Por Jorge Fernandes Isah
Pergunta: Por que a igreja prega, hoje, o Novo e não prega o
Antigo Testamento?
INTRODUÇÃO E O
“MOVIMENTO DESCONTINUÍSTA”
Este é um questionamento que quer dizer, nas entrelinhas,
haver um Deus no AT e outro Deus no NT. Mais explicitamente quer dizer que o
Deus do AT é mau, enquanto o Deus do NT. é bom e, com isso, desprezar aquele,
como parte de um mito criado pela nação de Israel a fim de justificar seus
atos. Mas quais seriam os critérios para que se possa chegar a esse
entendimento? Há algum fundamento que
possa levar a essa compreensão?
Na verdade, essa diferença não existe. Sabemos que Deus é um
só, e que ele tanto se manifesta no AT quanto no NT, sendo o mesmo Deus. Ocorre
que ele se revelou ao homem de maneira progressiva no decorrer da história;
contudo sem alterar o seu Ser imutável [desculpe-me a redundância; o que é imutável,
por si mesmo, não pode mudar. Mas a ênfase foi proposital]. Deus se apresenta
de uma forma, podemos dizer, pedagógica, face à nossa limitação e incapacidade
de compreendê-lo plenamente; pois como pode o imperfeito entender o perfeito? E
o temporal o eterno? E pecaminoso o santo? Apenas pela sua bondade é que nos
foi dado conhecê-lo, dentro dos limites que ele mesmo estabeleceu para que acontecesse.
De forma que, pouco a pouco, nos mostra quem é, e qual a obra está a realizar
neste mundo. Ainda que essa revelação seja limitada, é por demais grandiosa,
maravilhosa e sublime para que a apreendamos totalmente.
Outro ponto no qual os proponentes da descontinuidade do AT
em relação ao NT falham é que essa visão somente pode existir por causa de
pressupostos falsos, com o objetivo de se chegar a conclusões tendenciosas e
antibíblicas. Ao ponto de considerarem como divino apenas as palavras do Senhor
Jesus nos Evangelhos, ainda assim com uma série de restrições. Mas, se Cristo
não escreveu ele próprio suas palavras, por que duvidam dos demais escritos?
Não foram Mateus, Marcos, Lucas e João os seus autores? Que garantia têm que as
palavras proferidas pelo Senhor foram ditas por ele? É algo que nem eles mesmos
conseguem explicar. Ainda mais se levarmos em conta que Cristo, em momento
algum do seu ministério, questionou, rejeitou, anulou ou desmentiu o AT, pelo
contrário, fez inúmeras citações de versos contidos nele. Logo, o que se tem é
a má-fé e incredulidade desses homens, os quais se fazem juízes para julgar o
que não lhes é permitido nem capacitado julgar: Deus e sua palavra. Novamente,
é um caso de arrogância, ignorância, presunção e ceticismo. Afinal, já nos
primórdios da Igreja, homens como Marcião e Manes propuseram exatamente o que
hoje se pode chamar de “movimento descontinuísta” [não sei se o termo já
existe, mas se não existe, está criado], rejeitando boa parte das Escrituras
unicamente com o intuito de respaldar suas loucuras. Essa é a mesma tática
utilizada pelo “TJ’s” também, mas o interessante é que, sejam os heréticos
primitivos ou modernos, nunca encontrarão na Bíblia os fundamentos para os seus
díspares e ofensivos ataques a Deus. Ao se defender alguma parte do texto
sagrado em detrimento de outros, não se defende nada além do próprio pecado. Ao
rejeitarem-se partes como mera manifestação humana e não-sobrenatural,
escolhendo aqui e acolá o que aparentemente sustentaria os seus interesses,
acalenta-se a iniqüidade, arrastando da consciência qualquer perspectiva de se
chegar à verdade. Assim agem os sábios deste mundo, os quais Deus chamou
loucos.
Quando não se reconhece Deus no AT e no NT, como sendo o
mesmo Deus, não se está rejeitando apenas os trechos que a mente limitada,
imperfeita e pecaminosa não quer reconhecer, mas essa mente está a rejeitar o
único e verdadeiro Deus. Porque Deus não muda, assim como a sua palavra. E o
que temos é o que já disse muitas vezes antes, o homem voltando ao Éden, um
retorno ao antigo pecado que levou à morte toda a humanidade, acreditando
possível tomar o lugar de Deus ou ser como ele. Quando esse mesmo homem profere
suas blasfêmias contra Deus e sua palavra, ele simplesmente está tentando se
fazer de Deus, e como qualquer imitação mal-feita apenas realçará as virtudes e
qualidades do original e verdadeiro. O homem, em sua manifestação ostensiva de
arrogância, ao pretender julgar a Deus mostra-se cada vez mais injusto ao
fingir ser o que jamais será. Pensando-se especial, o homem revela a sua
indignidade; acreditando-se auto-suficiente, revela a sua insuficiência;
exibindo a auto-estima, mostra-se invejoso e pusilânime; procurando a glória,
desperta apenas a repulsa. É esse homem que se faz de juiz, e quer questionar o
Todo-Poderoso. E, como Paulo argüiu o tolo do seu tempo, pergunto: Quem és tu,
ó homem, que a Deus replicas?
Ao contrário, todos os homens deveriam fazer como o
salmista, e louvar o Senhor, “porque ele é bom, porque a sua misericórdia dura
para sempre” [Sl 106.1].
AINDA SOBRE DEUS E
A INJUSTIÇA
Há outro tipo de incrédulos, aqueles que sempre estão a
acusar Deus de injusto, posto ter criado um mundo injusto. Esse também é um
questionamento gnóstico, com o qual os apóstolos tiveram de combater a seu
tempo, e que redundou no dualismo. Eles são os “descrentes intermediários”,
enquanto os que dizem não haver Deus, pois sendo bom e justo, como explicar a
maldade e a injustiça, seriam os “descrentes derradeiros”. Mas proporiam eles a
verdade? A maldade e a injustiça somente podem ser imputadas a Deus? E caso possam
imputá-la, ele não existe?
Há duas coisas a serem levantadas na questão:
A primeira é de que Deus criou todas as coisas, e
considerou-as boas. Já disse que o fato de Deus considerá-las boas não as
tornam perfeitas, pois se fossem perfeitas seriam uma reprodução do próprio
Deus. Nesse sentindo, nada é perfeito. Mas se o perfeito significa que elas não
tinham defeitos e estavam em ordem, acredito que se possa utilizar o termo.
Contudo, é sabido que se o homem, e mesmo a natureza, não fosse originalmente
criado com a possibilidade de queda, de pecado, de morte e corrupção, nada
disso aconteceria. Logo a possibilidade teria de existir para que elas pudessem
se manifestar. Deus não criou o pecado, nem o mal, mas em seu projeto eterno
havia essa possibilidade, não como algo que viesse ou não a ocorrer, e que
aconteceu à revelia divina ou por conta das contingências na história, mas como
algo real no “mundo das possibilidades”... Ficou difícil entender?... Para que
tudo exista e se torne real é necessário que exista no “mundo das
possibilidades”.
Tentarei uma analogia. Dois homens estão à margem de um rio.
Existe uma ponte ligando as duas margens, mas também se pode alcançá-las a
nado. Há as duas possibilidades de se chegar à outra margem. Um dos homens
decidiu atravessar a ponte, enquanto o outro resolveu nadar. Mas tanto uma como
a outra, para existirem, teriam de ser criadas por processos que culminassem na
sua realidade. A ponte seria primeiramente projetada, em seguida os materiais
comprados, os trabalhadores selecionados, etc, somente então, se iniciaria a construção.
E somente depois de concluída, existiria. Mas mesmo depois de pronta, ela teria
de ser mantida em perfeito funcionamento, a fim de assegurar a sua
funcionalidade. A ponte foi um projeto criado a partir de um desejo ou
necessidade, que a levou a existência. Da mesma forma, para que o homem
atravessasse o rio a nado, teria primeiramente de existir e, depois, aprender a
nadar. Também fruto de um desejo ou necessidade. De tal forma que nem a ponte
nem a técnica de nadar existem por acaso, fortuitamente [mas para além de tudo
isso é necessário que o rio exista]. Se não houvessem essas possibilidades
teríamos reduzidas as chances de se atravessá-lo, ainda que se pudesse dispor
de outros meios para a travessia: um barco, uma balsa, um tronco de árvore ou
em qualquer outro artefato apropriado para sustentar um homem sobre as suas águas.
Mas seja qualquer um deles, teria de haver o desejo ou a necessidade que os
levasse a existir.
Contudo, não existe a possibilidade do homem chegar à outra
margem voando como um pássaro ou flutuando. No “mundo das possibilidades” não
há homens com a capacidade de voar, inerente a si mesmo, sem o auxílio de
equipamentos e instrumentos. Com isso, estou dizendo que algo somente existirá
se houver a possibilidade de existir, pois se não houver, é impossível que
exista; logo, ele jamais existirá.
Usei toda essa exposição para dizer que o homem foi criado
com a possibilidade da queda, de forma que não haveria a possibilidade de não
cair. O homem foi criado “caível”, o que redundou na sua queda real. Por mais
que a idéia não seja agradável, ela está em conformidade com o que a Bíblia nos
revela acerca da vontade divina, de que ela é única, e infalivelmente
acontecerá. Em outras palavras estou a dizer que tudo existe somente pela
vontade de Deus, por aquilo que é possível no “mundo das possibilidades
divinas”. O fato de não pertencer a ele é sinal de que nunca existirá, pois não
existe como possível, mas como impossível.
Alguém pode alegar que Deus é o Deus do impossível, e isso é
verdade como possibilidade. Ele pode fazer tudo sem qualquer restrição, a não
ser a da sua vontade. Por exemplo, João o Batista disse aos fariseus que Deus
poderia fazer das pedras filhos de Abraão. Com isso, ele afirmou que tudo é
possível para Deus, mesmo as coisas impossíveis e improváveis, porém, não se vê
pedras transformadas em filhos, posto Deus não querer filhos dessa forma, ainda
que ele transforme o nosso “coração de pedra” em coração de carne, sem o que
ninguém será filho. O que o profeta disse não pertence ao “mundo das
possibilidades” de Deus, pois uma mente perfeita e santa como a dele não
cogitaria algo que fosse contrário ao seu propósito. O Senhor fará tudo
conforme a sua vontade, e não simplesmente por querer nos mostrar que é capaz
de fazer. Interessa-o revelar a sua vontade; e por ela devemos entender que há
uma “limitação” que se transfere ao seu plano e à sua execução. Deus não pode
fazer o que não quer, logo, o que ele não quer não existirá, nem mesmo como
possibilidade [uso o termo aqui como probabilidade]. Nenhuma força age sobre
Deus além de si mesmo, estando sujeito apenas e tão somente à sua consciência. Como
Deus santo, justo e perfeito, muitos aspectos, tanto do seu ser, como da sua
vontade, como da sua obra, nos são incompreensíveis. Sabemos que o mal e a
injustiça existem, e somente existem porque fazem parte do plano divino, de que
na sua mente eles são “possíveis”, e somente por isso existem. Novamente quero
frisar que “o mundo das possibilidades” de Deus não se refere ao que é possível
como hipótese, como algo que se possa recusar ou resistir a ser, mas como algo
a ser, no seu devido tempo [visto que o próprio tempo veio a ser sem chance de
não-ser. Ainda que ele seja, de certa forma, parte ou elemento da eternidade.
Mas sempre a partir dela, não o contrário].
Acontece que o mal e a injustiça são componentes do plano
divino, a cumprir o propósito santo e perfeito de Deus. Através deles,
reconhecemos que Deus é bom e justo, e através de Deus, somos exortados a
rejeitá-los, evitando-os, reconhecendo-os como antíteses de Deus. Qualquer
tentativa de imputar-lhe maldade ou injustiça somente revelará o quanto o desconhecemos
e quão equivocados somos. Porque somos nós a praticar a injustiça, somos nós a
praticar a maldade, somos nós a agir em desordem, e não Deus. Por isso, querer
culpar a Deus é o mesmo que tampar o sol com a peneira: a culpa é e sempre foi
toda e completamente nossa.
E este é o segundo ponto da questão. Foi o pecado de Adão o gerador
para que o mal e a injustiça, assim como o caos, entrassem na criação. Não
podemos lançar essa culpa nem mesmo sobre satanás, pois não foi ele quem pecou
esse pecado, mas o homem. Satanás foi um componente sedutor, que deu ao homem
exatamente o que ele queria e desejava, um empurrãozinho em direção à
desobediência, à ilusão de que poderia ser Deus. Mas, convenhamos, sem querer
ser “advogado do diabo”, não foi satanás quem pecou esse pecado, ainda que também
tenha sido punido por ele. Querer eximir o homem dessa responsabilidade é uma
fraude. O diabo não tomará o nosso lugar, tornando-se fiador, pois ele tem
muito que responder por si mesmo. Tentar, desesperadamente, imputar a culpa a
Deus, é o ápice do insensato. Não resta outra coisa a não ser reconhecer o
pecado, e de que necessitamos desesperadamente da graça, misericórdia e favor
de Deus para não sermos condenados. O arrependimento, confessando a nossa
condição pecaminosa, e de afronta a Deus, é a única forma de trazer ordem e paz
à nossa condição miserável e odiosa. Reconhecendo o sacrifício de Cristo na
cruz, o justo e santo tomando o lugar dos injustos e pecadores, porque nós, e
não Deus, estamos nesta condição de miséria. E somente pelo sangue do Cordeiro,
derramado em favor daqueles que Deus amou eternamente, pode limpar-nos de todas
as transgressões. O mal e a injustiça têm a função de nos revelar o que somos,
de nos mostrar aquilo em que nos tornamos, e a premência de, em Deus, sermos
feitos santos e imaculados. De forma a cada vez mais termos a consciência de
quanto mais próximos dele, mais distantes do mal, e quanto mais distantes de
Deus, mais rapidamente voltamos ao próprio vômito.
Outra questão evocada por este debate é o da inspiração
divina do AT. Muitos justificam o fato de não reconhecerem-no porque ele está
repleto de sangue e injustiças, e, muitas delas, segundo eles, ordenadas pelo
próprio Deus. Ora, tamanha má-fé de quem faz tais proposições é digna de morte.
Apelam sempre para a inocência das pessoas para rapidamente culparem a Deus; e
mesmo que elas não fossem inocentes, Deus não poderia ser acusado de crime
algum. A verdade é que ninguém é inocente, e todos somos merecedores de morte.
Isso me parece algo tão claro, do ponto de vista bíblico e lógico, que nem é
preciso tecer argumentos mais elaborados. Todos pecaram, e destituídos estão da
glória de Deus, diz o apóstolo [para quem não sabe, o livro de Romanos está no
NT; mas muitos não gostam de Paulo, e não dão valor aos seus escritos. Pior
para quem age assim, pois é a mesma palavra divinamente inspirada escrita
também por Mateus, Lucas ou João]. Apenas a bondade divina pode livrar da morte
uma parte dos defuntos, mortos muito antes de virem ao mundo, dando-lhes vida,
sem que haja qualquer injustiça. Pelo contrário, quando todos estariam
definitivamente condenados, Deus teve misericórdia de alguns, absolvendo-os. A
alegação de injustiça parte da falsa premissa de que todos os homens são
dignos, e por isso, não merecem a morte. Mas quem diz isso? Normalmente o morto
que não quer a vida, mas permanecer em seu estado de ruína. Que dignidade tem
uma pedra? Ou um pedaço de madeira? Não os vemos clamando por dignidade.
Simplesmente porque não podem, e mesmo se pudessem, não saberiam o que estão
pedindo, por não entendê-lo. Pois diante de Deus, ninguém é digno, pelo
contrário, todos são indignos. E se podemos triturar uma pedra até ela se
tornar em pó, e queimar uma madeira até se transformar em cinzas, por que Deus
não pode dispor das suas criaturas conforme a sua vontade? Se nós que não
criamos nada, nem a pedra nem a madeira ou outra coisa qualquer, podemos dispor
delas conforme a nossa vontade, o que nos leva a crer que Deus esteja
impossibilitado de agir assim? E, agindo, quem pode acusá-lo de injusto e mau?
Mas, novamente, afirmo que essa tentativa sempre provém da
mente daqueles que não reconhecem em Deus esse direito, pelo simples fato de
não se disporem a reconhecer a sua autoridade e a necessidade urgente de se
reconciliar com ele. Em sua soberba e orgulho se consideram tão bons quanto
Deus, de forma que ele não pode agir contra a vontade do homem, ou melhor,
contra os interesses dele. E sabemos o que é conveniente ao homem caído,
exatamente o que ele não reconhece como sendo: a maldade e a injustiça. Somente
por não constatarem em si mesmo aquilo que são, culpados daquilo que dizem não
fazer mas fazem, arvoram-se à loucura de imputá-las a Deus. É o típico caso de
mascaramento, de se travestir de Deus quando não passam de farsantes; e que a
psicologia chama de esquizofrenia, de se criar uma falsa realidade e não querer
contato com o real e verdadeiro. Não há desculpa para eles; por mais que eles
não queiram também se desculpar, preservando incólume o seu estilo de vida,
digo, de morte; porque o "deus-homem" jamais poderá salvar a si mesmo.
Notas: 1- Entendo que a resposta à pergunta inicial envolve uma série de questões, mas a primordial é mesmo a soberba e arrogância humanas de se fazer "Deus", a volta ao Éden. Então, não acredito necessário abordar todos os elementos decorrentes desse pecado "maior".
2- Textos analisados no áudio desta aula: Nm 14.4-20; Dt 18.9-15; Mt 25:26-30.
3- Aula realizada na EBD do Tabernáculo Batista Bíblico em 06.05.2012
4- Baixe esta aula em file.MP3
2- Textos analisados no áudio desta aula: Nm 14.4-20; Dt 18.9-15; Mt 25:26-30.
3- Aula realizada na EBD do Tabernáculo Batista Bíblico em 06.05.2012
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