A UNIDADE DA PALAVRA
Por Jorge Fernandes Isah
CAPÍTULO 1: AS SAGRADAS ESCRITURAS
7. Na Escritura não são todas as coisas igualmente claras, nem
igualmente evidentes para todos.12 Mesmo assim, as coisas que
precisam ser conhecidas, cridas e obedecidas para a salvação estão claramente
propostas e explicadas em uma passagem ou outra; e, pelo devido uso de meios
comuns, não apenas os eruditos, mas também os indoutos, podem obter uma
compreensão suficiente de tais coisas.13
12 II Pedro 3:16. 13 Salmo 19:7; Salmo
119:130.
Temos aqui claramente ensinado um princípio que foi distorcido e abandonado
no decorrer dos séculos, antes da Reforma, especialmente pela ICAR, o de que
não há obscurantismo nem ininteligibilidade na Escritura; de que é possível compreendê-la
e entendê-la sem a necessidade de que homens "iluminados" a
interpretem. Por muitos séculos, a ICAR proclamou ser a Bíblia enigmática, de
forma que ao homem comum estaria vedado o seu entendimento, o qual aconteceria
somente pela autoridade da igreja; de forma que, somente através do clero, a
Bíblia estaria habilitada a ser interpretada e compreendida, dando-se-lhe o
sentido exato e correto. Como já vimos, isto é uma mentira, uma forma de
enganar e manter o homem preso à ignorância, de maneira que ele estaria sujeito
a aceitar passivamente tudo o que a igreja definisse como autoridade no texto
sagrado, e muitas vezes a corrupção do texto com a implementação de tradições
humanas que nada têm a ver com a verdade revelada e o seu sentido intrínseco.
A C.F.B. deixou evidente e patente que a Bíblia não é ininteligível, nem
obscura, nem cheia de mistérios enigmáticos, ainda que hajam passagens que não
são compreensíveis a todos os homens, como Pedro alertou acerca das cartas
paulinas [2Pe 3.16].
Porém não é preciso ser um catedrático ou acadêmico para compreender as
doutrinas essenciais e necessárias para a salvação e a vida cristã. O que
acontece, na maioria das vezes, é a rejeição e a não aceitação de determinada
doutrina, seja porque o homem tem pressupostos firmados em falsos princípios e
ensinos [paganismo, humanismo, materialismo, misticismo, por exemplo], ou por
interesses estritamente pessoais. Um homem que esteja disposto a abandonar a
esposa e a família por outra mulher, cometendo adultério, estará
invariavelmente em rebeldia contra o preceito divino do casamento indissolúvel
e, portanto não o reconhecerá como verdade, como doutrina bíblica. Então, para
corroborar a sua conduta pessoal, ele abandonará a verdade, de que a Bíblia é a
inteligível e verdadeira palavra de Deus para, nesse aspecto, questioná-la ou
simplesmente ignorá-la, baseado em convicções pessoais e alheias ao ensinamento
escritural. Em outras palavras, ele adaptará a Bíblia aos seus conceitos,
negando a sua autoridade naquilo em que ela afirma e os seus atos e práticas
contradizem e rejeitam.
Por
isso não creio que a Bíblia contenha mistérios. Ao contrário do entendimento
geral da Igreja, penso que Deus não nos deu "pegadinhas". Quando
Pedro diz que as cartas de Paulo eram de difícil compreensão, ele não quis
dizer que eram impossíveis de se compreender. O que fez foi apelar para o
cuidado em sua leitura, e a não precipitação em se procurar um entendimento
instantâneo, irreflexivo, muitas vezes contaminados pelos nossos pressupostos [1], a fim de não se criarem
distorções e heresias, as quais os indoutos e inconstantes torciam, assim como às
outras escrituras.
Pedro
equipara as epístolas de Paulo às Escrituras, e diz que não eram apenas os
pontos difíceis delas que os indoutos pervertiam, mas outras porções também [a
meu ver, ele refere-se aos lobos cruéis que adentrariam à igreja e não
poupariam o rebanho, e falariam coisas perversas para atraírem os
discípulos após si mesmos (At 20.29)]. Sei
que este ponto trará algum problema para muitos irmãos, visto que a questão dos
"mistérios" na Bíblia está
arraigada ao pensamento cristão moderno. Mas entendo que ela é uma explicação
trôpega, pois apontaria para uma revelação parcial e não total da parte de
Deus. Ou seja, aquilo que ele quis nos revelar para a nossa edificação e
crescimento não é suficientemente claro para que sejamos edificados e
cresçamos.
Logo,
os problemas não estão no texto sagrado; não há nele incompreensibilidade, mas ela
reside no homem caído e que, em sua natureza imperfeita e pecaminosa, não pode
apreender toda a sabedoria divina, todo o conteúdo daquilo que Deus deu-nos, e
que é uma pequena fração da sua infinitude, perfeição e majestade. E, ainda
assim, sua imensidão é por demais assombrosa para as nossas declaradas e
manifestas limitações. Contudo isso não nos exime da obrigação de buscar, de
desejar entendê-la, e teremos, no Espírito Santo, a ajuda necessária para
consegui-lo.
Providencialmente,
é aí que entra o Corpo, a Igreja, onde nem todos têm os mesmos dons, mas a
união de todos os dons traz ao Corpo a unidade necessária para que todos
participem do bem comum: a revelação especial. A piedade de um irmão nos levará
a conhecer a Deus. A caridade de outro, também. E assim será com o zelo,
reverência, sabedoria, ensino, oração, e tantos outros dons que Deus distribuiu
generosamente ao seu povo, o qual juntamente chegará à compreensão de tudo o
que se relaciona a si mesmo e sua obra redentora; uns auxiliando aos outros
mutuamente, sob os cuidados e ação do Espírito Santo, "até que todos cheguemos à unidade da fé, e ao conhecimento do Filho de
Deus, a homem perfeito, à medida da estatura completa de Cristo" [Ef.
4.13].
O corpo local, a igreja local, é o lugar onde os crentes
se reúnem não somente para louvar e realizar um culto de adoração,
mas se reúnem para auxiliarem-se mutuamente, edificarem-se
mutuamente, santificarem-se mutuamente, e realizarem a obra que Deus deu para a
sua igreja fazer; não a uma ovelha solitária e desgarrada, mas ao rebanho
marcado com o selo do Espírito e unido no amor sacrificial de Cristo. O Senhor
jamais disse: onde um de vós estiver... mas "onde
estiverem dois ou três reunidos em meu nome, aí estou eu no meio deles"
[Mt 18.20]. O Cristianismo é solidário e comunitário, ainda que Deus
chame um por um e o redima e justifique individualmente. E assim, todo o Corpo
é edificado e fortalecido, ainda que seja uma pequena congregação, um grupo
reduzido de santos, mas que estarão em comunhão harmônica ao Corpo, guiados e
justificados no nome santo e bendito de Jesus Cristo, a cabeça.
Fato
é que a Bíblia não é um livro obscuro e hermético. Pelo contrário ela é
inteligível e disponível a todos os homens. De forma que ela se autointerpreta;
de maneira que os textos mais complexos podem e devem ser entendidos à luz de
outros textos mais claros e correlacionados. Porém há dois elementos
fundamentais para a sua compreensão:
a)
A ação direta do Espírito Santo, seu autor, na mente e coração do pecador a fim
de que ele tenha o discernimento espiritual para compreender as coisas do
Espírito: "ora, o homem natural não compreende as coisas do
Espírito de Deus, porque lhe parecem loucura; e não pode entendê-las, porque
elas se discernem espiritualmente. Mas o que é espiritual discerne bem
tudo, e ele de ninguém é discernido. Porque, quem conheceu a mente do
Senhor, para que possa instruí-lo? Mas nós temos a mente de Cristo" [1 Co
2.14-16].
b) A disposição e interesse pessoal no estudo da Palavra. Se
entendemos que ela é a nossa regra de fé e vida, e de que o seu conhecimento
nos preparará para evitar erros e desvios a fim de se andar nos santos e perfeitos
caminhos de Deus, em obediência, o homem deverá se empenhar e esforçar para
fazer dela o seu mapa, a sua bússola e, para isso, o estudo diligente, piedoso,
reverente, concomitantemente à oração e à meditação, é fundamental. Não podemos
nos aproximar da Escritura como um livro qualquer, dispondo de uma leitura
superficial e desleixada. Mesmo o homem menos preparado intelectualmente se
aproxima-se da Escritura em temor e reverência, reconhecendo-a como a fiel e
santa palavra de Deus, será muito mais edificado e compreendê-la-á
satisfatoriamente do que um erudito que a examina como mais uma obra das mãos
humanas, como um livro entre tantos livros.
Todos
os homens podem entender a Escritura, mesmo os não regenerados, especialmente
em seus aspectos morais e éticos, pois Deus colocou nele o sentido da Lei, de
tal forma que muitos a cumprem ainda que na completa ignorância quanto a
Cristo. É o que Paulo diz: "os quais mostram a obra da lei escrita em seus
corações, testificando juntamente a sua consciência, e os seus pensamentos,
quer acusando-os, quer defendendo-os" [Rm 2.15]; de forma que encontramos pessoas que, no dia-a-dia
se revelam mais obedientes aos preceitos divinos do que muitos de nós. Com isso
não estou a dizer que eles têm a motivação correta, aquela que somente o
Espírito Santo pode dar; mas como o apóstolo disse dos judeus, têm zelo de
Deus, mas sem entendimento [Rm
10.2], de maneira que acabam por procurar uma justiça própria ao invés de
se sujeitarem à justiça divina [Rm
10.3].
Há algumas décadas atrás tínhamos uma sociedade mais ordeira,
em que as pessoas se preocupavam com o nome, a dignidade e a honra; não somente
com a própria, mas com as dos outros também. Havia uma máxima: o que não se
quer para si mesmo, não se quer para o outro. Observar essas coisas não levará
ninguém ao céu, mas revelará um senso de justiça que somente a Lei divina pode
dar e transmitir. E isso, através da leitura bíblica, pode ser alcançável por
qualquer homem [reafirmo: por vários motivos que não seja glorificar a Deus, o
que somente o crente pode fazer]. Infelizmente, para a blasfêmia ao nome de
Cristo, muitos crentes ignoram e desprezam a Lei, assumindo uma graça barata
que nada tem a ver com o ensino sagrado. Quão bom seria se todos nós
honrássemos e louvássemos o nome do Senhor com nossas vidas, não apenas com
nossos lábios e gestos [maneirismos gestuais]. Cristo revelou-nos sua filiação
não por dizer-se "Filho de Deus", mas por que agia e se comportava
como o Unigênito Filho de Deus.
Portanto, o desprezo à palavra de Deus, o desprezo à igreja
local, apenas revelará que esse homem não ama a Deus, ainda que ele proclame
isso aos quatro ventos, ainda que ele mesmo se convença, enganosamente, desse
amor, o que, contudo, a prática o negará.
Concluindo, todos devemos seguir o ensino de Paulo e
reconhecer que "toda a
Escritura é divinamente inspirada, e proveitosa para ensinar, para redarguir,
para corrigir, para instruir em justiça; para que o homem de Deus seja perfeito
, e perfeitamente instruído para toda a boa obra" [2Tm 3.16-17], ainda que existam dificuldades de
ordem espiritual e humana.
Nota: 1 – Pressuposição ou
pressupostos são idéias e crenças que temos, conscientes ou inconscientes, que
afetam a forma com que interpretamos os fatos e as provas. Nossos pressupostos
afetam o modo com raciocinamos.
2- Resumo da aula realizada na E.B.D. do Tabernáculo Batista Bíblico em 15/10/2011
2- Resumo da aula realizada na E.B.D. do Tabernáculo Batista Bíblico em 15/10/2011
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