintam. E que Cristo jamais mentiria. Se ele não quisesse que nenhum homem mentisse, nenhum mentiria.

Tiago Vieira: É, a nossa dificuldade está em definir o que é vontade. Eu chamo a Lei de vontade, uma vontade diferente do Decreto.

Eu: Qual T.S. trata desse assunto? Não me lembro de ter lido nada disso no Berkhof... ou no Cheung... Bem, não lembro de muita coisa que li mesmo...

Tiago Vieira: O Cheung fala muito disso.

Eu: Vou pegar a T.S. dele e dar uma lida... Não me lembro... realmente.

Tiago Vieira: Sansão e sua fé, eu acho que é um bom livro sobre o assunto... Eu acho, pois não lembro em quais livros ele trata das duas vontades. Mas sei que é em mais de um... Tem alguns textos no Monergismo que tratam do assunto:
Eu: Vou ler, e nos falamos... Estou lendo o texto do Sam Storms e parece que a vontade preceptiva é uma ordem mesmo... Que a vontade divina é a decretiva.

Tiago Vieira: Sim, mas é uma vontade... rsrs. Por isso se chama "vontade" preceptiva.

Eu: O termo me parece inadequado. Ele usa a expressão "vontade de preceito ou ordem"... Ordenar não é desejar. Posso ordenar que se cumpra algo que eu não quero, mas é necessário. Seja por força do cargo, missão ou para o bem próprio ou da outra pessoa.

Tiago Vieira: Mas quando Deus ordena, é porque Ele quer

Eu: Sim. Veja bem, a ordem em si não é o seu querer, pois ele quererá que uns obedeçam e outros não. Ela cumpre um plano maior que é o decreto. Ele é a vontade de Deus plena!... Mas vou ruminar em tudo isso, e depois continuamos o papo.

Tiago Vieira: A palavra "vontade" está sendo a tua pedra de tropeço... rsrs. No fundo, nós concordamos quanto ao conceito, só diferimos em relação aos termos.

Eu: Pode ser. Não gosto do termo vontade para designar uma ordem, necessariamente... Isso faria de Deus bipolar...

Tiago Vieira: O "problema" é que a própria Bíblia usa o termo vontade [ou desejo] para as duas vontades.

Eu: ... Ou com duas personalidades. Uma que quer, e a outra que não quer... Chego a dar razão aos arminianos [rsrs].

Tiago Vieira: huahuahua!... Daqui a pouco você abandona as fileiras calvinistas... rsrs.

Eu: Ou pulo para as hiper...

Tiago Vieira: Pois é; no fundo é o mesmo erro do arminianismo, só que ao contrário.

Eu: Mas a nossa discussão já está acirrada demais para pôr mais lenha na fogueira [rsrs].

Tiago Vieira: Hehe... É o mesmo erro lógico. O arminiano pensa assim: Se Deus ordena que evangelizemos todos, então todos podem ser salvos.

Eu: Não sei... O compatibilismo tem um erro lógico imenso, e não é hiper.

Tiago Vieira: O hiper pensa do mesmo jeito: Se Deus só vai salvar os eleitos, só precisamos pregar para eles.

Eu: Eles só esqueceram um detalhe: como saber quem é ou não!... Coisa pequena, de somenos importância.

Tiago Vieira: Tanto os arminianos quanto os hiper não entendem a diferença e a simultaneidade das duas vontades de Deus... Os hiper devem ter um tipo de eleitômetro... rsrs.

Eu: Opa! Quer dizer que quem não aceita as duas vontades de Deus é arminiano ou hipercalvinista?... Cruz-credo!... Quanto à pregar o Evangelho somente para quem "aparenta" ser eleito, isso é coisa de tonto! Nesse aspecto, não conheço nenhum cristão que seja um caçador-de-eleitos [rsrs]... por mais hiper que ele "pareça" ser.

Tiago Vieira: O hipercalvinismo acabou faz tempo. Desconheço alguma denominação que ainda tenha o hipercalvinismo como doutrina oficial.

Eu: Vou restaurar o movimento, sem a exclusividade do evangelismo para eleitos... seria o "neohiper"... [rsrs].

Tiago Vieira: Meu irmão, preciso ir agora.

Eu: Também vou. Passou da hora. Obrigado pelo papo.

Tiago Vieira: Abraço.

Notas: [1] Vontade Preceptiva - Representada pelas suas prescrições, determinações e mandamentos. Ou seja, são os padrões de conduta e encaminhamentos de vida, revelados por Deus em sua palavra.
[2] Vontade decretiva - Representada pelos seus decretos. A providência divina é a aplicação dessa vontade no desenrolar da história e de nossas vidas.