Por Jorge Fernandes Isah
A bondade de Deus está manifesta não em
ele nos livrar das lutas, dores e tristezas do mundo, mas no fato dele nos
manter em paz mesmo nas tribulações, de permanecermos confiantes quando tudo
está desmoronando ao nosso redor, de nos manter dispostos a lutar ainda
que estejamos fracos, de resistir ao pecado e à incredulidade quando as dúvidas
nos assolam. Deus é supremamente bom ao estar sempre conosco, sem jamais nos
abandonar, mesmo quando nos sentimos perdidos e sós. Como está
escrito: “Provai, e vede que o Senhor é bom; bem-aventurado o homem que
nele confia” [Sl. 34.8].
A bondade de Deus em dar bens materiais
ao homem pode ser percebida por qualquer um, mas mais do que isso, a sua
presença, e estar diante dela, é que o torna essencialmente bom para com os
seus filhos. Veja bem, a bondade de Deus não está naquilo em que ele dá, mas
naquilo que ele é, e sendo, transfere e participa aos que escolheu participar.
Deus é bom, do ponto de vista humano, por suprir nossas necessidades, por nos
dar a vida, saúde, livrar-nos do mal, mas o ápice da sua bondade é nos fazer
semelhantes ao seu Filho Amado, Jesus Cristo, o qual é bom.
No Salmo 23, o rei Davi compôs um hino de amor e
gratidão a Deus por seu cuidado, providência, vigilância e eterna presença, que
mesmo nas agruras, perseguições e dificuldades da vida, ele jamais se sentiria
desamparado, antes tinha a certeza de estar protegido por Deus. O profeta
reconhece esse atributo maravilhoso do Senhor, de que ele é bom.
Através de imagens inspiradas e que remetem ao conforto, refrigério da nossa
alma, e à certeza do zelo divino para com os seus filhos, temos uma doxologia à
sua bondade.
A presença constante e incessante de
Deus em nossa vida é o que o faz bom. De uma bondade especial que
somente pode ser sentida por aqueles aos quais ele se entrega. Por isso, digo
sempre que a maior dádiva de Deus para conosco é ele mesmo se entregar a nós,
de uma forma tão maravilhosa que é impossível não recebê-lo como o favor
máximo, majestoso e esplêndido que se pode ter. Sem mérito algum de nossa
parte, Deus se entregou por nós e cuidou que o aceitássemos como o dom, o
presente, insuperável.
É também um cântico de confiança, em que Davi demonstra
conhecer profundamente aquele em quem depositou a sua vida. E isso nos leva a
crer que somente aqueles que conhecem a Deus podem confiar nele; de forma que
Deus se revelará apenas aos que ele conheceu eternamente. Este Salmo é
completamente dedicado à bondade de Deus, em suas várias formas de se
manifestar na vida daquele que foi feito santo pela obra de Cristo.
A ideia da presença do Senhor na vida do
servo é constante. E aqui, ao que parece, Davi estava em uma posição difícil,
provavelmente cercado por inimigos, numa situação de morte iminente, em um
“beco-sem-saída”. E, ainda assim, ele foi capaz de compor este hino,
glorificando a Deus, que é bom.
“O Senhor é o meu pastor, nada me
faltará”. Temos a imagem de Deus como um pastor, aquele que cuida e
protege as suas ovelhas, suprindo-as em tudo. Davi não somente se utilizou de uma forma
poética ou retórica, mas quis dizer exatamente o que disse: o Senhor é o
meu pastor; e, assim, reconheceu o cuidado de Deus para com ele, e de que era
fruto da sua bondade. Somente quem é bom pode suprir o outro em tudo, e essa é
uma característica que somente Deus tem, pois somente ele é capaz de saciar a
necessidade mais básica do homem [se é que há alguma necessidade que se possa
chamar de “básica”] até a mais exigente, sendo que em todas elas pouco ou nada
podemos fazer para colaborar.
Infelizmente as pessoas têm apenas uma
idéia material e imediatista deste verso. Não há nada de errado nisso, mas o
erro está em se pensar apenas nisso, de que Deus é capaz somente de suprir
nossas necessidades materiais. Mas ele cuida de nós de forma total, completa,
sendo que as maiores necessidades do homem moderno não são materiais, mas da
alma. De forma que ricos e pobres, brancos e negros, homens e mulheres, adultos
e crianças, encontram-se enfermos, e a cura somente é possível através do Bom Pastor, Jesus Cristo [Jo 10].
“Deitar-me faz em verdes pastos... “. É
uma imagem bucólica, tranqüila, reconfortante. Dando-nos uma ideia de
segurança, de certeza em descansar mansamente sob os cuidados sublimes do bom
Deus. Novamente, somente aquele que é bom pode dar ao outro a serenidade, a
pureza e o descanso seguro.
“Refrigera a minha alma; guia-me...”. Mais
uma vez, temos a imagem do descanso, o que nos faz lembrar do que nos disse o
Senhor Jesus: “Vinde a mim, todos os que estais cansados e oprimidos, e eu vos
aliviarei. Tomai sobre vós o meu jugo, e aprendei de mim, que sou manso e
humilde de coração; e encontrareis descanso para as vossas almas. Porque o meu
jugo é suave e o meu fardo é leve” [Mt 11.28-30]. Cristo é ao mesmo tempo
aquele que nos refrigerará a alma, mas também ele é o caminho da justiça, as
veredas da justiça, pelo qual fomos feitos justos e capazes de trilhar no
terreno da justiça. Morrendo por
nós, na cruz, ele se fez justiça para que fôssemos justificados e feitos justos
diante de Deus. E Cristo se torna, assim, o nosso duplo descanso pois, ao
descansarmos nele, descansamos de nós mesmos, e da nossa busca impossível pela
justiça meritória.
“Ainda que eu andasse no vale da ...” O
que é a morte? Durante muitos anos, décadas, fui afligido com a ideia da morte.
Ela sempre me perseguia, como um inimigo a me fustigar intermitentemente, desde a mais tenra idade.
Precisei muitas vezes me embriagar para conseguir dormir. A morte é uma certeza
na vida, de que todos, um dia, morreremos. Porém há uma diferença: aquele que
confia no Senhor não a teme, porque sabemos que ela não nos pregará surpresas, pois Cristo venceu-a, dando-nos a vitória [1Co 15.55-57].
O que mais me incomodava era a incerteza que a morte traria: se havia vida
pós-morte, como seria essa vida, e em que condições eu a desfrutaria, se é que
a desfrutaria. A morte, em si mesma, era uma conhecida, mas o que ela traria de
conseqüências é que me atormentava. Essa ideia não mais existe. Com isso não
quero dizer que a morte não possa trazer sofrimento e dor, mas de que Deus nos
capacitará a atravessá-la de uma maneira confiante, porque ele estará sempre
conosco, e o seu consolo estará presente, mesmo no momento mais doloroso e
sofrido que se possa ter na morte.
A imagem de vara e cajado alude à
disciplina, à correção, de forma que possamos ser conduzidos no bom caminho,
aprimorados na santidade, e certos de que aquele a quem o Pai corrige esse ama,
e se ama, a sua bondade está derramada sobre ele; e ainda que a correção não
pareça ser uma alegria mas tristeza, o seu exercício produz um fruto pacífico
de justiça [Hb 12.11].
Mas o profeta nos revela também que Deus
nos chama, como o melhor anfitrião, a assentarmos na mesa para o banquete que
ele nos preparou. Revelando-nos que somos íntimos de Deus, e nela, ele se
alegra em agradar-nos com mais do que a comida e a bebida, mas com a sua
presença. Os preparativos do banquete são provas da bondade divina, do seu
cuidado e zelo, mas mais do que isso, ela nos remete à sua presença, à essência
e à natureza santa, bondosa e perfeita do ser divino. Que pode ser reconhecida
por qualquer um, em princípio, mas que é rejeitada pela maioria dos homens em
sua insistente ignorância de se considerar autossuficiente e em um permanente
estado de alienação, de rejeição da verdade. Para isso, se apegam à falsa
realidade; à ilusão que não os deixam escapar da prisão que se autoimpõe.
E é nesse contexto que a igreja tem um
papel fundamental, como emissária da boas-novas, de que há cura para o
sofrimento humano. Podemos agir de duas maneiras, as quais se complementam: a
primeira, é suprindo as necessidades imediatas das pessoas, ajudando-as naquilo
que lhes faltam. Mas não podemos nos esquecer de que a barriga cheia logo se
esvaziará, e precisará novamente de algo que a preencha. E não devemos nos
furtar a sempre estarmos atentos a cumprir a missão de auxiliar o próximo
materialmente.
Contudo, não podemos nos esquecer de que
a barriga cheia atenuará apenas uma parte do sofrimento humano, e,
provavelmente, a parte menos significativa do homem. O Evangelho tem o poder de
alimentá-lo e sustentá-lo naquilo que ele tem de mais importante e mais
urgente: o seu relacionamento com Deus. O pecado, e a condição do homem de
pecador, ainda que ele resista a admitir, sempre o deixará em constante
angústia. O fato de muitos não pensarem nisso, de negligenciá-lo, é usado como
um recurso para não se sofrer. Mas é um engano ao qual o homem é levado pelo
pecado. Ele, esteja-se consciente ou não, sempre manterá o homem em angústia e
sofrimento. O próprio fato de sustentá-lo em sua voracidade, com as
conseqüências naturais que ele provoca, é a prova de que, mesmo na ostentação e
na satisfação de todos os desejos materiais e carnais, o homem permanece
angustiado e em
sofrimento. O alívio físico não alivia a alma; mas o alívio
na alma, o refrigério que Davi nos mostra, e somente possível em e por Cristo,
é capaz de nos fazer compreender que a corruptibilidade da carne é algo
aceitável, ainda que fruto da desobediência e do pecado, o que nos deve
entristecer, mas que uma alma restaurada pelo poder de Deus resultará em um
corpo incorruptível. O corpo saudável e que se deteriorará não pode garantir a
saúde da alma, mas a alma saudável, transformada por Deus, assegurará um corpo
igualmente saudável, transformado à semelhança do corpo do nosso Senhor.
E não é interessante que essa seja a
resposta para a aflição humana? E de que, somente assim, podemos
verdadeiramente ajudar e auxiliar os necessitados? Sejam eles materialmente
ricos ou pobres? Porque o problema maior do homem não é o material mas o
espiritual. Davi, cercado, ameaçado por seus inimigos, prestes a sofrer o
ataque, encontrava-se me paz, no descanso que somente Cristo pode dar.
Devemos ajudar as pessoas como conseqüência de uma fé viva, mas sem jamais nos esquecer da mensagem do
Evangelho, o qual cura a alma doente; e que se assim permanecer, doente, jamais
ocupará um corpo são.
Mais uma vez repito, Deus é bom não
naquilo que ele simplesmente dá, mas ele é bom em si mesmo, e isso é o que ele
nos dá, a si mesmo, porque ele é bom. Sobretudo, somente quem o
conhece pode reconhecer a sua bondade; e essa é a prova maior da bondade de
Deus, deixar-se revelar e conhecer até pelo mais mísero pecador, ao ponto em
que, cada um de nós, se alegre em reconhecer e dizer que Deus é "o meu Senhor e o meu
Pastor".
Pode-se ter quase tudo ou pode-se ter quase nada,
mas se você conhece a Deus e confia nele, você tem tudo.
Notas: 1 - Aula realizada no Tabernáculo Batista Bíblico em 20.05.2012
2 - Baixe esta aula em file.MP3
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